sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Simplesmente medonho

Cesar Vanucci

“As ações terroristas dos atiradores solitários 
são estimuladas, em muito, pela indústria armamentista.”
(Antônio Luiz da Costa, Educador)

Foi assim. Simples assim. O indivíduo de mal com a vida, periculosidade estampada no semblante, agindo com a mesma desenvoltura de uma dona de casa que ajeita no carrinho do supermercado a couve-flor, o alface e o tomate para refeição doméstica, passa ao solícito vendedor da loja especializada em armamento sofisticado a lista dos produtos que lhe interessa levar. Metralhadoras, rifles de alta precisão, granadas, farta munição. Material suficiente para equipar aguerrido pelotão de infantaria. Fecha a operação, pagando com cartão de crédito, apanha a nota fiscal, metendo os artigos adquiridos num veículo de transporte. Manda-se, em seguida, para casa. Nada diz, nem lhe é perguntado a respeito da destinação dos itens comprados. Afinal de contas, qualquer pergunta poderia soar como imperdoável abelhudice, assim vista pela Associação Nacional Americana de Armas, intransigente defensora dos “sagrados direitos constitucionais” dos consumidores de seus produtos.

Simples assim. O indivíduo, ao depois, hospeda-se num hotel de luxo, em suíte de andar superior com vista panorâmica para imensa praça. Na praça irá acontecer, mais adiante, um mega espetáculo artístico, plateia estimada em milhares de pessoas.

Simples assim. O individuo, presumivelmente adepto de uma dessas seitas sinistras (tipo Klan, Supremacistas Brancos, por aí) engajadas em conspiração contra a dignidade humana, transforma o aposento num “posto avançado” para deflagração de verdadeira “operação de guerra”. Não se sabe bem como fez para transportar até o topo do edifício, sem despertar incompreensivelmente a mais leve suspeita, o arsenal adquirido nos conformes legais. Sozinho, ou com ajuda, sabe-se lá, sem ter os passos interceptados por quem quer que seja, transporta o pesado material para a suíte transmutada em reduto fortificado. A pequena multidão que cruza seu caminho, agentes da lei, porteiros, vigias, ascensoristas, camareiros, carregadores, motoristas, demais funcionários do hotel, hóspedes do hotel, não percebe nada de estranho na frenética movimentação, que implica ainda na instalação, por conta própria, novamente desapercebida por parte de terceiros, de um requintado sistema clandestino de monitoramento, provido de câmeras, em corredores do hotel,  para acompanhamento das coisas que venham a suceder nas imediações da suíte.

Foi assim. Simples assim. Todas essas ações, estrategicamente orquestradas, transcorreram numa das cidades com maior poder de atração turística no mundo inteiro. Um centro populoso, vigiadíssimo, situado em país que estruturou a mais complexa engrenagem jamais concebida para se defender de atos terroristas contra gente inocente, a ponto até de estimular alguns agentes, extravasando os cuidados preventivos, a cometerem deslizes nas abordagens públicas (sobretudo em aeroportos) de pessoas de outras nacionalidades.

Foi assim. Medonho assim. Das janelas da suíte, mirando como alvo milhares de espectadores do show de música sertaneja que se acotovelavam lá embaixo na praça, o terrorista acionou o gatilho dos mortíferos apetrechos espantosamente armazenados na dependência de um hotel de intensa circulação. Antes que o pessoal da segurança pudesse identificar a origem dos disparos, de modo a por termo à terrificante empreitada, 69 vidas inocentes se foram, mais de quinhentas pessoas alvejadas deram entrada em hospitais e clínicas. E assim se escreveu um novo capítulo da encorpada e tenebrosa história dos tresloucados atiradores solitários que apavoram as ruas  americanas.

Medonho assim. O noticiário sobre a tragédia de Las Vegas diz que as armas legalmente estocadas nos lares do país é superior ao número de seus habitantes, mais de 320 milhões. Em algumas regiões estadunidenses assegura-se às pessoas o “direito” de desfilarem ostensivamente com armas, no consagrado estilo faroeste. Em reportagem mostrada na televisão um cara, com o qual a gente se antipatiza à primeira vista, exibe-se varonil e triunfante, expelindo babaquice por todos os poros, como recordista mundial em coleção de armas. Seus guardados contabilizam quatro mil artefatos. Até carros de assalto. Todo o aparato em condições de uso imediato. “Lindo”... de morrer.

Tudo muito medonho. É o caso de se pedir: Deus salve a América!


