sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Abolição das armas nucleares

Cesar Vanucci

As pessoas que falam em proscrever a bomba atômica 
estão enganadas: o que devia ser proscrito é a guerra.”
(Enfatizando mais uma vez a frase lapidar do 
general americano Leslie Richard Groves)

O Nobel da Paz deste ano da graça de 2017 foi conferido ao ICAN, organização sediada em Genebra que aglutina 424 ONGs espalhadas por 95 países. A versão em português da sigla explica sonoramente os altruísticos objetivos da instituição: “Campanha Internacional para Abolir as Armas Nucleares”.

Na percepção deste desajeitado escriba, com suas sempre esvoaçantes quimeras, essa outorga apresta-se magistralmente a descrever o fosso abissal que, tantas vezes, distancia aquilo que a embriagante autossuficiência humana cataloga como “politicamente correto”, daquilo que representa autenticamente ideal a ser perseguido no processo evolutivo humanístico.

A láurea foi atribuída debaixo de aclamações a uma valorosa entidade que se notabiliza por perseverante esforço, desdobrado ao longo de uma década, voltado para a perspectiva de livrar o mundo das armas nucleares. No anúncio, a presidente do Comitê Norueguês do Nobel, Berit Reiss-Andersen, classificou de incansável o trabalho de conscientização do grupo em prol do desarmamento atômico. Assinalou: “Vivemos em um mundo onde o risco de uso das armas nucleares é o mais alto que já existiu. Alguns países modernizam seus arsenais e é real o temor de que outros países se valham desse tipo de armamento, como a Coreia do Norte.”

Porta-voz da organização agraciada, Beatrice Fihn, fez questão de criticar a atuação do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Ressaltou: “O incômodo causado por Trump decorre do fato de ele ser capaz de autorizar, por si só, o emprego de armas nucleares.” Disse depois: “As armas nucleares não dão segurança nem estabilidade", o que é o próprio óbvio ululante. A respeito ainda do ICAN seja aduzido que a instituição inspirou recentemente um tratado de proibição das armas nucleares, subscrito por 122 países. De cunho evidentemente simbólico, o documento não contém assinaturas das potências nucleares.

Essas informações inspiram singelas observações. Agarremo-nos à cândida hipótese de que os países detentores de arsenais nucleares – Estados Unidos, Rússia, França, Grã-Bretanha, China, Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte – resolvam, de repente, numa espantosa demonstração de boa vontade, desfazer-se de seus artefatos. Será que isso implicaria, concomitantemente, numa declaração peremptória em favor da abolição ampla, geral e irrestrita do terror das guerras e das guerras do terror? Eles e os restantes países com propensão guerreira iriam se dispor, paralelamente, a eliminar pra todo o sempre seu formidando estoque de armas bacteriológicas, de armas ditas convencionais, zelosamente conservadas em pontos fixos e móveis estratégicos para uso em situações de máxima tensão; armas essas, todas, como sabido, concebidas com o objetivo de aniquilar avassaladoramente vidas inocentes e patrimônios valiosos?

Fica claro que ninguém, em consciência, ousa negar o mérito das ações desencadeadas pelos militantes do ICAN. É certo que se trata de grupo ativista fervoroso, apoderado de nobreza de intenções e de saudáveis preocupações com referência a uma questão que impacta de pavor a sociedade. Mas, volvendo a atenção para outra face do assunto, é preciso considerar que o armamento nuclear representa um dos itens – talvez o mais assustador – entre os elementos a comporem as engrenagens dessa suprema manifestação da estupidez humana denominada guerra.

Temos assim, pois, firmado o seguinte: diante da ordem de conceitos comportamentais vigentes no mundo de nossos dias, a campanha para proscrição das armas nucleares é, “politicamente correta”. Mas o “politicamente correto” revela-se insuficiente no caso. Cria uma sensação de incompletude, sensação de que está faltando algo essencial a ser feito. A ardente esperança que habita a alma humana concebe, na verdade, não apenas um pacto capaz de abolir um tipo de instrumento de extermínio. Mas um acordo – mesmo que reconhecidamente inalcançável nesse atual estágio da convivência planetária – capaz de abolir a própria guerra. Ou seja, eliminar das desventuras humanas essa calamidade geradora de todo um cortejo interminável de calamidades, imagináveis e inimagináveis, como diria Padre Vieira.

