sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Recados eloquentes


Cesar Vanucci


“A democracia é antes de tudo um estado de espírito.”
(Pierre Mendès-France, estadista francês)

Recado curto e eloquente. Claro que nem o sol chamuscante deste verão metido a besta que a Natureza cismou de encaixar em plena estação primaveril, emitindo mais um sinal de alerta acerca dos desvarios humanos com relação ao meio ambiente.

Na etapa derradeira da campanha eleitoral, como já havia sucedido no primeiro momento, valendo-se da linguagem toda especial das urnas, a opinião pública fez questão de desabafar seu desencanto. O inconformismo projetado contempla os descaminhos trilhados por tanta gente, militantes de diferentes greis partidárias, na atividade política. O eleitorado expressou também avantajado anseio por reformas estruturais pra valer. Reformas que expressem, na verdade, avanços relevantes do ponto de vista democrático e republicano. À classe política resta como alternativa a humildade de um mea-culpa sincero e convincente.

Não podemos deixar de ressaltar que o pleito, realizado de forma alvissareira outra vez mais, colocou à prova o elevado grau da maturidade democrática reinante no seio da sociedade. Revelou também – e este é outro item auspicioso a ser comemorado – a eficiência do incomparável instrumental tecnológico de vanguarda adotado pelo Estado brasileiro, via Justiça Eleitoral, para aferir a soberana vontade do eleitor nas pugnas eleitorais previstas no calendário político.

A manifestação de desagrado popular mais notória ganhou configuração no avultado índice de abstenção e de votação nula e em branco observado em tudo quanto é lugar. Deu pra sentir no ar uma sensação de enfado, de fadiga, de contrariedade com o que rola no pedaço político, onde as reformas fundamentais são indefinidamente procrastinadas.

Na capital de Minas Gerais, por exemplo, o Prefeito foi eleito com número de sufrágios inferior ao somatório das abstenções, votos brancos e nulos. Noutros centros a situação se repetiu, denunciando a insatisfação ostensiva de parcelas ponderáveis do eleitorado com referência a candidatos e partidos.

Por outro lado, ficou bastante nítida a disposição dos votantes em infringir derrota a grupos políticos de presença hegemônica marcante nas comunidades. Os resultados em Belo Horizonte refletem, igualmente, esse estado de espírito. A vitória de Alexandre Kalil ancorou-se numa alardeada insubmissão do candidato às correntes políticas tradicionais. A par disso, pôde-se constatar, por parte dos demais candidatos, desde o primeiro turno, zelo e cuidados extremos em não exporem demasiadamente suas vinculações partidárias e comprometimentos com dirigentes políticos de proa. Tais posturas comportamentais traduziram, insofismavelmente, reconhecimento de que as legendas e seus próceres de maior realce atravessam fase de maré baixa no conceito e simpatia das ruas.

Falando ainda das eleições em Minas. Embora o fato não tenha sido até aqui, ao que saibamos, objeto de análises mais aprofundadas, este escriba é de parecer que num município da região metropolitana, Betim, ocorreu, certeiramente, o lance mais emblemático do que se pode apontar como demonstração da ardente expectativa comunitária por transformações político-administrativas essenciais. A escolha para Prefeito de um cidadão com a dimensão humanística de Vittorio Medioli, baita empreendedor, soa como algo diferente no cenário. Deverá atrair para aquele município, a partir de janeiro, segundo nossa percepção, atenções especiais da opinião pública e meios políticos.


Debates suscitados 
pela Lava Jato

Cesar Vanucci


“O artigo de Cerqueira Leite foi uma opinião a mais
no grande debate aberto pela operação “Lava Jato”.
(Élio Gaspari, jornalista)

Os métodos de atuação das autoridades responsáveis pela momentosa operação “Lava Jato”, com destaque para o famoso Juiz Sérgio Moro, têm sido alvo de acesas controvérsias no plano jurídico, noticiadas de forma inusualmente comedida pela mídia impressa de penetração nacional. Decantados em verso e prosa por parcelas ponderáveis – dir-se-ia mesmo majoritárias – da opinião pública, alguns procedimentos adotados, em não poucos instantes do saneador processo investigatório, são questionados por vozes representativas da intelectualidade brasileira.

