sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Enfim, uma bela 
comédia musical

Cesar Vanucci


“Os produtores de filmes andam meio esquecidos
  dos espetáculos musicais, o que é uma pena.”
(Antônio Luiz da Costa, educador)


Os apreciadores das fantasias musicais cinematográficas – forçoso reconhecer, um mundão de gente de gosto refinado – reencontram num lançamento recente a chance de novamente se embevecerem com impecável espetáculo do gênero. O período de estiagem em matéria de produção de entretenimento de qualidade, nessa vertente específica da criação artística, estendeu-se um bocado. Na verdade, muitos anos se passaram desde a última sessão oferecida ao público de uma comédia romântica musical envolvente.

O esfuziante, lírico e enternecedor “La La Land: cantando estações”, em cartaz, suspende de maneira esplêndida esse prolongado jejum dos espectadores. Chega às telas com bastante impetuosidade, garantindo na memória fílmica lugar marcante entre os clássicos musicais. Do que se está a falar é daqueles clássicos guardados na saudade dos cinemeiros. Eis aqui sugestivos títulos de uma lista, obviamente, não muito extensa: Sinfonia em Paris, Cantando na Chuva, Amor – Sublime Amor, Carmem Jones, Minha Bela Dama, Chorus Line, Cabaré, Kamandu, O Show deve Continuar, Noviça Rebelde (não, evidentemente, a segunda versão filmada, exibida há pouco, de mau gosto supremo), Quando Hollywood Dança - esses todos trazendo marca de nascença “hollywoodiana”; e mais, seguramente, os franceses Retratos da Vida e Guarda-chuvas do Amor. São filmes que evocam momentos de culminante genialidade artística. Interpretações, coreografias, melodias, cenografias, fotografias e truques de filmagem inesquecíveis. Nos elencos figuram atores e atrizes que arrebataram multidões por conta de enorme talento. Listemos alguns: Fred Astaire, Gene Kelly, Bob Fosse, Donald O’Connor, Rita Hayword, Carmem Miranda, Ginger Rogers, Leslie Caron, Cid Charisse, Julie Andrews, Judy Garland, Audrey Hepburn, Dorothy Dandridge, Liza Minelli e por aí vai...

“La La Land...” diz a que vem logo de cara. As cenas iniciais, focadas em estressante congestionamento de veículos numa autoestrada, são simplesmente eletrizantes. Fixam marco antológico na história da dança no cinema. Dão o tom das imagens a chegarem na sequência, compostas dentro de um roteiro bem urdido, que conduz o espectador a um mergulho extasiante na fantasia, como só o cinema consegue proporcionar.

Ryan Goslina (Sebastian) e Emma Stone (Mia), par romântico do caprichado musical, brindam-nos com desempenhos magistrais. Saem-se admiravelmente bem nos bailados e sapateados. Ele, como um pianista fissurado em jazz (mas obsessivamente resistente à incomparável cadência do samba); ela, vivendo o papel de uma aspirante a atriz, protagonizam figuras comuns da gente do povo, movidas pela ânsia de crescimento humano em ambientes altamente competitivos. Seus desempenhos nada ficam a dever aos dos atores acima citados, os quais, antes deles, também escreveram capítulos frisantes na crônica dos musicais.

“La La Land: cantando estações” - candidatíssimo a todas as estatuetas do Oscar colocadas em disputa - desperta por outro lado nos cinemeiros, que não lhe regateiam aplausos, baita vontade de rever os clássicos musicais de todas as épocas. A televisão, cá pra nós, bem que poderia cuidar de responder a esse nostálgico desejo. Com seu significativo contingente de canais especializados, vários ligados a estúdios cinematográficos famosos, praticamente assumiu volume maior na projeção sistemática de filmes. Causa estranheza, por conseguinte, o fato de ela, televisão, não demonstrar, sabe-se lá por que cargas d’água, disposição de inserir na programação, sobrecarregada a mais não poder com repetições de celuloides antigos, esses filmes lindos e inebriantes, pura magia artística com seus ternos diálogos românticos, suas música e dança requintadas que costumam transportar as pessoas a uma latitude de sonhos.



Palavras malditas

Cesar Vanucci

"Um golpe com uma palavra,
fere mais fundo que um golpe de espada."
(Robert Burton)

Num papo descontraído de velhos conhecidos alguém andou contando os dissabores enfrentados por conta de uma “palavra maldita”. Ocupo-me adiante do assunto, garantindo de antemão que seu componente hilário é forte.

