sábado, 3 de junho de 2017

O tratamento dispensado 
aos delatores

Cesar Vanucci

“Setores amplos da sociedade veem como 
“regalias” algumas cláusulas nos acordos.”
(Domingos Justino Pinto, educador)

Objeto de intensas controvérsias nas esferas jurídicas, a delação premiada acabou se transformando num eficiente instrumento nas investigações da Lava Jato. Trouxe à tona, em meio a questionamentos razoáveis levantados sobre os métodos de ação adotados pelos investigadores, um volume expressivo de estarrecedoras revelações. Tais revelações deixaram a descoberto colossal engrenagem de corrupção, envolvendo num conluio perverso próceres políticos, agentes públicos e empresários inescrupulosos. As figuras dos delatores, pelo seu exuberante protagonismo nas apurações, estão colocadas neste momento sob a mira das atenções. Isso provoca naturalmente reações e comentários os mais variados. Trazemos aqui singela contribuição para o debate que se processa a respeito.

Nas considerações alinhadas levamos em conta, estritamente, para não laborar em julgamentos precipitados, aquelas situações que não mais comportem dúvidas no que concerne à identificação de responsáveis pelo cometimento dos atos criminosos divulgados. Alongue-se a explicação: a enxurrada de denúncias acerca de malfeitos supostamente praticados nos negócios públicos é tão encorpada, implica, de princípio, tanta gente, que se afigura prudente e razoável, nas análises dos fatos, reservar-se uma margem para registros de eventuais equívocos que possam ocorrer nessa extensa citação de nomes vindos a público. Isto posto, faz-se imprescindível reconhecer, alto e bom som, que os assim chamados “delatores premiados”, “colaboradores beneficiados”, ou que outras designações mais sejam atribuídas aos autores de denúncias acolhidas pela Justiça, ocupam merecidamente, na galeria destinada aos elementos flagrados em conduta criminosa, posições rigorosamente equivalentes às dos personagens por eles enfaticamente denunciados.

Uns e outros, manda a verdade reconhecer, têm culpa no cartório assemelhada. Não são nada flores que se cheirem. Como se diz na fala das ruas, “tudo farinha do mesmo saco...”. Nas ocorrências delituosas em que se emaranharam inexistem graus diferenciados de culpabilidade mode favorecê-los. Nada há que os faça menos comprometidos nesse tentacular esquema de corrupção que tão prestimosamente ajudaram a compor. Fazem jus, sim, por conseguinte, da mesma forma que seus parceiros de trama mafiosa, à repulsa de uma sociedade que se sente injuriada. Que se viu, de repente, impiedosamente alvejada pela desfaçatez e ganância de falsas elites embriagadas por mórbida autossuficiência  no exercício do poder.

Nessa linha de raciocínio, adquire especial ressonância, aprestando-se obviamente a discussões amplas, o tratamento até certo ponto condescendente dispensado pela Justiça aos delatores em função dos acordos firmados. Algumas cláusulas estão parecendo, ao olhar crítico da opinião pública, exageradamente indulgentes. Muitos perguntam: o que sobrou pra esses caras, como punição pelas malvadezes praticadas, foi apenas isso, uai? As imagens e informações alusivas às “regalias” aparentemente desfrutadas pelos ditos cujos vêm sendo recebidas com certa estranheza e sentimento de frustração. Pegaria muito bem, no modo de entender das ruas, uma reavaliação de procedimentos nesse capítulo de toda essa nauseante história.


A África não conta. 
Ela apenas?