Na epígrafe, recorri a lapidar frase de um general americano. Sirvo-me no epílogo de outra, igualmente de americano ilustre, George Washington: “Meu maior desejo é ver essa praga da humanidade, a guerra, extinta da face da Terra.”

A tragédia do Reitor


Cesar Vanucci

“Que autoridades são essas que (...) causam medo e terror?”
(Nelson Wedekin, jurista)

Na isenta avaliação de categorizados setores da opinião pública catarinense configurou-se irretorquível violação dos Direitos Humanos no rumoroso caso da morte, em dolorosas circunstâncias, do antigo reitor da Universidade Federal daquele Estado. Juristas, educadores, jornalistas, membros do Ministério Público não se furtaram ao dever de reconhecer publicamente que o gesto desesperado do professor Luiz Carlos Cancellier, que pôs termo à vida atirando-se no vão de um shopping center em Florianópolis, foi fortemente influenciado pelo claro abuso de autoridade, somado a inconsequente denuncismo com alarde midiático irresponsável, do qual o mesmo foi alvo.

O lastimável episódio pode ser assim narrado. Uma investigação policial iniciada em 2014 concluiu que houve desvio de recursos em um programa de ensino à distância executado na instituição universitária mencionada. A ocorrência delituosa foi detectada em período –importante ressaltar – anterior à gestão do reitor. Mesmo assim, equivocadamente, por força de brutais circunstâncias, ao inteiro arrepio das provas coligidas, Cancellier viu-se subitamente alçado à condição de personagem central numa trama kafkiana. As autoridades encarregadas das diligências, com respaldo judicial, deduziram que vinha acontecendo obstrução na apuração dos fatos. Baseadas em informações que se comprovaram incorretas, resolveram imprudentemente, prepotentemente, responsabilizar pelo fato, entre outras figuras do corpo universitário, também o reitor.  De nada valeram as evidências, consoante abonados testemunhos, de que o cidadão em questão nenhuma participação negativa tivera no enredo.

Detido em sua residência, diante dos olhares assustados dos familiares e vizinhos, numa operação espalhafatosa, com filmagem instantaneamente projetada pela televisão, cobertura ampla da imprensa e rádio, o reitor foi “exemplarmente” apontado como “perigoso marginal”.  Sem que se lhe oferecessem chance alguma de defesa com relação às injustificáveis acusações levantadas, foi conduzido de forma humilhante ao cárcere. A soltura do preso foi determinada, sensatamente, noutra instância, horas depois. Tarde demais, no desabafo do jornalista Carlos Damião, a quem Cancellier confessou ter sido tratado de forma degradante pelos integrantes da escolta e na dependência policial a que compareceu sob coação. O reitor confessou ao mesmo jornalista sentir-se esmagado pela dor e perplexidade.

Em que pese o posicionamento assumido pela comunidade acadêmica catarinense, saindo imediatamente em defesa do reitor ferozmente atingido em sua dignidade, o impacto das coisas deixou Luiz Carlos Cancellier arrasado psicologicamente. Ele chegou a confessar a amigos que jamais iria conseguir recuperar-se do golpe. Deu no que deu.

A história gerou compreensível clima de revolta e indignação. O reitor era um homem culto, afável, inteligente, conciliador e de vida irrepreensível. Machucou-se muito com manchetes que o chamaram de ladrão e corrupto, sem que tivesse qualquer culpa no cartório. O próprio Procurador Geral do Estado, João dos Passos Martins, admitiu que o educador padeceu sob uma prepotência inocultável. “Por isso, respeitado o devido processo legal, é indispensável a apuração das responsabilidades civis, criminais e administrativas das autoridades policiais e judiciais envolvidas”. Foi o que sustentou em nota. O advogado Nelson Wedekin, ex-senador da República, classificou a ação conjunta da policia e judiciário de ignóbil. Indagou, na cerimônia fúnebre: “Que autoridades são essas que, ao invés de nos proteger, causam medo e terror?” (...) “É preciso agir assim com a mão pesada, com tal crueldade, com tal virulência e tal desumanidade? Definitivamente, não se passa o país a limpo assim!”


O drama do reitor injustamente alvejado comoveu Santa Catarina e demonstrou, da parte dos setores responsáveis pela condução das diligências relatadas, total despreparo no cumprimento de sua respeitável missão institucional no combate ao crime.

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