Antes, porém, considero de oportunidade lembrar que essa coisa de "palavra maldita" reaviva cenas da meninice em que me vi às voltas, surpreso, com relatos circunstanciados de episódios classificados de malditos no bestunto de pessoas adultas. Relembro, primeiro, uma certa "música maldita". A história foi ouvida da boca de um cidadão respeitável, bem posto na vida, num papo com grupo de fedelhos do qual o neto, aqui, de dona Carlota fazia parte. O tom de voz resvalando o lúgubre, selecionando palavras como se a temer algo fortuito, de consequências terríveis, ele deixou claro, para plateia assustada, que a tal melodia espalhava malefícios, sempre que executada. Recomendando se evitasse sequer assobiá-la, passou para seus transtornados ouvintes o nome da música: "Ramona". A "melodia maldita" – afirmou, persignando-se - havia sido a derradeira do repertório executado pela orquestra do transatlântico "Titanic" antes do adernamento na viagem inaugural. Já indaguei aos botões de meu pijama, algumas vezes, se não teria sido por conta de crença tão insólita que a ramona caiu em desuso como sinônimo de grampo.

Recorda-me, depois, um "xingamento maldito", contemporâneo dessa "música maldita". A expressão "excomungado", concentrando carga blasfema infinitamente superior à da injúria (por muitos sintetizada nas letras fdp) assacada contra a honra materna, era capaz de atrair – diziam, então, compenetrados e sábios cidadãos – raios fulminantes desfechados pela suprema cólera divina. Pelo sim, pelo não, ninguém ousava, naqueles tempos cordatos, despejar pra cima de ninguém o atemorizante insulto.

Mas eis que chegada a hora de falar dos contratempos vividos pelo nosso conhecido em razão de "palavra maldita" desavisadamente proferida. Professor de Moral e Cívica em colégio do interior, ele foi escalado para  uma dissertação, em reunião do grêmio literário, sobre a questão sexual na vida dos jovens. "Pisando em ovos", como sublinhou, evitando ferir suscetibilidades, procurou transmitir aos adolescentes uma orientação consentânea com os padrões culturais vigentes na localidade. Às tantas, tornou explícita sua condição de heterossexual. Do fundo da sala, brotou uma inquirição: - Assumido, professor? A resposta chegou sem hesitação:
 - Claro, heterossexual assumido!

Veja como são as coisas. Poucos dias depois, raivosos representantes da Associação de Pais pediram dois dedos de prosa com o diretor do colégio, a fim de expressar seu inconformismo com a atitude descabida do professor que “anunciou”, em sala de aula, para imberbes criaturas, sua "inclinação obscena, escabrosa, por atos atentatórios à moral e bons costumes". Inteirado dos fatos corretos, o diretor fez ver aos interlocutores de que estava havendo um tremendo equívoco de interpretação. Comprometeu-se a explicar tudo, tintim por tintim, aos alunos. Explicou. De forma bem didática, mostrou pra garotada a diferença entre heterossexualidade e homossexualidade. Adiantou nada. Na boataria que se seguiu, a intervenção do diretor ganhou contornos de tentativa frustrada de consertar a "bobagem" praticada pelo "professor assumido".

Na roda de conhecidos, o professor arrematou: "Não houve jeito de ser desfeito o mal-entendido. Além do disse me disse maledicente, todo mundo passou a me olhar de esgueira, como se eu fosse mesmo culpado de algum delito. Tudo por causa de haver declarado ser heterossexual convicto. Palavra maldita! Tenho receio, até hoje, de enunciá-la."





Um comentário:

ACSS-2011 disse...

Confrade Vanucci:

Sensacionais os seus POSTS!

Caro Confrade César Vanucci:

Os artigos de sua lavra e as abordagens a eles impostas, ou apostas, são realmente "suis generis"!

Creio que seja uma aposta em querer transmitir a realidade com clareza e enfim fazê-lo com a realeza de um dedicado repórter, com pesquisa intuitiva de um grande jornalista, com a sutileza de um poeta. Estes requisitos aliados ao equilíbrio de um notório jurista!

Parabéns com votos de sucesso continuado.

Cordialmente,

Augusto César

A SAGA LANDELL MOURA

Pacto sinistro

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