quarta-feira, 3 de maio de 2017



Forças ocultas poderosas

Cesar Vanucci

“O que nós temos no Brasil não é um negócio
de cinco ou dez anos. Estamos falando de 30 anos.”
(Emilio Odebrecht)

Na esteira das turbulências odebrechianas, o lúcido e bem informado analista político Élio Gáspari consegue extrair do subsolo dos fatos outra revelação desnorteante. Serve para comprovar, uma vez mais, os tortuosos caminhos trilhados, não é de hoje, na emaranhada “parceria público-privada” estabelecida na vida nacional. Vou logo avisando: matéria pra enredo cinematográfico.

Na narrativa é lembrado que o ex-ministro, ex-embaixador, ex-senador Roberto Campos, também ex-seminarista, detentor de avultada cultura e invulgar inteligência, além de verve inigualável, foi vítima de assassinato em circunstâncias nebulosas no dia 28 de abril de 1981. Deixemos que o próprio Gáspari explique o que ocorreu na fatídica data: “Roberto Campos encontrou-se no apart-hotel, na Vila Nova Conceição, em São Paulo, com sua namorada Marisa Tupinambá. Conheciam-se desde 1969 quando ele tinha 52 anos, e ela 23. À época, Campos vivia sua única – e desastrosa – experiência de empresário privado, como banqueiro. Em 1975 ele foi nomeado embaixador em Londres e pendurou Marisa na folha da Embaixada em Paris. Ela xeretou o que não devia, foi demitida, e desceu em Londres. Lá Roberto Campos conseguiu-lhe um apartamento, que usava também para suas festinhas. Depois de muitas idas e vindas, a relação azedou e, em 1981, ela foi ao apart-hotel para negociar o fim do caso. Desentenderam-se, apareceu uma faca, e o embaixador teve o abdome e o tórax perfurados.”

O desdobramento da história oferece todos os ingredientes de um filme policial de suspense. Da parte de um mundão de gente, amigos, parentes e protetores de Campos, informa o jornalista, houve o categórico propósito de ocultar, sabe-se lá por quais razões, os pormenores significativos da tragédia que arrebatou do cenário político e econômico brasileiro um cidadão aclamado e admirado por muitos como corifeu do neoliberalismo. A grande mídia na época acolheu, sem questionamentos críticos, a versão oficial posta a circular. Campos – divulgou-se amplamente - fora esfaqueado durante tentativa de assalto nas imediações do edifício em que residia, localizado – diga-se de passagem – a bons quilômetros de distância do apart-hotel da Vila Nova Conceição. O Presidente João Figueiredo e o Governador Paulo Maluf, de São Paulo, tornaram pública a firme disposição governamental de apurar rigorosamente os acontecimentos. As autoridades policiais paulistas agiram prontamente. Detiveram os presumíveis assaltantes no prazo de 48 horas, conforme ordem expressa de Maluf. Seguindo aquele manjado procedimento do inspetor protagonizado pelo ator Claude Rains no soberbo “Casablanca” (na derradeira cena do aeroporto), prenderam “os suspeitos de sempre”. Uma legião de pessoas foi convocada a se explicar no cartório da Delegacia de Homicídios. Élio Gáspari não omite, no substancioso relato, um lance instigante. Ele, novamente, com a palavra: “Ao ouvir a versão do assalto num noticiário de televisão, o general Octávio Medeiros, chefe do SNI, perguntou ‘Pra cima de mim?’”

Algum tempo passado, “O Dia”, editado no Rio de Janeiro, notório pelas manchetes policiais bombásticas, escapulindo à férrea censura, deu a lume uma reportagem, com os exageros típicos de seu estilo noticioso, como acentua Gáspari, reduzindo a subnitrato de pó de mico a farsa montada em torno da morte de Roberto Campos, identificando inclusive a autora do atentado.

