sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Lógica coronelistica


Cesar Vanucci *

“Uma nódoa da civilização é o apoio de países que pregam
 a democracia a ditaduras corrompidas e sanguinárias.”
(Antônio Luiz da Costa, professor)

Amigo não tem defeito. Inimigo, se não tem, eu boto. Para a maior parte das pessoas, tais frases, de enunciação simplória, dir-se-á mesmo folclórica, traduzem uma lógica política vigorante apenas em arraiais coronelísticos. Mas a história, desde que contada por inteiro, não é bem assim. Não poucos redutos políticos refinados, até mesmo no plano internacional, costumam pautar também suas ações por essa destrambelhada lógica. É só por tento no que vem relatado no noticiário nosso de cada dia.

Convido o distinto leitor a um esforço de memória pra ver só como os exemplos naturalmente afloram. Das ladeiras da memória recolho uma historinha emblemática. Transcorrida décadas atrás, conserva frescor atual quando comparada com episódios contemporâneos. Naquela importante cidade interiorana, o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro, de orientação getulista), à época majoritário em todas as esferas de representação municipal, partiu-se ao meio. Uma ala do partido, comandada por médico que já ocupara o cargo de Prefeito, transferiu-se de mala e cuia, como era de bom tom dizer-se em tempos passados, para a UDN (União Democrática Nacional). Nessa agremiação se congregavam, naquele tempo, os mais rancorosos adversários do petebismo. Não demorou nadica de nada para que o ex-prócer trabalhista que se bandeou para a “falange inimiga” deixasse de ser tratado pelos recém-correligionários como “Gregório branco” (alusão pejorativa inspirada no célebre guarda-costas de Getulio Vargas) e passasse a ser enaltecido, em verso e prosa, por tudo quanto é canto, como “médico humanitário, adorado pela gente humilde.”

Quantas vezes já não assistimos, vida afora, filmes com esse sugestivo enredo, não importa se em preto e branco, em cores, em versão digital, três dimensões, com atores, diretores, e cenários diferentes? A ambição pelo poder, expressando-se em linguagem mais rústica ali, mais sofisticada acolá, confronta dificuldades, em numerosos momentos, de camuflar o jogo rasteiro dos bastidores. O que o coronelão de um lugarejo plantado nos cafundós pensa, diz e faz conserva notável similitude com aquilo que muitas lideranças influentes, aqui dentro ou lá fora, pensam, dizem e fazem.

Mutatis mutandis, esse tem sido um processo igualmente partilhado, com artifícios requintadissimos, pelos representantes das grandes potências em sua relação com boa parte do mundo. Mundo esse, assinale-se de passagem, do qual elas, as grandes potências, se supõem, por outorga divina, incontestes mandatárias. As artimanhas geopolíticas, impregnadas de maquiavelismo, contemplam todo aliado incondicional como amigo virtuoso. Não preocupam, não incomodam, as ignomínias cometidas no âmbito doméstico contra indefesos compatriotas que ousem contestar o déspota de plantão. A ele são rendidas todas glórias (e benesses), bem como assegurada, com a prestimosa colaboração – tá claro – dos canais de comunicação de abrangência mundial, blindagem razoável de maneira a impedir fiquem expostas persistentemente, perante a opinião pública global, as felonias praticadas. O caso de Idi Amim Dada é revelador. Tirano impiedoso, recebeu tratamento de estadista por longo período. Chegou a ser até agraciado com a patente honorífica de brigadeiro do ar pela Força Aérea israelita. Num de seus habituais surtos paranóicos, resolveu mudar de lado, apoiando ações de desvairados terroristas. Só assim é que seu verdadeiro perfil facinoroso passou a ser mostrado com o realce adequado. Outro caso sintomático, entre muitos, envolve o ditador da Líbia, Muammar Kadafi. Durante bom pedaço de tempo ele figurou na relação dos mais notórios terroristas planetários. E não sem fartas razões. Sua habitação foi alvo, por conta das posições extremadas assumidas, de arrasadores ataques de mísseis. Um determinado dia, em razão de um pacto secreto, que implicou, entre outros itens, no reconhecimento pelo ditador líbio de sua participação em empreitadas criminosas, resolveu-se, sem mais essa, nem aquela, que seu nome seria retirado da lista dos vilões com cabeça a prêmio. Recebeu, por conta do arranjo, uma carteirinha de bom moço. Suas façanhas despóticas não mais frequentaram o noticiário. Igualzinho, aliás, acontece, desde sempre, com outros aliados incômodos, com toda certeza inconfiáveis, notadamente no mundo árabe,vários deles, neste preciso momento, sob o fogo cerrado de multidões ansiosas por se libertarem das amarras da opressão que, impunemente (pelo menos até agora), patrocinam.
Verdade seja dita. O mundo anseia por uma mea culpa das grandes potências que sirva de ponto de partida para desatrelar de sua atuação no cenário internacional todas essas alianças espúrias firmadas com ditaduras cruéis e corruptas.

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