sexta-feira, 26 de maio de 2017

Todas essas pessoas...

Cesar Vanucci

“O espírito humano é que nem o Paraquedas, só funciona aberto.”
(Louis Pauwells)

Essas pessoas que na contemplação do mar só encontram palavras, como anota Chesterton, para o enjoo...

Essas pessoas que absorvem imperturbavelmente, sem questionamentos, a ideia de que o mundo funciona mesmo assim: “manda quem pode, obedece quem tem juízo...”

Essas pessoas que não encontram dificuldade alguma em admitir que “amigo meu não tem defeito, inimigo se não tiver eu boto”...

Essas pessoas que se comprazem sempre em erguer-se da cama um bocadinho mais cedo, no afã de dispor de mais tempo pra nada fazer no restante do dia...

Essas pessoas que, hermeticamente fechadas em si mesmas, consideram sinal de “fim de mundo” uma desagradável (ou mesmo traumática) abordagem de pivete no meio da rua e que não ligam a mínima ao noticiário da noite relatando o drama dos refugiados que perderam a vida em travessias marítimas...

Essas pessoas que encaram a ciência, a psicologia e a sociologia como impenetráveis florestas de tabus, escandalizando-se com as interpretações da vida formuladas pelos aludidos setores, que costumam, quando em vez, lançar estrepitosamente por terra rançosos paradigmas culturais, obsedantemente cultivados...

Essas pessoas que diante, por exemplo, do imponente maciço florestal amazônico só conseguem conceber, utilizando mais do que depressa o computador cerebral para cálculos aritméticos, o quão fabulosas são as “vantagens pecuniárias” que poderiam derivar da exploração da madeira...

Essas pessoas que, fitando o esplendor e as cintilações do firmamento, encontram insuperáveis dificuldades pra entender o raciocínio e as conclusões de um pensador como Teilhard de Chardin, quando proclama que só o fantástico tem probabilidade de ser real na escala cósmica e que as coisas, no universo, não são apenas tão fantásticas quanto a gente imagina, mas muito mais fantásticas do que jamais se possa imaginar...

Essas pessoas que não se apoquentam, tiquinho que seja, com a revelação de que os 80 caras mais ricos do mundo acumulam  fortunas de valor superior a 2/3 da renda dos habitantes do planeta...

Essas pessoas que não se comovem em saber que, apesar da superprodução de alimentos, milhões de criaturas em diferentes lugares confrontam a perspectiva da fome por conta da distribuição incorreta dos produtos e partilha socialmente injusta dos bens criados para o bem-estar comunitário...

Essas pessoas que, diante da constatação de a metade da população brasileira ser composta de negros, gente de cor, como é de hábito dizer, não se mostram surpresas, nadica de nada, com a rarefeita presença de membros dessa faixa racial nos ambientes mundanos frequentados, nos locais em que trabalham, nas atividades profissionais que desenvolvem, nos estamentos sociais ocupados... 

E, por derradeiro, essas pessoas amargas, presas fáceis da intolerância e da paranoia, faltas de sensibilidade, afastadas por distâncias estelares dos valores que conferem dignidade a aventura humana, essas pessoas todas, falar verdade, carecem ser reconectadas com sua humanidade, de forma a não desperdiçar indefinidamente as chances de evolução espiritual que a Vida oferece!


Calamitoso epílogo

Cesar Vanucci

“Não se espantar com mais nada talvez seja o único meio...”
(Horácio, nas “Epístolas”, em 658 a.C, jamais imaginando que seu conceito 
pudesse se aplicar, mais de dois mil anos depois, à realidade política brasileira)

É fato incontroverso que o acúmulo das evidencias de mediocridade intelectual, incompetência gerencial e insensibilidade social reinantes nos redutos palacianos contribuiu para gerar a expectativa de que o governo Temer, encerrada a missão que o destino lhe reservou, não iria deixar lembrança positiva na memória das ruas. Mas o que agora está acontecendo extrapolou todas as perspectivas, mesmo as mais pessimistas, desenhadas nas pranchetas dos especialistas em estratégias políticas. Ninguém, ninguém mesmo, entre os mais experimentados analistas da praça, conhecendo a fundo as manhas e artimanhas, as tricas e futricas do solerte jogo político, teria sido capaz de vaticinar que o interinato presidencial descambasse, inesperadamente, para epílogo tão calamitoso.

