sexta-feira, 16 de agosto de 2013

 
 
 
 
 

E se?...

 
CesarVanucci *

 “Sonhar com olhos despertos faz parte da vida.”
(Domingos Justino, educador)

E se o Governo abrisse mão da idéia do trem-bala e resolvesse realocar os 50 bilhões de reais, previstos inicialmente para a obra, noutros projetos do ponto de vista social mais prementes, o transporte coletivo dos grandes centros urbanos, por exemplo?

 E se os altos escalões administrativos colocassem todo empenho (possível e impossível) no sentido de articular negociações com o poderoso sistema financeiro, persuadindo-o a participar com uma quota expressiva de seus extraordinários e sempre crescentes lucros em favor dos projetos sociais que interessam à causa do desenvolvimento e do bem estar de nossa gente?

E se fossem criados, por meio de tratativas inteligentemente conduzidas, mecanismos capazes de suscitar o repatriamento dos volumosos recursos que milhares de brasileiros, por razões as mais variadas, aplicaram no estrangeiro, nos chamados paraísos fiscais, de forma a que essa dinheirama ociosa toda seja incorporada, com ganhos naturalmente para os investidores, em projetos que favoreçam nossos avanços econômicos e sociais?

E se, também, os poderes públicos nos diversos níveis se dispusessem, munidos de um plano de trabalho amadurecido e concatenado, a convocar empresas e contribuintes individuais inscritos na dívida pública para um acerto geral que pudesse carrear recursos substanciais aos programas de crescimento da Nação?

E se, ainda, o Governo Federal resolvesse reunir os governos estaduais endividados com a União para uma renegociação dos débitos acumulados, liberando verbas substanciais, hoje empregadas praticamente no oneroso custeio da dívida, em projetos nas áreas da saúde, educação e segurança pública?

E se a Nação, numa ampla conjugação de vontades de suas lideranças, optasse pela implantação de um programa social de vanguarda, coerente com esses tempos de mudanças, que estimulasse a participação no esforço de desenvolvimento das regiões mais desassistidas do interior brasileiro, da mão-de-obra técnica oriunda das Universidades? Algo assim parecido com o “Projeto Rondon”, de caráter obrigatório como foi o “Tiro de Guerra” aos 18 anos, de idos tempos, e que instituísse, ao término dos cursos, condições para o deslocamento dos profissionais diplomados, com remuneração garantida e por tempo determinado, para cidades e locais reconhecidamente carentes de recursos humanos em setores vitais?

E se o currículo do ensino médio brasileiro fosse reorganizado no sentido de preparar adequadamente os educandos para ingressarem de pronto no mundo do trabalho, caso não se sintam aptos a seguir carreiras do ensino superior?

E se dos planos governamentais prioritários fizesse parte, com o concurso da iniciativa privada, o incremento dos sistemas ferroviários e de navegação fluvial, de maneira a criar novas e importantes alternativas para o deslocamento de passageiros e a circulação de bens e mercadorias?

E se, na esfera da atuação política, fosse cogitada, de repente, uma redução de Ministérios e de cargos parlamentares no Congresso, Assembleias e Câmaras de Vereadores?

E se o Judiciário, o Legislativo e o Executivo ordenassem aos setores burocráticos sob seu controle a rígida observância da Lei da Transparência, com realce para a divulgação, sem tergiversações e engodos, das remunerações dos servidores em todos os níveis, definindo, ao mesmo tempo, procedimentos que corrijam ou amenizem, com bom senso e respeito a direitos adquiridos, as distorções salariais existentes e que evitem a reprodução de abusos ao arrepio da legislação que estabeleceu os tetos salariais para o serviço público?

E se tudo isso viesse a acontecer, como fruto da vontade política e sensibilidade social de nossas lideranças, será que as coisas não passariam a funcionar mais a contento na vida nacional?


 Lembranças da heroína


 “É vedada a presença de menores de
14 anos em fitas em série projetadas nos cinemas."
(Portaria do Juizado de Menores nos idos de 1940)

E a Jean Rogers?

Que notícia, você aí que é cinemaníaco – conhecendo de cor e salteado a biografia dos “astros e estrelas que não estão no firmamento, mas nas telas do cinema”, como lembrava o velho letreiro do Cine Vera Cruz, em Uberaba – tem para me dar da Jean Rogers?

