sexta-feira, 9 de março de 2012

Dilema atroz

Cesar Vanucci *

“Não ia deixar minha família morrer por causa de dinheiro.”
(Maria Silva, ex-gerente de Banco, depois da demissão)

O espanto foi de tal tamanho, que me embaralhei todo na compreensão, de imediato, do que veio relatado com clareza no jornal. Precisei ler mais uma vez, devagarzinho, colocando redobrada atenção no texto.

A santa indignação do início acabou dando causa a um dilema atroz. Trago-o à consideração dos diletos leitores na expectativa de que consiga deslindá-lo com sua prestimosa ajuda.

Seguinte: a gerente e a tesoureira de uma agência de poderosa organização bancária, com ramificações espalhadas por tudo quanto é canto do país e atuação marcante em praças no estrangeiro, foram exemplarmente punidas – bota aspas nisso – por conduta profissional inadequada – aspas, de novo – em virtude de não terem sabido oferecer resistência física, galhardamente, a assalto cinematográfico praticado contra o estabelecimento onde prestavam, há anos, bons serviços, por uma quadrilha de facínoras da mais alta periculosidade. Facínoras – registre-se – que carregavam nas mãos, ameaçadoramente, “convincentes” instrumentos de intimidação.

A gangue monitorou, por bom tempo, os passos da gerente. Localizou-lhe a residência. Identificou com intuitos perversos seu núcleo familiar. Marido, filhos menores. Tomou-os como reféns, trancafiando-os sob a mira de revólveres, escopetas e metralhadoras. “Persuadiu”, na sequência, a servidora bancária a “cooperar” com os “nobres propósitos” do bando em apoderar-se do dinheiro trancado no cofre. Os “argumentos de persuasão” utilizados pelos “pacíficos” personagens levaram a gerente e a tesoureira da agência a atender o que, de forma tão “amável” e “fraternal” se lhes foi “suplicado”.

A reação do Banco diante dos acontecimentos foi de “rara nobreza”. “Altiva” e “vigorosa”. Foi tomada quando da volta das funcionárias ao batente, depois do período de repouso que lhes foi recomendado em consequência do lance traumático que marcou suas vidas. O anúncio da demissão de ambas por “mau procedimento”, à vista de haverem cedido, nas circunstâncias descritas, à pressão dos bandidos ocorreu, coincidentemente, na ocasião em que o Banco festejou, com compreensível alarde, notável proeza: atingiu lucro sem precedentes nas operações anuais de sua vitoriosa trajetória empresarial.

O resumo dessa desconcertante “melódia” deixa-nos informados de que a gerente e a tesoureira da agência perderam os empregos pelo motivo de não terem sabido enfrentar, com o “desassombro” exigido pelos superiores, seus cordatos captores. Ambas, as duas, recusaram-se, por sentimentos, naturalmente egoísticos, no modo de entender dos patrões, a assumir o papel estóico das heroínas dos filmes de ação. Negaram-se, denotando “falta de profissionalismo”, a trocar, num passe de mágica, como acontece nas fitas, a singela vestimenta de servidoras bancárias pela indumentária blindada da “Mulher Maravilha”, partindo, resolutas, para o enfrentamento dos sequestradores, subjugando-os e afastando, zelosamente, o risco da subtração da sagrada mufunfa sob sua guarda.

Sem dúvida alguma, a nos basearmos na escrupulosa avaliação dos executivos bancários, um bem muito mais precioso do que as vidas humanas sob a mira das armas.

Cabe falar, agora, do dilema atroz que me aflige. Dos estimados leitores rogo se manifestem de maneira a permitir decifrá-lo. Será que no capítulo das ocorrências desalmadas que alvejam a dignidade humana existirão diferenças substanciais nos procedimentos dos que coagiram e dos que desempregaram as duas moças?



Estigma e preconceitos descabidos

A enfermidade não é contagiosa.”
 (De um folheto distribuído pela “Associação Mineira de Epilepsia”)

A lembrança mais recuada que tenho de manifestação da doença em alguém transporta-me a uma reunião de escoteiros no pátio do antigo quartel da Polícia Militar. Uberaba, tempos da escola risonha e franca. A unidade militar funcionava nas instalações do antigo Liceu de Artes e Ofícios, à época desativado. Um imponente conjunto de pavilhões erguido graças ao espírito empreendedor do inolvidável Fidelis Reis. Sobre o Liceu, seja mencionado ainda que um dos pavilhões foi doado por Henry Ford. O complexo, dominando quarteirão inteiro no comecinho do chamado Alto São Benedito, modernizou-se, adquiriu roupagens novas, abrigando hoje dependências do Sesi e do Senai. Constitui, na paisagem urbana uberabense, maiúscula referência cultural, educacional e social.

