sábado, 3 de março de 2012

Decisão republicana e democrática

Cesar Vanucci *

“Compartilho do pensamento de Louis Brandeis:
 “Nas coisas do poder, o melhor detergente é a luz do sol.”
(Ministro Carlos Ayres Brito, prestes a assumir a Presidência do STF, numa declaração em que assevera que ganho acima do teto é inadmissível)

A momentosa decisão do Supremo Tribunal Federal rejeitando, mesmo por placar apertado, a forte pressão de alguns órgãos representativos da categoria dos magistrados e conservando incólume a autonomia de investigação constitucionalmente assegurada do Conselho Nacional de Justiça, fez muito bem à Democracia. Desfez em parte o indisfarçável mal-estar produzido perante a opinião pública por certas reações corporativistas de claro achincalhe às decisões moralizadoras do Conselho.

Tais decisões – recordemo-nos -, inicialmente adotadas pelo corregedor Gilson Dipp e, mais adiante, com maior ênfase, pela corregedora Eliana Calmon, trouxeram a lume chocantes revelações. Revelações acerca de salários pagos que afrontam as regras gerais de remuneração estabelecidas para os servidores públicos. Revelações referentes a movimentações financeiras suspeitosas e a pagamentos milionários despropositados, à guiza de ajuda de custo, atribuídos a juízes e funcionários.

As auditorias efetuadas permitiram a descoberta de que no Estado do Rio de Janeiro, pra ficar num exemplo, alguns desembargadores, por conta de incabíveis benefícios que eles próprios resolveram se outorgar, chegam a apropriar-se de vencimentos mensais de até 150 mil reais, quantia infinitamente superior aos 26 mil reais instituídos como teto oficial remuneratório para agentes públicos. Teto esse, por sinal, que corresponde à remuneração atribuída ao presidente da mais alta Corte Judiciária do País.

Ainda falando do que acontece apenas no Rio de Janeiro, um servidor judiciário de posto elevado, cujo nome vem também associado a atividades fraudulentas múltiplas, foi pilhado em movimentações na conta pessoal da ordem de 283 milhões de reais, num único exercício. Tem mais: essa avultada soma é parte de um montante apurado de quase 600 milhões de reais em transações bancarias “consideradas atípicas”. São operações que envolvem 205 integrantes do setor judiciário em vários Estados, consoante levantamento feito pelo Conselho de Atividades Financeiras (Coaf), por determinação do Conselho Nacional de Justiça.

Diante dos dados enunciados e de outras irregularidades não menos perturbadoras, outra não poderia ser, em verdade, convenhamos, a atitude dos doutos Ministros, senão preservar o poder de decisão investigatório do CNJ. Seu posicionamento, à altura das melhores tradições da judicatura brasileira, revelou bom senso, sentimento republicano, desejo de saudável transparência e crença nos valores democráticos. Rechaçou argumentos pueris, nascidos de caprichos e excessos corporativistas. Respondeu satisfatoriamente ao clamor altivo da sociedade como um todo. E, certeiramente, atendeu à aspiração da imensa maioria dos magistrados brasileiros. Uma maioria, estamos certos, que vê nessa ação desvirtuada de uma minoria enredada em procedimentos contrapostos aos padrões éticos e retilíneos desejáveis na atuação da nobre categoria um fator de intranquilidade social. Uma gritante distorção, a ser convenientemente extirpada, da imagem impoluta que a opinião pública conserva, por razões de sobra, de sua conduta profissional.

Nessa história toda há que se louvar ainda a postura destemida da Corregedora Eliana Calmon. Os agravos e doestos de que tem sido alvo por parte de um reduzido grupo não ofuscaram, afortunadamente, o brilho do trabalho por ela executado. Um trabalho que rendeu reconhecimento para que pudesse ocupar, com todo mérito, um lugar de realce na admiração e  apreço das ruas.

O que todos os setores sinceramente engajados na discussão do palpitante tema passam a desejar, a partir dessa resolução do Supremo, é que a Reforma Judiciária seja apressada. Seja incluída, ao lado da Reforma Política, da Reforma Tributária e de outras mais, no rol dos estudos prioritários exigidos, neste momento, pela ânsia brasileira de progresso, em nome do aprimoramento do exercício das coisas públicas em nosso País.


Avanço extraordinário

“Essa lei é fruto da saturação do povo
com os maus tratos infligidos à coisa pública.”
(Ministro Ayres de Brito)

Foi um extraordinário avanço, como não? Se num ou noutro item a coisa ainda não se situou nos devidos conformes, como questionam alguns, a posição do Supremo Tribunal Federal, também neste capítulo da assim chamada “Lei da Ficha Limpa”, respondeu satisfatoriamente aos anseios da sociedade. Como diagnosticou com lucidez o Ministro Ayres Brito, próximo presidente da Corte, os dispositivos legais que passam a vigorar revestem-se de um tônus de legitimidade ainda mais denso quando se tem em conta a circunstância de terem derivado de uma iniciativa popular que plenifica a democracia. “Essa lei – asseverou – é fruto do cansaço, da saturação do povo com os maus tratos infligidos à coisa pública.” Irretocável o conceito.