Deu pra perceber de há muito que, em relação ao dirigente desse esquema governamental agonizante, a intuição popular jamais falhou. Assumindo as rédeas do poder em circunstâncias traumáticas, decorrentes do impedimento de sua companheira de chapa, Dilma Rousseff, personagem desprestigiada no conceito das ruas e despojada do respaldo político necessário para continuar, àquela altura, conduzindo administrativamente o País, Temer não conseguiu, em momento algum, conquistar a simpatia da sociedade para o trabalho, dito de reconstrução nacional, que se dispôs a levar a cabo. Seus índices de credibilidade e popularidade, medidos em sucessivas pesquisas, mantiveram-se sempre em níveis bastante insatisfatórios. Chegaram até a ficar abaixo dos que foram anotados nas consultas populares referentes à própria antecessora na época do seu defenestramento. As medidas por ele açodadamente anunciadas, com o suposto propósito de endireitar os negócios públicos, à falta de diálogos construtivos, de entendimentos saudáveis com correntes representativas do verdadeiro pensamento nacional, foram recebidas com enorme desconfiança, quando não com manifesto inconformismo. Tentando viabilizá-las, de certo modo na marra, valeu-se dos mesmíssimos manjadíssimos expedientes e posturas encharcados de pragmatismo e fisiologismo identificados pela opinião pública como altamente nocivos aos interesses coletivos. Arranjos partidários nebulosos, trocas de favores ao arrepio da ética, distribuição copiosa de cargos e concessões pródigas de verbas por conta de duvidosos apoios em votos: em sua atuação à frente do Governo nada de novo pôde ser vislumbrado no efervescente front político. Tudo continuou como dantes no quartel de abrantes. A enfática promessa de um Ministério composto de notáveis esboroou-se. O que se ofereceu, no lugar disso, foi a debochada designação de uma pá de figuras carimbadas em traquinagens já apuradas, ou em vias de sê-lo. A sensação amarga passada a uma plateia ávida por processos administrativos verdadeiramente transformadores foi a de se estar a assistir, outra vez mais, a filmes já exaustivamente reprisados.

Eis-nos, agora, portanto, diante de uma situação extremamente difícil. Situação que requer das lideranças mais lúcidas da Nação ações prontas e eficazes, nutridas de bom senso, muita serenidade, fervor republicano, respeito institucional e consciência democrática. As alternativas que despontam como saída para o caos em que fomos lançados por razões amplamente conhecidas e deploradas, são alinhadas na sequência.  Renúncia, descartada de pronto por Temer. Impedimento via Congresso, algo assemelhado com o processo que resultou no afastamento de Dilma Rousseff. Cassação da chapa presidencial vitoriosa no pleito de 2014, em vias de ser julgada pelo TSE. Esse último item das opções levantadas oferece ensancha oportunosa para uma reflexão amarga a mais sobre o comportamento ético, costumeiramente condenável, das elites brasileiras. O pedido de cassação da chapa foi formulado por um partido que hoje faz parte, com participação abundante em cargos bem remunerados, da chamada base governamental. E tamos conversados...

Na eleição indireta que se prenuncia, ou na hipótese menos provável de uma alteração constitucional que desemboque nas “diretas já”, vai ser preciso levar em conta uma exigência fundamental. A ocupação dos postos de comando do poder precisa ser confiada a cidadãos realmente comprometidos com o autêntico sentimento nacional. Pessoas com espírito de grandeza, em condições intelectuais, éticas, morais irrepreensíveis. Providas de capacidade de liderança, que saibam colocar os superiores interesses do Brasil acima de quaisquer outros interesses. Que saibam promover a retomada do crescimento econômico e o estudo aprofundado de reformas sociais genuínas que elevem os padrões do bem-estar comunitário. Cidadãos que se inspirem no exemplo de JK e que deem de si o melhor no sentido de imprimir aos negócios da Nação um ritmo de trabalho compatível com a vocação de grandeza deste País de potencialidades humanas e naturais incomparáveis.

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