Voltemos ao registro inicial do comentário. Percorrendo as calçadas da memória, revejo a cena do instrutor do agrupamento de escoteiros, um simpático e dedicado oficial militar, pra espanto e receio de toda a meninada reunida à volta, acometido inesperadamente de mal súbito misterioso, numa crise convulsiva arrepiante . Um adulto, ao lado, explicou-nos tratar-se de “ataque de epilepsia”. Foi a primeira vez que ouvi a expressão. Pouco tempo transcorrido, em plena sala de aula no Colégio Triângulo, um colega de turma viveu crise semelhante, sob os olhares sobressaltados de professores e alunos.

Percebo que, à falta de informações adequadas e de esclarecimentos corretamente transmitidos de modo geral, boa parte das pessoas que, ainda hoje, se deparam com uma situação desse gênero são impelidas a reagir com a mesma sensação de impotência e desconforto que experimentei naqueles dois momentos. E já não mais se justifica continuem as coisas a correr assim, como demonstra, com exuberância de dados, de forma didática, a Associação Mineira de Epilepsia, coordenadora de magnífico trabalho de desmitificação da doença.

Esclarecendo que a epilepsia é cercada de estigmas e preconceitos totalmente injustificáveis, a Amae informa que duas em cada 100 pessoas, de acordo com as estatísticas, podem contrair a doença. Ela se manifesta em qualquer idade, raça ou classe social, por motivações múltiplas. Às vezes, o começo de tudo venha associado a um golpe na cabeça, a uma infecção cerebral, ao uso abusivo de álcool ou drogas. A origem pode ser também encontrada em circunstâncias anômalas registradas na gestação. De qualquer forma, as causas, em variados casos, permanecem desconhecidas. Mas com fundamento no que já se tem como consolidado no conhecimento científico, pode-se afiançar que a enfermidade não é, definitivamente, contagiosa e que também, é bastante reduzida a possibilidade da transmissão derivar de fatores hereditários.

A epilepsia é uma alteração no funcionamento do cérebro não ocasionada por febre ou distúrbios metabólicos. O chamado “ataque epiléptico” persiste por alguns poucos segundos ou minutos. É temporário e reversível. Passada a crise, o cérebro volta a funcionar normalmente. As manifestações são controláveis com o uso de medicamentos apropriados. O tratamento correto revela-se eficaz, dando condições às pessoas de cumprirem as atividades rotineiras, no trabalho e fora dele. O preconceito costuma gerar condições desfavoráveis ao aproveitamento de portadores do mal no mercado de trabalho. E isso concorre negativamente em sua qualidade de vida. Mulheres com epilepsia podem se engravidar normalmente, desde que medicadas. A frequência à escola proporciona uma integração social benéfica para o desenvolvimento psicossocial das crianças, adolescentes e adultos. A prática esportiva é aconselhável e relevante. Algumas modalidades esportivas requerem certa atenção. A cirurgia de epilepsia e a chamada dieta cetogênica constituem opções para pacientes que não consigam estabelecer, pelo uso de medicamentos, o controle das crises.

Temos aqui listadas outras informações de utilidade que vale a pena saber:

O que fazer quando alguém tiver uma crise?

Mantenha-se calmo e procure acalmar as outras pessoas; ponha algo macio sob a cabeça do paciente; afrouxe sua roupa; remova objetos próximos que possam oferecer perigo; coloque a pessoa em crise deitada de lado. Isso ajuda na respiração; fique ao seu lado até que a respiração volte ao normal e se levante; leve-a para casa, caso ela não esteja segura de onde se encontra, pois algumas pessoas ficam confusas após uma crise; na maioria das vezes as crises são passageiras e terminam espontaneamente; caso a crise persista por mais de cinco minutos, chame uma ambulância e leve a pessoa ao hospital para receber cuidados médicos.

O que não fazer: não apavorar-se; não restringir os movimentos do paciente; não introduzir nada na boca do doente; não tentar “desenrolar” a língua; não sacudir o paciente; não dar líquidos para beber; não esfregar álcool, amoníaco ou outras substâncias no corpo da pessoa; a “baba” é apenas e simplesmente saliva em excesso e não transmite epilepsia.

*Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

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