Era a heroína das fitas em série de Flash Gordon, menos conhecido do respeitável público pelo nome de Buster Crable, campeão olímpico de natação. Sua presença loura, trescalando meiguice, ornamentava as aventuras espetaculares do corajoso precursor dos cosmonautas, em sua incessante luta contra o perverso Imperador Ming. E povoou os melhores sonhos de meninice de muita gente boa pelaí. Jean foi para uma multidão de adolescentes a namoradinha inacessível das estrelas, a referência erótica máxima de um outro mundo repleto de fantasia e encantamento.

Na véspera de emocionante capítulo do seriado, o Juiz de Menores entendeu de endurecer o jogo. Menor de 14 anos não entrava. Nem acompanhado. E agora José? Ele tava com apenas 12 anos. Mas ficar sem ver a Jean Rogers, ah, isso não iria ficar mesmo... O jeito era arranjar um expediente para burlar a implacável vigilância do comissário. Bolou plano genial. Com a ajuda da serviçal doméstica, introduziu no sapato, na forma exata da palmilha, pedaços de jornal. Calculava, inocentemente, que assim poderia espichar alguns centímetros. Na porta do cinema, na ponta dos pés, trêmulo, o receio estampado na carinha, ouviu a temida interpelação:

E o garoto aí, quantos anos?
É... hum... 14. Isso mesmo: 14 anos...
Cadê o documento?
Ficou em casa...
Então, não entra. Sem documento não entra. Outro aí...

Ficou de fora. Uma inveja louca dos que conseguiam entrar. Uma raiva crescente do comissário. Aquele “coisa”, tão implacável, insensível, intolerante. Teve um pensamento de vingança com relação ao Juiz: “Ele há de morrer com a boca cheia de formiga!...” Rechaçando o mau pensamento, implorou a interferência sobrenatural para que a porta do cinema se abrisse. As lágrimas a bailarem pelos olhinhos buliçosos. Não adiantou olhar súplice. Nem resmungos. Nem choro, nem vela. Ficou sem ver a Jean Rogers até o fim do seriado. O último seriado do Flash Gordon da infância.

Tempos depois, anunciaram um filme policial com Jean Rogers no papel principal. Uma mulher de vida desregrada. História cheia de violência. No finalzinho, uma tentativa de suicídio. Coisa muito diferente daquilo que aprendera a admirar na heroína. Comentou:

Um blefe muito grande a Jean Rogers de fora das fitas em série!

Mais tarde, já adulto, num sábado de despreocupação na Cinelândia paulista, localizada entre a Ipiranga e a avenida São João, olhando o cartaz de um “poeira”, viu anunciado o seriado de Flash Gordon. Resolveu entrar. Achou tudo muito estranho. Sentiu-se deslocado. Assim como um ancião de noventa anos num festival de roque pauleira. Saiu antes do final. No espírito, uma melancolia nascida da constatação de que certas alegrias e emoções infantis são mesmo irrecuperáveis.



Um comentário:

Anônimo disse...

Oi, Cesar,
Tenho acompanhado o seu blog há algum tempo. Gosto muito da maioria dos posts! Em todos eles, gosto do seu estilo.
Sus pergunta sobre a Jean Rogers/Dale Arden não pode passar sem resposta, especialmente hoje em dia quando temos tanto recurso à mão! E o IMDb é o Oráculo do cinéfilo do século 21. Nada que eu tenha procurado me foi recusado, ele tem tudo! Lá, aprendi que ela faleceu em 1991, assim como o Buster Crabbe/Flash Gordon, em 1983 - poucos anos após uma aparição como "Brigadeiro Gordon" num episódio da série de TV "Buck Rogers no século 25". Parece que a última aparição da Miss Rogers foi um papel secundário num film noir de 1950, "A Sombra da Maldição" ("Second Woman"), em que nem sei se ela fazia a tal segunda mulher. Talvez fizesse a terceira, a julgar pela ordem da listagem do cast no IMDb...
Um abraço, sucesso sempre para o blog!
Luiz Edmundo

A SAGA LANDELL MOURA

O instinto belicoso do bicho-homem

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