A polêmica fica centrada, de modo especial, na utilização frequente do instituto da “delação premiada”, das constantes conduções coercitivas e, sobretudo, da estridência midiática que costuma rodear boa parte dos atos de alçada dos investigadores. Atos esses que, no ver dos críticos, deveriam ser sempre pautados com prudência e cautela. Seria essa uma maneira legalmente correta – sob tal ótica – de impedir indesejáveis antecipações de culpabilidade das pessoas com base em temerários indícios ou denúncias que poderão se revelar, mais adiante, inconsistentes. Já no entendimento oposto, a deliberada divulgação de fatos contendo fortes suspeitas com respaldo probatório foi o que assegurou à operação "Lava Jato” o nível de eficácia que se lhe é reconhecido. Foi graças aos métodos empregados – sustenta-se ainda nessa linha de argumentação – que boa parte dos malfeitos pôde desaguar em punições.

O debate travado tem sido bastante incandescente, sem que parte da sociedade esteja sendo informada do teor por inteiro das alegações expendidas pelos contendores. Uma demonstração elucidativa deste conflito de ideias aconteceu recentemente. O diálogo compreendeu contundentes verbalizações formuladas por personagens de elevada expressão intelectual e profissional nos segmentos em que atuam. Tudo começou com um comentário do professor Rogério Cerqueira Leite, físico, catedrático emérito da Unicamp, membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, na “Folha de São Paulo”. No artigo, Cerqueira Leite compara o Juiz Sérgio Moro ao frade dominicano Girolamo Savonarola, “representante tardio do puritanismo medieval". Assinala que “a história tem muitos exemplos de justiceiros messiânicos como o Juiz Sérgio Moro”. Anotando que “a corrupção é quase que um pretexto”, o articulista sustenta que “Moro não percebe, em seu esquema fanático, que a sua justiça é muito mais que intolerância moralista”. Acrescenta que, “por isso mesmo, (Moro) não tem como sobreviver, pois seus apoiadores do DEM e do PSDB não o tolerarão após a neutralização da ameaça que representa o PT”. Conclui assim o artigo: “Cuidado Moro, o destino dos moralistas fanáticos é a fogueira. Só vai Vosmecê sobreviver enquanto Lula e o PT estiverem vivos e atuantes. Ou seja, enquanto você e seus promotores forem úteis para a elite política brasileira, seja ela legitimamente aristocrática ou não”.

Como seria de se esperar, o magistrado Sérgio Moro reagiu com toda veemência à crítica. Rebateu os termos do comentário numa carta publicada também pela “Folha de São Paulo”. Assinalou o seguinte: “Lamentável que um respeitável jornal como a “Folha” conceda espaço para publicação de artigo como o “Desvendando Moro”, e mais ainda surpreendente que o autor do artigo seja membro do Conselho Editorial da publicação. Sem qualquer base empírica, o autor desfila estereótipos e rancor contra os trabalhos judiciais na assim denominada operação Lava Jato, realizando equiparações inapropriadas com fanático religioso e chegando a sugerir atos de violência contra o ora magistrado”.

Mais adiante, sem diminuir o tom de repulsa às considerações comentadas, frisou: “Embora críticas a qualquer autoridade pública sejam bem-vindas e ainda que seja importante manter um ambiente pluralista, a publicação de opiniões panfletárias partidárias e que veiculam somente preconceito e rancor, sem qualquer base factual, deveriam ser evitadas, ainda mais por jornais com a tradição e a história da “Folha”.

Este, sem dúvida alguma, é um dos palpitantes debates levantados pela operação “Lava Jato”.


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