sexta-feira, 11 de março de 2011

A musa não sabia


Cesar Vanucci *

“Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça...”
(Versos da melodia “Garota de Ipanema”, de Tom e Vinicius)

Estas maldatilografadas de hoje seguem a mesma linha dos artigos “Testemunho implacável” e “Esoterismo nazista”, onde focalizei momentos da historia menos conhecidos, extraídos de livros lidos e relidos. Ocupa-se de caso assaz interessante, ignorado pelo distinto público, embora envolva personagens e criação artística célebres. Quem conta é o escritor Rui Castro. O tema distingue-se dos relatos anteriores pela feição lírica e amena.

A musa inspiradora dos brejeiros versos e ternos acordes só se deu conta de ser a jovem do “doce balanço a caminho do mar”, retratada em “Garota de Ipanema”, anos depois de a imortal composição dos geniais Tom Jobim e Vinicius de Moraes já haver emplacado como estrondoso sucesso mundial. Sucesso, aliás, em se falando de música popular brasileira, comparável ou há até quem diga superior, em matéria de vendagem de discos, ao segundo “hino nacional” do país. “Aquarela do Brasil”, do não menos genial Ari Barroso.

Heloisa Eneida Menezes Paes Pinto, Helô pra confraria dos amigos, estava com quinze anos em 1962. Chamava atenção pela beleza e graça, quando desfilava, segundo o jornalista Rui Castro, não apenas a caminho do mar, “mas a caminho também do colégio, da costureira e até do dentista.” Os compositores acompanhavam seu gingado com jeito de poema da mesa de um bar famoso em Ipanema, então chamado “Veloso”, mais tarde rebatizado com o nome da música.

No livro “Chega de Saudade”, Rui Castro, mineiro de Caratinga, craque de seleção no jornalismo, exímio contador de casos, relata com excepcional bom humor, ricos achados literários e fidedignidade aos fatos, ancorado em exaustiva pesquisa e centenas de depoimentos, “a História e as histórias da bossa nova”.

Vai daí lhe ocorrer encaixar, a páginas tantas, uma revelação surpreendente pra muitos: a garota de Ipanema só foi devida e oficialmente notificada da reverente admiração que provocava à sua passagem quando já “de maior”. Para sermos mais exatos: em 1965, três anos após o estrepitoso lançamento da música. Mas pra ficar sabendo mesmo de como tudo realmente rolou e de outros esclarecimentos sugestivos ligados à bela composição o melhor é passar a palavra para o próprio Rui Castro. Página 316 da alentada e saborosa obra mencionada: “Já foi dito, mas as pessoas não se conformam. Tom e Vinicius não fizeram “Garota de Ipanema” no bar que se chamava Veloso e que hoje se chama “Garota de Ipanema”, na rua que era Montenegro e que hoje é Vinicius de Moraes, esquina com Prudente de Moraes (nenhum parentesco). Nunca foi do estilo da dupla escrever música em mesas de bares, embora eles tenham investido nelas as melhores horas de suas vidas.”

Jobim, prossegue o escritor, compôs a melodia em casa, pensando em utilizá-la numa comédia musical. Vinicius cuidou da letra em Petrópolis. O nome da música, a princípio, seria outro, “Menina que passa”. A primeira parte dos versos era também diferente. Canção pronta, Pery Ribeiro, Tamba Trio e Claudete Soares lançaram-na em aplaudidas gravações.  Em 63, Tom também colocou-a em seu primeiro disco nos Estados Unidos. Dali pra frente, o mundo inteiro se empolgou com a melodia, divulgada em centenas de gravações.

Rui Castro retomando a palavra: “A garota Helô assoviava diariamente a canção (...), sem saber que tinha sido a sua musa. (...) Somente três anos depois, em 1965, quando Helô já tinha dezoito anos e estava de casamento marcado, é que Tom e Vinicius lhe revelaram – e à (...) imprensa – quem ela era. Houve então um corre-corre, que criou um misto de orgulho e desconforto no general (parênteses para esclarecer que o pai da garota era general “linha dura”) e no noivo: todos queriam conhecer a coisa mais linda e mais cheia de graça.”

Helô, revela-se ainda no livro, foi convidada para posar com roupa de normalista na campanha de divulgação do quarto centenário do Rio. Chamaram-na também para estrelar um filme. “Garota de Ipanema”, claro. Não aceitou nenhum dos convites. O pai e o noivo interferiram na decisão. “A canção continuou – anota o jornalista – despertando fantasias universais a respeito da mítica garota”. Até que, 25 anos depois, na edição de maio de 1987, a “Playboy” conseguiu escalar a musa de Jobim e Vinicius numa incrementada reportagem fotográfica de capa.

* Jornalista (cantonius@click21.com.br)

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