quarta-feira, 29 de julho de 2015





Súbito silêncio

Cesar Vanucci

“Pergunta simples de um cidadão comum: quando a grande mídia resolve estabelecer,
subitamente, silêncio sobre questões palpitantes isso quer dizer exatamente o quê?”
(Domingos Justino Pinto, educador)

Observadores atentos aos acontecimentos do dia-a-dia assinalam que o noticiário acerca das falcatruas da Fifa com desdobramentos envolvendo a CBF, conforme previsões, vem minguando. As manchetes e comentários ruidosos dos primeiros momentos sumiram.

Os mesmos observadores dizem ainda que, nos círculos esportivos, tinha-se como certo que isso acabaria fatalmente acontecendo, tão logo as investigações enveredassem para coletas de provas relativas a supostos atos nebulosos praticados à volta das concessões para transmissões de jogos. É neste preciso momento que aparece em cena, nas roupagens de indiciado, um cidadão brasileiro, jornalista J.Hawilla, da tal “Traffic”. Ao que se sabe, pessoa já comprometida com “delação premiada”. Taí assunto que, com pouca ou nenhuma cobertura, está fadado a render.

O rumoroso episódio das contas secretas do HSBC é outro assunto que toma a atenção dos observadores, intrigados com a repentina “retração midiática” a respeito. Em fevereiro passado, jornalistas franceses denunciaram a existência de 180 bilhões de euros, de origem bastante suspeitosa, numa agência suíça da citada organização bancária. De acordo com a revelação, cerca de 106 mil contas, de pessoas físicas e jurídicas de diferentes países, comporiam colossal fraude de sonegação. Do total apontado, 8677 contas pertenciam a brasileiros. O contingente apontado ocupa quarto lugar em depósitos e nono em número de clientes. Ficou um pouco abaixo da participação francesa no esquema. A sonegação atribuída aos “ilustres patrícios” é de 20 bilhões de euros. Dinheirama capaz de aliviar em muito a carga imposta à sociedade com o ajuste fiscal, não é mesmo?

Por outro lado, o noticiário parco de agora sobre a chamada operação “Zelotes”, relacionada também com sonegação, é outra questão que vem desconcertando observadores atentos às coisas brasileiras. Implicando em valores astronômicos, dando margem, conforme as revelações iniciais, a suspeitas de participação no fraudulento processo de “pessoal da pesada” em termos de poder econômico, a questão “tomou”, de repente, por assim dizer, “chá de sumiço” no noticiário nosso de cada dia.

Quais as razões desse súbito silêncio em todos esses casos?

Maju e os racistas
Maju, como é conhecida, vem alindando com encanto feminil e baita competência profissional, como encarregada do boletim meteorológico, o “Jornal Nacional”. Um punhado de empedernidos racistas, gente de mal permanentemente com a vida, sentiu-se “molestado” com o desempenho da moça, partindo então para alvejá-la nas redes sociais. De todas as partes do país pipocaram manifestações de desagravo à jovem apresentadora. Esses talebãs não se emendam... Qualquer hora dessas voltarão a aprontar. Identificá-los e enquadrá-los nos rigores da lei é um gesto benéfico de saneamento moral.


Todos têm culpa no cartório

Cesar Vanucci

“Não é “OK” jogar uma bomba de uma tonelada no meio de um bairro.”
(De um relatório da ONU sobre o conflito em Gaza)

Os conflitos em Gaza de 2009 e 2014 motivaram relatórios de comissões organizadas pela ONU, a segunda delas presidida por respeitada jurista estadunidense, Mary Megowan Davis. As conclusões do segundo trabalho coincidem com as do primeiro, conforme esclarece em circunstanciada reportagem o jornalista Antônio Luiz M. C. Costa para a revista “CartaCapital”, edição de número 856, de 1º de julho.

Do ponto de vista dos responsáveis pelas investigações, tanto o Estado de Israel quanto o grupo palestino Hamas praticaram “crimes de guerra” nos confrontos, mas a parcela de culpa israelita é consideravelmente maior em função da extensão dos danos provocados. Aludindo apenas ao conflito de 2014, a comissão apurou que o Hamas matou seis civis israelenses, um civil tailandês, executou 21 palestinos por suspeita de ação hostil, feriu mil e seiscentas pessoas, entre elas 22 crianças, além de ameaçar a população civil ao redor de Gaza com a construção de túneis e o disparo sistemático de foguetes.

