sexta-feira, 18 de maio de 2018


A beleza feminina 
e as passarelas

Cesar Vanucci


“O seu balançado é mais que um poema...”
(Vinicius de Moraes e Tom Jobim, em “Garota de Ipanema”)

Nada como o modismo inconsequente para gerar reações descontroladas, até mesmo mórbidas. Os caras que inventaram, soberanamente, um padrão estético específico, imutável, para as passarelas, além de produzirem, como é sabido, estragos consideráveis com sua aprontação, deixaram à mostra, de modo irretorquível, não estarem com nada num tema que, esbanjando embriagadora autossuficiência, supõem dominar. Entendem bulhufas de beleza. Bulhufas de mulher. De gosto masculino.

Ao apontarem, mal comparando, a tábua de passar roupa como símbolo a ser obstinadamente perseguido no aperfeiçoamento das graciosas formas femininas, concorreram para que despontassem em numerosos desfiles de moda frisantes exemplos de contrafação da beleza. Réplicas caricaturais da beleza autêntica, cultuada na preferência universal das ruas. Incutiram, inadvertidamente, no espírito desavisado de algumas moçoilas incautas, ávidas pela fama instantânea, concepções distorcidas, grotescas mesmo às vezes, do que seja a formosura feminina.

E de que tipo de beleza se está mesmo a falar aqui? Ofereço como resposta uma referência estética extraída do “Livro dos Cantares”. Em forma de louvação à mulher, o texto abre um leque de opções na busca da versão que melhor se ajuste aos conceitos de beleza aceitos pelas pessoas. “A mulher bonita é uma graça. Espanta melancolias e consola mágoas de amor”. A gente ouve a lírica definição e sabe precisamente do que se trata.

Igualzinho acontece, aliás, quando retiramos dos versos de Vinicius, imortalizados na melodia em parceria com Tom Jobim, que conquistou as plateias do mundo, essa outra primorosa definição: “Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça, é ela a menina, que vem e que passa, em seu doce balanço, a caminho do mar.”

Confrontemos a imagem projetada na arrebatadora criação musical – onde se fala de um gingado de corpo “que é mais que um poema” e que deixa um rastro de encantamento - com aqueles desfiles desengonçados, mostrados com certa constância na telinha em lançamentos de modas de vestuário. Roubando a espontaneidade e faceirice das moças, despojando-as de sua graciosidade natural, transformando-as de quando em quando em versões robôs, para que possam cumprir satisfatoriamente burocrática missão profissional, em muitas passarelas costuma-se vender ao respeitável ao público, junto com trajes bolados por figurinistas famosos, uma noção falsa, enganosa, de beleza feminina. Os traços faciais harmoniosos de várias modelos são substituídos por toques crispados nos semblantes à hora da caminhada pela passarela. Uma caminhada que, em não poucos momentos, se converte num trote feioso, de musculaturas enrijecidas, ao gosto duvidoso das “recomendações técnicas” provindas dos bastidores. Por trás de toda uma encenação burlesca, fora de compasso, existem ainda, trazendo notórios riscos à saúde das desprevenidas jovens, os aconselhamentos imprudentes em favor do culto desvairado à magreza exacerbada. Quanto menos peso, melhor. Quanto menor a massa corporal, tanto maior a chance de se chegar ao almejado estrelato.

Esse modismo amalucado, de enaltecimento à magrelice, pode provocar danos irreparáveis. Aqui e alhures. Tanto isso é verdade que, de forma pra meu gosto tímida, nalguns círculos da moda sofisticada há quem já esboce reações contra os abusos praticados. Abusos esses estimulados ou, quando pouco, tolerados por setores, como dito anteriormente, totalmente desinformados do conceito que se tem, nas ruas, da autêntica beleza feminina. O padrão de beleza verdadeiro não dispensa, na configuração corporal da mulher, aqui e ali, uma ou duas polegadas a mais, um certo arredondamento generoso de formas, um manejo de corpo que desabroche num requebrado de alegrar a vista. Em suma, uma forma garbosa de movimento que deixa pendurada no ar a sensação deleitosa de que quando ela, mulher bonita, em seu meigo gingado, se põe a caminhar, ela mais parece, na verdade, executar mavioso passo de dança.