Cesar Vanucci

“O que as grandes potências aprontaram na África, 
ao longo dos tempos, clama aos céus!”
(Antônio Luiz da Costa, professor)

A África foi irremediavelmente condenada, nas estratégias geo-político-econômicas traçadas pelos “donos do mundo”, bovinamente acatadas sem questionamentos pelos demais protagonistas da esfuziante jornada humana, a ser palco permanente de dilacerantes experiências. É lá, prioritariamente, que são testados armamentos sofisticados, “última geração” pode-se dizer, com o povo intimado a servir de “bucha de canhão”. É lá, mais do que em outras paragens, que as riquezas dadivosas do subsolo são avaramente “guardadas e protegidas”, mode garantir substanciosa reserva de matérias primas para a hora, lá na frente, em que estejam exauridos os filões de produtos vitais hoje intensamente explorados noutras plagas.

A África esfaimada, a África maltrapilha, a África de pés descalços ameaçada pela Aids, alcançada em cheio pelos efeitos perversos de equivocada e distorcida política globalizante, essa África da pobreza ao rés do chão não conta. Permanece esquecida dos homens e, também, dos próprios deuses venerados nas crenças das muitas etnias que a povoam.

A ONU cataloga meia centena de nações, habitadas por centenas de milhões de criaturas que, na iníqua distribuição “per capita” de renda, não dispõem de mais do que dois reais diários para sobrevivência. São países localizados, na quase totalidade, adivinhem onde? Exatamente, terras d’África. Compõem a ampla base da ultrajante pirâmide social dos tormentos humanos nestes conturbados tempos.

É preciso, em nome da dignidade humana, conservar ao alcance dos olhos, mentes e corações, os dados arrolados. Fica claro que uma situação dessas reclama das pessoas de boa vontade, com certeza parcelas majoritárias nos contingentes populacionais, reflexão aprofundada, acompanhada naturalmente de ações, que se inspirem nas lições humanísticas e espirituais que a nossa civilização tanto alardeia professar. Tais lições, forçoso reconhecer, vêm sendo solapadas pela insânia, egoísmo e insensibilidade social. Amontoam-se à nossa volta registros reveladores dos descaminhos sociais e econômicos trilhados. Eles são de molde a gerar perplexidade, indignação e clamor. Não há como conter desassossego e inquietação diante de revelações como as que são abaixo transmitidas por respeitáveis instituições especializadas na interpretação dos acontecimentos sociológicos e antropológicos.

Alguma coisa anda funcionando muito mal, por certo, neste mundo do bom Deus onde o tinhoso costuma plantar seus encraves, quando a gente toma conhecimento de que um único e solitário vivente do planeta consegue acumular, naturalmente por força de talento, competência e vocação negocial, fortuna pessoal superior ao conjunto dos PIBs (produtos internos brutos) de dezenas de países da África negra. Alguma coisa, repita-se, funciona mal, fazendo água no projeto original da Criação, quando se sabe, de outra parte, que os 80 cidadãos melhormente posicionados na lista dos ricaços do mundo somam, com os haveres adquiridos, recursos equivalentes à renda acumulada de um terço da população (quase 9 bilhões) deste planeta azul. Não deixa também de causar impacto a informação de que a minúscula Cingapura, cidade artificial - regida por rançoso autoritarismo, onde a goma de mascar (o tradicional chiclete) é considerada droga ilícita, punida com chibatadas -,situada num território desprovido de riquezas naturais, erigida em meca econômica por força dos insondáveis interesses da megaespeculação financeira, recebe sozinha mais investimentos do que o continente africano inteiro.

Falar verdade, essa história toda, com suas incoerências sociais expostas, deixa-nos à mercê de uma ordem econômica e social contundente. Suscita reflexões que conduzem inapelavelmente à conclusão de que uma reformulação de critérios na condução da trajetória humana se faz extremamente necessária. Tal reformulação, para que possa alcançar os resultados almejados, terá que ser calcada em valores humanísticos, no igualitarismo democrático, nas crenças espirituais que todos reconhecemos, no plano ideal, como a essência da presença humana na pátria terrena. O propósito de se promover as transformações desejadas pelo sentimento universal há que ser introduzido como item prioritário na agenda das preocupações, diálogos, discussões, estudos e debates da sociedade. Sem o que tudo ficará relegado a simples e oca retórica.


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