Valendo já para as eleições deste ano, abrangendo inclusive ilícitos praticados no passado, antes da aprovação da norma pelo Congresso em 2010, a “Lei da Ficha Limpa” vai impedir a participação no prélio sucessório vindouro de políticos condenados em decisões colegiadas da Justiça (instância de 2º ou 3º grau), cassados pela Justiça Eleitoral, ou que renunciaram a cargos eletivos na iminência do enfrentamento, à época, de eventual processo legal de cassação de mandato. Uma horda de elementos, sem qualquer dúvida, indesejável num processo político democrático!

A cidadania acolhe jubilosamente a decisão. Ela já vem tarde. Como bem explicitou o já citado Ayres Brito, a palavra candidato tem que estar forçosamente entrelaçada com a idéia de depuração, de limpeza, de transparência, de conduta ética inquestionada. Um individuo que desfile pela passarela quase inteira do Código Penal, ou da Lei da Improbidade Administrativa não tem como ser lançado pelos partidos na telinha da tevê, a pedir voto de eleitor.


Números eloquentes das privatizações

 “A privatização, nos casos específicos em que se faça recomendável,
só pode ocorrer com o ressarcimento a valores justos dos bens transferidos.
 Afinal, são bens pertencentes ao patrimônio da Nação.”
(Antônio Luiz da Costa, educador)

Os números – bem como as cartas, conforme assevera com fervorosa convicção uma conhecida, fissurada em práticas esotéricas – não mentem. Exprimem verdades nuas e cruas. Colocam o preto no branco, como era de costume dizer-se outrora. Propiciam análise objetiva de fatos, mesmo quando a alquimia distorcida da palavra se esforce por escamoteá-los.

Vejam só os números, considerados fantásticos por gente entendida, das mais recentes privatizações levadas a cabo no País! Aludimos, obviamente, às privatizações dos aeroportos de Brasília, Guarulhos e Campinas, acolhidas compreensivelmente em atmosfera de feérico entusiasmo. Renderam uma fábula. Transpuseram longe as expectativas gerais. Carrearam para os cofres públicos colossal soma. Correspondente, praticamente, à metade do valor estipulado pelo governo nos cortes orçamentários para o exercício. Pelo que se informou largamente, a outorga à iniciativa privada das concessões de exploração de Guarulhos, Campinas e Brasília resultou num ágio, em média, de 347 por cento. Tomados apenas os valores oferecidos pela concessão de Brasília, o índice do acréscimo apurado entre o lance mínimo fixado pra começo de conversa e a importância final ofertada à hora da batida do martelo, pelo consórcio que irá administrar o aeroporto, foi da ordem de 673 por cento.
Algo, sem sombra de dúvida, formidável.

A privatização de Guarulhos – maior aeroporto da América Latina, com 30 milhões de passageiros/ano – custou aos investidores 16 bilhões, 213 milhões de reais. A de Brasília, 4 bilhões e 501 milhões. A de Viracopos (Campinas), 3 bilhões, 821 milhões.

Além dos valores consignados no leilão, a serem quitados em prestações anuais, de acordo com o prazo de cada concessão, definido no edital, e que serão reajustadas pelo IPCA, uma outra contribuição, de caráter variável, em função das operações, será direcionada para o erário público. Trata-se de um percentual da receita bruta dos terminais, estipulado em 10 por cento no caso de Guarulhos; 5 por cento no caso de Campinas; e 2 por cento no caso de Brasília.

A dinheirama procedente das duas fontes será aplicada no Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC), destinando-se basicamente a projetos de desenvolvimento e fomento da aviação civil. Noutras palavras, será utilizada na modernização e expansão dos demais aeroportos sob comando estatal.

O sucesso dessa bem sucedida privatização vem levando as autoridades a planejarem futuros leilões na faixa aeroportuária, envolvendo provavelmente os terminais do “Galeão” (Rio de Janeiro), “Confins” (região metropolitana de Belo Horizonte), e “Salgado Filho” (Porto Alegre).

Tudo isso devidamente posto, sobra para meditação de todos nós algumas inescapáveis constatações. Privatização não precisa ser encarada como um “bicho de sete cabeças”. Situações podem surgir em que a privatização se torne recomendável. Nessa hipótese, assumindo o compromisso de promovê-la, os gestores da coisa pública terão que se esmerar para que o processo se timbre por rigorosa transparência. Muito mais do que isso: não podem, de modo algum, permitir que a operação se revele prejudicial ao interesse público. Ou seja, não podem deixar que ativos pertencentes ao patrimônio da Nação sejam cedidos, em operações suspeitosas, a empreendedores particulares, por valores abaixo da realidade. De outra parte, muitas atividades em que o Estado se acha engajado, identificadas como estratégicas, não podem e nem devem, em nome do interesse nacional, ser transferidas das mãos do governo para particulares. A exploração do petróleo sob o controle da Petrobras representa, nessa linha conceitual, um sonoro exemplo brasileiro. Querem um exemplo estrangeiro? A exploração do cobre, no Chile, que nem o governo Pinochet, com sua fúria privatizante, tão intensa quanto a repressão desencadeada contra adversários políticos, ousou desestatizar.

Fica restando, por derradeiro, uma pergunta que não quer calar: se o aeroporto de Guarulhos foi avaliado, em leilão, por mais de 16 bilhões de reais, sem contar a participação a ser adicionada aos cofres públicos sobre o resultado bruto das operações, porque cargas d’água, então, a Vale do Rio Doce inteirinha, segunda maior empresa brasileira, maior empresa minerária do mundo, foi transferida no governo FHC a grupos privados, porteira fechada, por 6 bilhões e 300 milhões de reais?  Hein?

*  Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

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