No tocante a ação armada israelense, a comissão começa o relatório por reconhecer que seria difícil para Telavive confrontar ataques de inimigos entrincheirados em Gaza, território superpovoado, sem causar danos à população civil palestina. Mas admite, também, que não houve esforço digno de menção das forças armadas no sentido de evitar que o morticínio alcançasse as proporções registradas. “O emprego de explosivos em bairros densamente povoados é problemático e tem de mudar. Não é “OK” jogar uma bomba de uma tonelada no meio de um bairro”, assinala o relatório. As acusações a Israel falam de ataques a prédios habitados, destruição de bairros inteiros, 18 mil casas destruídas, 2.205 palestinos mortos, dos quais 1.462 civis (742 no interior de suas moradias), 557 crianças entre elas. E mais: 30 por cento de escolas e 50 por cento de jardins de infância reduzidos a escombros por bombas despejadas do alto e por misseis. E houve também intensos ataques a hospitais e mesquitas.

Os dados apresentados são contundentes. Documentam uma contenda insana, alimentada por radicais que se recusam a definir numa mesa de negociações a divisão da área destinada, há décadas, pela ONU, para abrigar dois Estados: o Estado do Israel, já implantado, e o Estado da Palestina, ainda não definitivamente implantado.


Esconderijos de dinheiro

Cesar Vanucci

A bufunfa armazenada nos “paraísos fiscais”
 ajudaria a resolver um montão de problemas.”
(Antônio Luiz da Costa, professor)

Fala-se pouco no assunto. A parcimoniosa divulgação atende, certeiramente, a conveniências poderosas.

Nos bastidores, há quem esteja trabalhando com afinco a possibilidade de fazer gorar e, se isso não se mostrar factível, retardar ao máximo a entrada em vigor do tratado de cooperação internacional que prevê fórmulas de controle da dinheirama de origem suspeita derramada nos cofres dos chamados “paraísos fiscais”. O esquema, já em avançado estágio de articulação, garantirá um intercâmbio permanente de informações sobre operações financeiras entre as nações signatárias. O objetivo é reprimir a sonegação deslavada que aí campeia, com a promoção, paralelamente, da justiça social nas taxações fiscais.

Desde setembro do ano passado o Brasil definiu, a exemplo de outros 85 países, sua participação nesse engenhoso e providencial sistema. A perspectiva de que tudo, futuramente, venha a funcionar a contento sai fortalecida da revelação de que, entre os signatários do tratado figuram até mesmo alguns dos hoje despoliciados “refúgios fiscais”. Casos da Suíça, Luxemburgo, Ilhas Cayman e Ilhas Jersey, estuários manjados de (fabulosas) fortunas mal adquiridas.

Para se ter um vislumbre desse trabalho nascido de uma  conjugação internacional, executado com a finalidade de reduzir os “esconderijos de dinheiro”, é bom consultar elucidativos dados recentes, fornecidos por órgãos  oficiais credenciados. O Banco Central do Brasil calcula que o grupo de cidadãos e entes jurídicos domiciliados no território nacional que mantêm depósitos em agências bancárias do exterior reúna uma riqueza trilionária da ordem de 390 bilhões de dólares. Mas há quem ouse contestar os números, considerando-os conservadores, ora, veja, pois...
Para a “Tax Justice Network”, ong do Reino Unido, a bufunfa escondida, atribuída a patrícios, chega às alturas everestianas dos  520 bilhões de dólares. Os donos dessa nota preta, no modo de ver de Claudio Damasceno, presidente do Sindifisco, órgão representativo da categoria dos auditores da Receita, são em grande maioria tremendos sonegadores. Todos ocupando lugares ostensivos nos times dos corruptos e corruptores de alto coturno, dos contrabandistas e dos traficantes.

Na hora em que esse complexo de liberação de dados for posto mesmo pra funcionar, queira Deus seja em breve, muitas revelações encardidas, sórdidas, chocantes, a respeito de iliceidades praticadas em operações financeiras externas pintarão inexoravelmente no pedaço. Aqui e fora daqui. Não é difícil adivinhar: antes que isso aconteça haverá, por certo, distanciadas do conhecimento público, tentaculares tentativas no sentido de deixar tudo como está, nesse malcheiroso capítulo dos “paraísos fiscais”, pra ver como é que fica.