Desfile de horrores

Cesar Vanucci

“... a Terra não é o inferno dos demais planetas?
(Aldoux Huxley)

É de Aldous Huxley a fulminante indagação: “Como sabes que a terra não é o inferno dos demais planetas?” A frase guarda certa conotação com ditos de outros autores célebres. Sartre: “O inferno são os outros.” Guimarães Rosa: “O inferno está dentro de nós.” Marquês de Sade: “Não há outro inferno para o homem afora da estupidez ou da maldade de seus semelhantes.”

Avaliando com aprofundada atenção, alma em desassossego e olhar repleto de angústia, o que vem rolando por aí afora, lá longe e cá perto, no atacado e no varejo, a gente acaba, em não poucos momentos – como não? –, se rendendo à tentação de compartir com o grande pensador citado no introito a inquietadora dúvida por ele verbalizada. O desfile de horrores é incessante. Produzido por distúrbios comportamentais variados – ódio, insanidade, intolerância, preconceito, injustiça -, as situações calamitosas acumulam rotineiras manchetes.

Ainda agora, quando datilografávamos estas linhas, fanáticos religiosos-políticos arremessavam seus carros-bomba contra vítimas inocentes na Somália, provocando um inimaginável morticínio. Outro mais.

Deixando de lado, nestas específicas considerações, incidentes aterrorizantes registrados noutras plagas, concentrando-nos apenasmente em episódios deprimentes mais próximos de nós, começamos por perguntar, apoderados de perplexidade: essa horrenda tragédia de Janaúba, como explicá-la? A ferocidade criminosa que a concebeu, a crueldade inaudita que tantas vidas inocentes ceifou – em sua maioria, criancinhas, Santo Deus! -, as marcas doloridas indeléveis deixadas na história das famílias e da comunidade brutalmente alvejadas, como entender tudo isso?

Este surto infernal de estupidez e maldade, esta desagradável sensação de banalização da violência, será que vamos conseguir refreá-los? Na pergunta formulada só se encaixa uma resposta. O mundo carece reconectar-se urgentemente com sua humanidade. Trata-se de uma tarefa árdua, extenuante. Quem pode assumi-la, de verdade, são homens e mulheres de boa-vontade, parcela majoritária da sociedade, compromissados com valores éticos, morais, espirituais capazes de garantir dignidade à jornada existencial. Isso pede reflexão e ação.

Deixemos Janaúba. A cidade, mergulhada em sua infinita dor, busca na solidariedade popular e na anunciada disposição dos poderes públicos em provê-la de recursos que possam melhorar as condições de seus equipamentos sociais alento para a retomada das atividades normais. A vocação progressista da comunidade, o espírito de cidadania de seus moradores representam suportes poderosos na caminhada a empreender.

 Volvamos, agora, o olhar amargurado para outro recanto brasileiro. Local permanentemente acossado por virulência fora de controle. Como não nos sentirmos traumatizados emocionalmente - os habitantes de todos os cantos deste país continente - com o que vem ocorrendo no cenário emoldurado pela mais exuberante beleza tropical dentre todos os grandes centros urbanos do planeta? O que a inoperância governamental, a incompetência de próceres políticos, a serviço de uma oligarquia debochadamente corrupta, andam aprontando com a mui’ heroica e leal São Sebastião do Rio de Janeiro é algo arrasador. Faixas territoriais extensas da metrópole de mil encantos naturais que, até recentemente, no sonho dos brasileiros, era vista como destino predileto para curtição de aposentadoria tranquila, transformaram-se em zonas de conflito armado. Nelas atuam desembaraçadamente falanges criminosas, traficantes de drogas, milicianos achacadores. O aparato de segurança do Estado revela-se ineficaz no combate a essas forças antissociais. Isso se explica, em parte, deploravelmente, pelo enredamento da chamada “banda podre da polícia” com o crime articulado. O descalabro implantado traz consequências funestas. A fuzilaria virou rotina nos morros cariocas mal assistidos, com extensão à famosa “baixada fluminense”. Haja rabecão para transportar vítimas ao necrotério! Haja bala perdida a surpreender transeuntes e outros viventes indefesos no interior dos lares e das escolas!

No rol das cotidianas desventuras geradas pela estupidez e insanidade cabem ser arrolados também mais esses outros dramas pessoais chocantes. No Piauí, levado pelos próprios pais, garoto de onze anos faz companhia na cela de uma penitenciária, a detento trancafiado por crime de estupro e pedofilia. Tudo sob os olhares coniventes dos encarregados da vigilância do lugar. No interior de São Paulo, uma mãe é acusada de encomendar o assassinato do próprio filho, um adolescente, por “horripilante delito”. Ele confessou-se... homossexual. Valha-nos Deus, Nossa Senhora!