Sinto muito, muito mesmo!

Cesar Vanucci

As criaturas estão no caminho entre o Nada e o Tudo.
Encontram o que está acima de todos (...) pela via da oração.”
(Alceu Amoroso Lima)

Ouvi a oração, um bocado de tempo atrás, numa representação teatral. Anotei na memória velha de guerra as ideias básicas contidas no sugestivo recitativo. Resolvi aqui reproduzi-lo. Não tenho dúvida quanto à fidelidade aos conceitos. Mas, não consigo garantir o mesmo quanto à qualidade da reprodução. Peço a todos, por isso, que levem em conta a (boa) intenção.

Estou falando de uma mensagem havaiana de cunho religioso. Lembra a arrebatante Oração de Francisco de Assis, na parte em que exorta as pessoas ao exercício do perdão. Perdão concebido, numa e noutra prece – claro está - dentro da perspectiva da humildade, “base e fundamento de todas as virtudes”, sem a qual “não há nenhuma virtude que o seja”, como atesta Cervantes.

Por atravessarmos época pra lá de conturbada, carregada de tensões oriundas do ódio, intolerância, injustiça social,  propicias por tudo isso a reflexões acerca do sentido da aventura humana, considerei de oportunidade compartilhar essa oração com os amáveis leitores.

O texto que dei conta de rememorar diz (mais ou menos) o que vem alinhado na sequência. Sinto muito, muito mesmo, por tudo aquilo que, partindo de mim, haja provocado, em qualquer época e qualquer lugar, sofrimento, decepção, frustração, ira, desalento, perturbação, contrariedade em pessoas de meu ambiente familiar; em pessoas de meu círculo afetivo; em pessoas de minhas ligações profissionais; em homens e mulheres, adultos e jovens, conhecidos ou desconhecidos, que cruzaram meus caminhos no curso desta caminhada pela pátria terrena. Sinto muito, sinceramente, por tudo aquilo que, em decorrência de atos ou palavras de minha autoria, possa ter dado causa a reações de pessoas de minha roda familiar, de minha esfera afetiva, nas minhas vinculações profissionais e comunitárias, que despertassem em mim rancor, tristeza, inconformismo, irritação, desejos de vingança. Rogo da Suprema Divindade que transmute todas essas emoções negativas em energias positivas. Energias que tenham o mérito de comunicar sensações de bem-estar e conforto a todos e que possam contribuir para a construção de relacionamentos humanos harmoniosos, fraternais e duradouros.

Eu sinto muito por tudo isso. Peço, humildemente, perdão por todas as reações desagradáveis que, consciente ou inconscientemente, ajudei a fomentar na convivência com os semelhantes.

Escancaro o coração à prática do amor, da fraternidade, da solidariedade e agradeço, reverentemente, por esta chance de poder lamentar, pedir perdão e exprimir o avassalador sentimento de mundo que me invade a alma.

Não resisto, por último, à tentação de pedir a atenção dos leitores para algo que, certamente, não lhes passa desapercebido todas as vezes em que tomam conhecimento, como agora no caso desta oração do Havaí, de uma forma de diálogo com o Absoluto nascida de concepção cultural da vida diferenciada da nossa. No fundo, independentemente de tempo e lugar, o que dá pra perceber é que a linguagem é sempre igual. Os cânticos de louvor ao Altíssimo alcançam sempre o entendimento universal. Brotam dos mais generosos impulsos da alma humana. Revelam que os homens, não importam a etnia, o idioma, o lugar em que vivem, os hábitos, são na essência tremendamente parecidos.

Um comentário:

Unknown disse...

César Vanucci, beleza de sentimentos e texto aprazível, dotado de grandiosidade de alma e de coração. Instrui, educa, informa, com a sabedoria que falta a nossos políticos do planalto. Vanucci deveria estar lá, talvez, como Presidente do País. Homem atual, concessor e conhecedor das várias nuanças da comunicação falada, escrita e televisada - e para arrematar, é um gentleman. Rogério Zola Santiago

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