E o que tudo isso tem a ver, indagará por certo, a esta altura, o aturdido leitor, com a aludida aliança entre políticos e empreiteiros firmada em plagas brasileiras há algumas décadas, de acordo com o depoimento do poderoso chefão  Emilio Odebrecht? Elementar, caro Watson... A resposta, ou respostas, são dadas no mencionado artigo de Gáspari. No período em que a responsável pelo esfaqueamento de Roberto Campos morava em Londres adivinhem só qual era a organização que lhe pagava polpuda mesada? Exatamente, a Odebrecht. A Odebrecht Overseas. O artigo conta ainda que Marisa Tupinambá permaneceu escondida e calada por orientação “de um mandarim da indústria petroquímica”. Quando ela publicou, em 1984, o livro intitulado “Eu fui testemunha”, esse livro sumiu ... “Teria sido proibido pela Justiça ou apenas não teria sido reeditado, depois que o Sebastião Camargo, o fundador da Camargo Correa, comprou todos os exemplares disponíveis”, anota Gáspari.

Convenhamos, há como ignorar que forças ocultas, ou poderes paralelos deitaram raízes pra valer em nossas atividades políticas e administrativas? Bota força oculta nisso!
                                       

            Civismo nesse pessoal 

“Civismo é a atitude moral, o procedimento
 honesto do verdadeiro patriota.”
(Coelho Neto)

Ouço, num programa de entrevistas, um educador falando da adoção, como prática cívica, da interpretação do Hino Nacional em estabelecimentos de ensino em sua área de atuação. Confesso, em lisa e reta verdade, que o anúncio, apresentado ali com toque novidadeiro, me espanta. Ando mesmo por fora das coisas... Jamais me passou pela cabeça que tal prática cívica, tão saudável, pudesse ter sido retirada a qualquer tempo, por alguém, em qualquer lugar, da programação escolar.

Em meus tempos de grupo, escola risonha e franca na Comendador Quintino (praça do Grupo) em Uberaba, cantado com vibração pela meninada, o Hino abria diariamente as atividades das turmas do primário. No Liceu Triângulo Mineiro, matriz do complexo educacional criado por Mário Palmério que deu origem à Universidade de Uberaba, era entoado rotineiramente nas entradas dos turnos. O mesmo acontecia, com regularidade, em colégio (São Judas Tadeu) que ajudei a fundar, ainda em Uberaba. Mais tarde, década de 60, quando coordenei a estruturação das unidades de ensino médio no Sesiminas, o Hino também fazia parte indissociável dos afazeres escolares cotidianos.

Não me recordo de momento algum em que esse salutar hábito educativo haja sido questionado ou suprimido. Parece-me desnecessário sublinhar sua singular importância do ponto de vista cívico. Trata-se do próprio óbvio ululante. Nosso Hino é símbolo perene da nacionalidade. Só onde os traços de brasilidade se revelem esmaecidos ali poderá surgir a disposição de se ignorar seu real significado patriótico. Já cheguei, esporadicamente, a testemunhar injustificável “esquecimento” do Hino nalgum ato solene. Não deixei, evidentemente, de manifestar em ocasião que tal meu inconformismo.

Voltando ao começo destas maldigitadas: um educador registra que, pelo menos uma vez por semana, o Hino vai ser cantado em escolas que coordena. Menos mal. Mas se é assim mesmo, se o Hino começa agora a ser executado é porque, anteriormente, não vinha sendo. A constatação preocupa. Gera inevitáveis perguntas. Será que, por aí afora, de tempos a esta parte, o Hino Nacional não vem sendo executado nas cerimônias próprias em ambientes de formação educacional? Será que com a expressão musical mais sublime do sentimento nacional vem ocorrendo algo parecido com o que acontece, pra citar exemplo constrangedor, com a comemoração da Inconfidência Mineira? A pergunta tem razão de ser. Em certas áreas ditas educacionais, tem ocorrido de a rememoração dos feitos gloriosos da Inconfidência passar, às vezes, em “brancas nuvens”. Em contrapartida, nos mesmos cenários costuma-se observar uma despropositada valorização de bobagens alienígenas do tipo “festa do halloween”. Dentro dessa linha de perplexidades pode ser incluído também um outro registro desconcertante: em alguns núcleos educacionais e recreativos, as tradicionais festas juninas, que tão bem projetam nossas raízes culturais, são às vezes despojadas de suas genuínas características. A vodka substitui o quentão e o roque pauleira anima a festança no lugar da dança roceira.

Civismo nesse pessoal!




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