 Emir Sader *

Em torno do Estado se dão os grandes debates atuais. É o alvo do golpe

Desde que Ronald Reagan disse que o Estado deixava de ser solução para ser o problema, o Estado passou a estar no centro dos debates e das lutas políticas. Reagan apontava-o como ineficiente, corrupto, expropriador de recursos das pessoas, produtor de inflação, desperdiçador, burocrático – em resumo, fonte dos problemas da humanidade.
No seu lugar, se passou a promover a centralidade do mercado e das empresas, identificados como eficientes, dinâmicos, baratos. Quanto menos Estado, melhor (para eles). Estado mínimo significa mercado máximo. Menos regulação estatal, menos direitos, menos proteção, menos políticas de inclusão social.
Alguns dos que fizeram a crítica de uma chamada "Estadolatria" da esquerda no período histórico anterior, buscaram refúgio na "sociedade civil", que mal podia mascarar o mercado, na versão dominante do neoliberalismo, entre eles ONGs e alguns intelectuais, pela rejeição comum do mercado. Sem o que dizer do ponto de vista do poder do Estado, essa forças desapareceram da cena política.
Superar o neoliberalismo é assumir funções que foram anuladas no Estado mínimo. Estado mínimo não significa mais cidadania, porém menos, porque cidadão é o sujeito de direitos e o que mais faz o neoliberalismo é expropriar direitos, em favor do consumidor e do mercado. Quem pode garantir direitos, promover políticas sociais, participar de processos de integração regional e de alianças Sul-Sul, induzir políticas de expansão econômica com distribuição de renda, programa de desenvolvimento tecnológico e científico, entre outras obrigações civilizatórias, é o Estado.
Por tudo isso, o alvo central da direita, das suas tentativas de restauração conservadora, é o Estado. É em torno do Estado que se dão os grandes debates atuais – sejam econômicos, sociais, culturais ou diretamente políticos.
No Brasil, não por acaso os alvos centrais da direita têm sido sempre o Estado – Petrobras, Correios, Fundos de Pensão, BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica – tentando desarticular a capacidade de ação do Estado.
Diga-me o que você tem a dizer sobre o Estado e eu te direi onde você se situa política e ideologicamente. Não é a polarização que encanta ao neoliberalismo, entre um Estado que ele mesmo maltratou, desfeito, e uma suposta em esfera privada, a que vige no mundo contemporâneo. Porque a esfera do neoliberalismo não é uma esfera meramente privada, é esfera mercantil, em que tudo se vende, tudo se compra, tudo tem preço, tudo é mercadoria. E a esfera da esquerda é a esfera pública, a esfera dos direitos e da cidadania. O Estado é um espaço de disputa hegemônica entre as duas esferas – a pública e a mercantil –, frequentemente as duas se representam e se disputam dentro do próprio Estado.
Muita razão têm os países que decidiram refundar o Estado, para adequá-lo à nova base social que sustenta o poder político, o novo bloco social que leva adiante as políticas de superação do neoliberalismo. Os que não o fizeram, sofrem com um aparato burocrático incapaz de incorporar a participação popular que os novos governos requerem.
Não se trata de que todo debate possa ser reduzido ao Estado, mas cada proposta de modelo e de política econômica reserva um lugar para o Estado, supõe uma forma de Estado. Um Estado de subordinação às forças do mercado ou um Estado capaz de implementar políticas soberanas, democráticas, populares.
Como o mercado anda com pouco prestígio, não apenas pelos danos que causaram as políticas neoliberais, mas também pela profunda e prolongada crise internacional do capitalismo, a direita se concentra em atacar o Estado e os governos que se valeriam do Estado para praticar políticas "populistas", "corruptas", inflacionárias. Mas atacam o Estado para voltar a impor políticas centradas no mercado.
Nunca como agora o pensamento crítico tem teve que se voltar para o tema do Estado, das formas que deve assumir o poder político para corresponder aos governos e ao processo que busca a construção de modelos de superação do neoliberalismo. Do tipo de poder popular que se necessita para deitar raízes definitivas nas formas novas formas de Estado que precisamos.

*  Emir Sader é sociólogo e cientista político brasileiro
   Fonte:  www.brasil 247.com

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