Estupidez e insensatez 
de mãos dadas

Cesar Vanucci

“A estupidez é o maior dos pecados.”
(Oscar Wilde, escritor, poeta e dramaturgo britânico)

Em tudo quanto é canto do mundo despontam inequívocas demonstrações de estupidez e insensatez levadas a extremos. Algumas delas vêm alinhadas abaixo.

l Um grupo de 62 pessoas, que se identificam como teólogos, vinculadas ao rançoso movimento fundamentalista do dissidente Bispo Lefebvre, cismou de aplicar – ora, veja, pois! – um “puxão de orelhas” no meigo e desassombrado Francisco. Acusou-o de práticas heréticas. São caras que se acreditam mais católicos do que o próprio Papa. Por essa “razão”, sentem-se à inteira vontade para arremessar suas lanças medievais contra as regras canônicas, das quais se arvoram ser zelosos guardiães e intérpretes, desrespeitando o conceito que estipula a infalibilidade papal em questões de fé e moral. Com ferocidade dir-se-á talebanista condenam a exortação apostólica “Amoris Laetitia”, vinda a lume no ano passado. Discordam histericamente da orientação ali contida, inspirada em apostólica sabedoria, sobre candentes questões da vida moderna. Repugna-lhes as abordagens feitas sobre sexualidade, casamento, família e divórcio. Integristas de meia pataca, fazem coro em suas farisaicas vociferações com outras correntes retrógradas, de mórbida religiosidade ou de religiosidade alguma. Estamos nos reportando naturalmente a agrupamentos fanáticos que se mostram incomodados com a fala vanguardeira, evangelizadora, diga-se também tomista de Francisco, a respeito da realidade social e econômica destes convulsionados tempos. Com certeira convicção, outros “brados retumbantes”, nessa mesma toada, oriundos dessas mesmíssimas fontes radicais, clamarão por escuta mais adiante. As seitas fundamentalistas não esmorecem no afã de refrear o heroico impulso evolutivo do espírito humano. Voltarão a investir contra outros atos e palavras procedentes da serena e destemida disposição do Bispo que chegou ao Vaticano vindo dos confins do mundo. Um estadista que encanta o planeta com sua pregação e que sabe utilizar a Cátedra de Pedro em favor da santificadora causa de ajudar o mundo a se reconectar com sua humanidade.

l Não há como não sentir um calafrio percorrendo a espinha, sendo ou não alemão, diante dos números conquistados pela ultradireita - de inocultável coloração nazista -, nas eleições que acabam de ser realizadas na Alemanha. Conseguindo emplacar 94 representantes no Congresso, atraindo 12,6% do eleitorado, a “Alternativa para a Alemanha” transformou-se na terceira força política e parlamentar do país. Situou-se abaixo apenas dos sociais-democratas (20,5% dos votantes) e da aliança conservadora – CDU-CSU, de Angela Merkel (32,9%). Praticamente, triplicou a votação com relação aos sufrágios alcançados no pleito anterior. Aviso aos navegantes: não convém subestimar o que rola na Alemanha. (Abra-se e feche-se rápido parêntese para recordar que, em 1930, o partido de Adolf Hitler chegou também em 3º lugar nas eleições). Observadores qualificados chamam a atenção para os riscos que espreitam a democracia com essa súbita ascensão das falanges de extrema direita. No curso da campanha eleitoral, dirigentes e adeptos da tal “Alternativa” conduziram orgulhosamente, nalguns momentos até ensaiando “passos de ganso”, estandartes com reluzentes suásticas. Soltaram o verbo, exprimindo ódio racial naquele mesmo apavorante estilo de um tenebroso passado. Apontaram o dedo acusatório para minorias selecionadas para desempenhar no enredo político o papel de “bodes expiatórios” no tocante à crise econômica, de modo a sensibilizar setores desinformados da população que se sentem amargurados com as consequências negativas das ações de governo.

Alexander Gauland e Alice Weidel, os nomes dos líderes do movimento extremista, não escondem suas idiossincrasias contra negros, judeus, refugiados. Cantam loas ao heroísmo das tropas hitleristas na 2ª Guerra Mundial. Ficar de olho na incendiária dupla. Eles podem aprontar.

Um comentário:

Dodora Galinari disse...

PARABÉNS, César Vanucci. Sempre atual e instigante o seu Blog! Abraços poéticos. Dodora Galinari - Presidente da UBT/BH, União Brasileira de Trovadores - seção de Belo Horizonte.

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O instinto belicoso do bicho-homem

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