sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

O escândalo 
das desigualdades

Cesar Vanucci

“Oito pessoas têm mais riqueza do
que metade da população mundial”.
(Do relatório apresentado pela Oxfam,
no Fórum Econômico Mundial de Davos)

Motivos não faltam, na febricitante faina cotidiana deste nosso mundo velho de guerra sem porteira, pra gente se escandalizar em alta escala. A perícia humana para engendrar situações cabulosas é simplesmente incrível. Em tudo quanto é setor de atividade encontra-se sempre alguém suficientemente apto a articular algo desconcertante em condições de espalhar aturdimento por aí afora.

Vamos lá. Como não nos escandalizarmos, neste preciso momento, com a revelação de que 8 afortunados cidadãos – número suficiente para lotar uma limousine de luxo ou um moderníssimo “king air” – possuem, sozinhos da silva júnior, riqueza equivalente à de 3 bilhões e 600 milhões de seus semelhantes? Semelhantes esses espalhados por todos os confins deste planeta azul, destinado como se sabe no projeto da criação a garantir abrigo e proteção à raça humana.

Como não nos escandalizarmos, senhoras e senhores, com estes outros dados alinhados no relatório da organização humanitária Oxfam, divulgado no recente Fórum Econômico Mundial de Davos, Suíça, onde se diz, com todas letras, pontos e vírgulas, que os 50% viventes dos andares de baixo da população mundial detêm menos de 0,25% da riqueza global líquida? E, mais ainda que, desse grupo de deserdados da sorte, 3 bilhões vivem abaixo da “linha ética de pobreza”?

Como não nos sentirmos alvejados em nossa dignidade, como seres representativos da sociedade humana, com esta outra informação, vinda da mesma fonte, onde ainda se proclama que de cada 10 pessoas no mundo uma sobrevive com menos de 2 dólares, ou seja, pouco mais de 6 reais, por dia? Como demonstrar indiferença, ou fingir que isso não tem nada a ver com os problemas que nos açoitam, diante da notícia de que no Brasil, como acontece exatamente noutros países, ilustres patrícios detentores das maiores riquezas pessoais, digamos em número de 10 apenas, concentram haveres superiores à renda somada de 100 milhões?

Haverá, por certo, quem se anime a explicar tão atordoantes números. Apontando-os como consequência normal de um sistema de vida adotado consensualmente há tempos pela civilização. Um sistema, aceito em todos os lugares, com regras que exaltam os diferenciais da capacidade empreendedora, do talento, da habilidade negocial e por aí vai... Esses constituem, realmente, valores suscetíveis de exercer forte influência na trajetória da prosperidade individual. Mas, convenhamos, nem tanto a terra nem tanto ao mar. Nada, nada mesmo, dom especial nenhum, norma jurídica alguma, regra moral qualquer, podem justificar, respaldar, legitimar uma fórmula de distribuição das riquezas, nascidas do labor humano, tão injusta e tão perversa a ponto de favorecer diferenças tão colossais. 

Por mais que sejam os créditos em aplausos, louvores e compensações financeiras, atribuídos por justiça a personagens destacados pelo trabalho, inteligência e criatividade, não se pode perder de vista jamais o caráter eminentemente social da riqueza. Isso remete à necessidade de se adotar, neste mundo conturbado pela violência das desigualdades, novos critérios de distribuição dos bens, com fundamento no bom-senso, na justiça social e nos sentimentos humanísticos e espirituais. A partilha atual do patrimônio das riquezas coletivas não deixa de ser iniqua, como evidenciado nas desnorteantes estatísticas apresentadas pela Oxfam. Cabe aqui mais uma reflexão. Forçoso reconhecer na habilidade negocial um dom digno de registro. Mas habilidade negocial não pode desfrutar de primazia absoluta sobre outras virtualidades humanas. A pontuação atribuída no conceito comunitário ao mérito, face a tais circunstâncias, não parece correta. Figuras icônicas da história civilizatória, providas de capacidades singulares, todas muito especiais, não recebem compensações de qualquer ordem pelos feitos realizados ligeiramente comparáveis às cumuladas a elementos exponenciais no mundo dos negócios. Seria muito interessante saber, pra efeito comparativo, a quanto montaram as fortunas de Madre Tereza de Calcutá, Gandhi, Chico Xavier e outros de naipe assemelhado. Pessoal que marcou presença inconfundível no processo da construção humana em seus aspectos mais nobilitantes.

Para que o mundo, na linha de aspirações dos homens e mulheres de boa vontade e das mentes mais evoluídas, consiga reconectar-se com sua humanidade mistér se faz uma reavaliação de todo esse sistema de partilha das riquezas sociais, de modo a se reduzir a estilhaços o escândalo das desigualdades.


Ainda o escândalo das desigualdades


Cesar Vanucci

“Os espanhóis têm um ditado intrigante: Entre Deus e o dinheiro,
o segundo é o primeiro! Muita gente leva isso muito a sério.”
(Antônio Luiz da Costa, educador)


Restou ainda um bocado de coisas estarrecedoras sobre o relatório que a organização não governamental Oxfam apresentou no Fórum Econômico de Davos, na Suíça, a propósito da escandalosa concentração de renda existente neste convulsionado orbe terráqueo reservado para moradia da raça humana.

As afrontosas desigualdades sociais só têm feito crescer. Ano passado, os super-ricos, que acumulavam haveres correspondentes à renda de 3 bilhões 600 milhões de viventes, ou seja, a metade mais pobre da população mundial, eram em número de 62. Já agora, a assustadora comparação compreende, do lado afortunado, apenas 8 indivíduos. Vários deles, detentores isoladamente de bufunfas superiores aos PIBs (Produtos Internos Brutos) de uma porção de países, veja só se pode!...

