sexta-feira, 16 de março de 2012

Processo perverso

* Cesar Vanucci *

Os funcionários vítimas de assaltos não devem reagir,
preservando sua segurança e dos familiares.”
(Recomendação expressa das autoridades policiais)

O fim da picada! Nada como uma expressão doutros tempos, da saborosa linguagem popular, para retratar a dimensão correta de minha perplexidade e indignação face à revelação trazida pela repórter Joana Suarez, nas páginas de “O Tempo”.

Pensava, cá com meus botões, que aquela atordoante história das duas bancárias de Contagem que foram destituídas de suas funções em razão de haverem, mediante ameaças de morte no curso de um sequestro, aberto o cofre da agência, constituísse episódio isolado na crônica dos assaltos a bancos. Ledo engano deste escriba. A coisa não é bem assim, atesta a repórter mencionada. Outros servidores, de outras instituições de crédito, que se viram compelidos, num dado momento, sob coação irresistível, a entregar, digamos assim, o “ouro para os bandidos”, já passaram, também, pela vexaminosa situação de ser “contemplados” com o temido “bilhete azul”, sob a inimaginável alegação de mau procedimento profissional. Quer dizer, depois de experimentarem a traumática sensação de vítimas inocentes em assaltos a mão armada, ainda são apontados, por empedernidos superiores hierárquicos, no próprio ambiente onde se desenrolaram lances decisivos de suas vidas, como proscritos, indesejáveis. E tudo isso pela “simples razão” de não terem sabido atender, “tremendos ingratos”, nos devidos conformes, às expectativas dos patrões. Ou seja, reagindo, desassombradamente, à moda Rambo, à custa, se necessário – por que não? – de vidas preciosas, às ameaças de assaltantes armados, por vezes encapuzados, sob a mira de metralhadoras. O gesto de “submissão” desses bancários às exigências dos bandidos tem sido recebido, nas altas esferas de decisão gerencial, como uma quebra da confiança generosamente depositada em sua ação laboral. Algo indesculpável, irretratável, a ser exemplarmente punido, que sirva pra sempre como lição pedagógica para os demais, de forma a que aprendam a enfrentar, destemidamente, de peito aberto, contrariando até mesmo as recomendações reiteradas da polícia, quaisquer tentativas de sequestro e assalto. Em outras palavras, tratem todos, para garantir emprego, de se compenetrarem ser de seu primordial dever impedir, não importem as consequências da estóica resistência recomendada, que os bandidos armados se apoderem dos sagrados valores recolhidos ao cofre. Valores esses, diga-se de passagem, de ressarcimento devidamente garantido pelas apólices de seguro.

São numerosas as situações, de acordo com o que explica o Sindicato dos Bancários, em que funcionários de diferentes bancos, vítimas diretas do assalto, receberam avisos de dispensa sob a fajuta alegação de “baixa performance”, mesmo que batendo as metas de produção das empresas. A Justiça do Trabalho tem reconhecido, lucidamente, os direitos dos empregados, ordenando sua readmissão, até com estabilidade, pelo que também se conta na reportagem.

O clamor suscitado por esse perverso comportamento está levando a Assembléia Legislativa de Minas, por iniciativa do deputado Adelmo Carneiro Leão, a promover uma audiência pública destinada ao exame dos casos denunciados. Oportunidade excelente, sem dúvida, para que a opinião pública se informe, com pormenores, da deplorável conduta, no plano das relações de trabalho, de algumas casas bancárias.

Comecei o artigo evocando uma expressão popular para falar de meu espanto. Valho-me de outra expressão, da saborosa linguagem das ruas, igualmente muito empregada noutros tempos, pra fechar o comentário. Será que os executivos engravatados, responsáveis pelas demissões dos bancários nas circunstâncias descritas, conseguem dormir, ter sono tranquilo, com um barulhão desses?



A culpa (não) é dos gregos


“Despejam quatro trilhões e 700 milhões
 de dólares de forma muito perversa.”
(Comentário da Presidenta Dilma Rousseff sobre a estratégia utilizada pelos países desenvolvidos no combate à crise financeira)

Há algo de podre no “reino” da Grécia! É o que insistentemente se propaga mundo adentro, em sentenciamento shakespeariano vertido para os dias de hoje, por eficientes arautos de forças neoliberais em seu culto desvairado ao “deus” dinheiro. Essa proclamação sombria e perversa conta com a cumplicidade de uma mídia desencorajada de exercer a contento sua tarefa institucional de avaliação crítica dos fatos políticos, sociais e econômicos desta conturbada quadra da história.

Sob o sufoco da avalancha de informações desfavoráveis ao comportamento dos gregos, o mundo não liga a mínima à dívida colossal, certeiramente impagável, contraída com a sabedoria helênica eterna, pela influência preponderante que teve no processo civilizatorio de todos nós. Só tem olhar recriminatório e comentário desairoso para a dívida, incomparavelmente menor, de certa maneira até, liliputiana, contraída pelos gregos com os bancos internacionais. Um pacto negocial sabidamente leonino, como tantos outros estabelecidos com comunidades desprotegidas por aí afora, onde a cupidez desenfreada de banqueiros e megaespeculadores inescrupulosos, enredados com políticos laureados em cambalachos, dita regras e normas que fazem dos credores reféns sem chance de resgate a curto e médio prazos.

A tragédia grega atual é um clássico exemplo dos descaminhos que podem ser trilhados por uma ordem econômica injusta. Desatrelada dos valores essenciais que conferem dignidade a aventura humana. É amostra eloquente dos danos irreparáveis produzidos por uma economia desregulamentada, entendida por muitos, equivocadamente, como um fim em si mesma. E não como um instrumento, um meio para se atingir um objetivo maior, transcendente, representado pela construção humana. Ou seja, um fim social correspondente aos legítimos anseios e interesses da sociedade.

O que se anda querendo cobrar do chefe de família grego, da dona de casa grega, do empresário e do operário gregos é parte da conta dos desatinos econômicos e sociais cometidos, obviamente sem seu consentimento ou conhecimento, por instituições envolvidas em manobras especulativas por ganhos vorazes. Manobras essas que mergulharam boa parte do mundo numa crise recessiva com pesados ônus de natureza social.

O empenho dos dirigentes dos chamados paises superdesenvolvidos em proteger prioritariamente os haveres das organizações que provocaram a crise leva-os a promoverem aquilo que a Presidenta Dilma Rousseff definiu tão apropriadamente como a estratégia do “tsunami monetário”. Injetam, a fundo perdido, recursos fabulosos nessas organizações, para que não soçobrem, em detrimento de políticas de bem estar social, agredindo a economia de países vulneráveis, praticando uma política monetária inconsequente que gera condições desiguais de competição nos mercados internacionais. E, via de consequência, transferem o peso da dívida para outros ombros.

Resumo da história: a culpa pela dívida não é dos gregos. Falar verdade, nem dos troianos.

* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

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