As impactantes revelações conferem destaque aos múltiplos esquemas operacionais costumeiramente levados a cabo pelas grandes corporações no sentido da expansão contínua dos lucros, em detrimento obviamente da elevação dos alarmantes índices da desigualdade.

Redes de “paraísos fiscais” – tão magistralmente simbolizados na “neutra” Suíça, com sua alardeada, glamorosa e farisaica engrenagem bancária – são utilizados em escala descomunal para a mais deslavada sonegação de impostos. O conglomerado corporativo impõe ainda arrochos salariais nas regiões em que atua. Avilta constantemente os valores pagos às empresas prestadoras de serviços. E, conforme também denunciado pelos analistas da Oxfam, fazem uso de sua forte influência junto às autoridades governamentais em diversos países, visando o aumento sempre crescente dos ganhos, às vezes antagonizando preceitos éticos.
Dessas perversas manobras emerge a aterrorizante diferença de renda detectada entre grupos sociais, com todos aqueles desdobramentos nefastos sabidos á causa do bem estar comunitário, segundo assevera ainda a mencionada ong.


  
Dória e o fraternalismo econômico


Maria Inês Chaves de Andrade *


Tenho acompanhado o que o Prefeito João Dória vem fazendo.

Fora desta política de torcidas partidárias, conscientes de que é preciso reunir forças e desvencilhando-nos da posição de doutores em diagnósticos de toda patogenia gravíssima que nos acomete, ou de profetas na propalação de prognósticos apocalípticos, o fato é que ele vem assumindo uma posição profilática de enfrentamento dos problemas que São Paulo ostenta.  Vejo-o construindo uma política com ênfase na criatividade, em tempos de incerteza. Exemplifico: a disponibilização de produtos de higiene, através da Unilever, para a população de rua que busca os abrigos da Prefeitura. A intenção é valorizar a autoestima destas pessoas.
Ora, a fraternidade é um direito fundamental dado que fundamenta mesmo todos os direitos. Tal ação confere sentido prático à tese.  A dimensão do ser humano que hoje demanda atendimento se estende, inescapavelmente, para além da do homem apenas. Exige do Estado que não se restrinja somente à função coercitiva de garantia da ordem e do jogo de interesses. A saída para este imbróglio - já nos achegamos aí à consciência - não é um socialismo marxista que requer a luta de classes, dado que esta não mais se justifica, vez que os interesses já não são contrários. A solução é racional e acolhe a organização da produção de bens sob a lógica do mercado, quando as implicações do processo social de produção assimilam a ideia de que o ser humano deve ser humano e só em relação ao outro assim se pode reconhecer, sendo.

Nesta perspectiva, vejo Dória imbuído da percepção de que se faz necessária a responsabilização social das empresas e dos partícipes do mercado. Estabelecendo parcerias com a iniciativa privada, em vez de remover cobertores de moradores em situação de rua, como fazem alguns prefeitos, atua para a melhoria das condições dos albergues. Fez parceria com a rede hoteleira Accor, com a rede de alimentos orgânicos Mundo Verde, com a Procter & Gamble e com a Tintas Coral. A primeira, por exemplo, irá ajudar a prefeitura a configurar os quartos dos albergues e oferecer cursos de capacitação. A Mundo Verde providenciará a alimentação e a Procter & Gamble, produtos de higiene. Além de melhor qualidade de vida, a ideia do projeto de revitalização dos albergues é oferecer oportunidades de emprego e estudo, além de disponibilizar estrutura para que famílias sejam acolhidas juntas. O SENAC, por sua vez, entra na parceria com cursos profissionalizantes.

O fato é que já estamos cansados deste embate que, ainda, tantos insistem por aí em promover, opondo-se, de um lado, os que creem que a solução provém do fortalecimento do capitalismo selvagem, como se este já não se tenha degenerado o suficiente, conforme expressam as estatísticas, indicando que já chegamos ao ápice da exploração do homem pelo homem; e de outro, os que proclamam como fórmula ideal um socialismo marxista, com estribo na crença, ainda, de que o motor da história continua sendo o conflito de classes.

A razão humana reconhece a inadequação da deglutição do Outro para a satisfação de apetites econômico-financeiros. Ademais, sustento em tese a ideia de que as lutas de classes não mais se justificam, porquanto a atuação revolucionária se volta não mais para a conquista de direitos, mas para a efetivação de direitos já positivados. A aparência que se observa na divisão da sociedade de homens em classes não compromete, de modo algum,  a essência humana de se manifestar, mas, contrariamente, potencializa essa essência na humanidade comum a todos.

Aponto o fraternalismo como síntese entre o capitalismo e o socialismo e Jorge Dória como sujeito de história, no chamamento do empresariado para ações concretas de intervenção e responsabilização social, ao concitar a empresa cidadã a participar de uma nova organização política.

A infraestrutura de nossa sociedade está ruindo e a superestrutura, ou seja, as instituições jurídicas, políticas e ideológicas, até então, influenciada por ela, encontra-se em frangalhos. Em meu modo de ver, João Dória busca pela efetivação dos direitos humanos já constitucionalizados, dado que direito não é favor, sendo esta a grande demanda de nosso tempo. Reside nesse conceito a fonte matricial da atuação revolucionária transformadora que ora empreende.

*  Vice-Presidente da ONG “O Proação”; autora de “A fraternidade como direito fundamental” e de “O fraternalismo como síntese entre o idealismo e o materialismo histórico-dialético”.




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