sexta-feira, 15 de abril de 2011

A saga de JA

Cesar Vanucci *


“Foi uma grande honra ter convivido
 com ele. Estamos muito emocionados.”
(Presidenta Dilma Roussef)

A biografia de José Alencar projeta a saga de um brasileiro íntegro, corajoso, líder carismático, que nunca deixou de crer na vocação de grandeza de seu país e nas virtualidades de seu povo.

Empresário muitíssimo bem sucedido, foi responsável pela implantação de indústrias - que dão ocupação a 16 mil trabalhadores - reconhecidas como verdadeiros marcos na referência têxtil mundial. Ele foi um senhor humanista. Um cara impregnado de sensibilidade social. Um administrador nato, que sempre valorizou as conquistas sociais das categorias assalariadas. Dono de cultura enciclopédica adquirida na Universidade da Vida, com domínio como poucos das temáticas pertinentes às atividades econômicas. E, também, um semeador infatigável de empreendimentos sociais.

No comentário passado, trouxemos algumas informações a respeito da obra social plantada à época em que presidiu o Sistema Fiemg. Prometemos, então, adicionar na sequência outras revelações a respeito.

A descentralização dos serviços administrativos e a interiorização das ações sociais, por meio do Sesi e Senai, foi conduzida em sua gestão com, diríamos, benfazeja obsessão. A Fiemg alargou em muito os horizontes de atuação. Isso ficou esplendidamente documentado em um sem número de iniciativas. Algumas delas: investimentos econômicos e sociais em pequenos municípios, com população inferior a 10 mil habitantes, como aconteceu, por exemplo, no Vale do Jequitinhonha, onde obreiros artesanais foram agrupados em torno de pequenas indústrias de moagem de farinha de mandioca e polvilho, de confecção, de produção de biscoitos e pães caseiros, de beneficiamento de frutas. Criação de núcleos operacionais com assistência odontológica e educacional em lugares de representação industrial diminuta, quase artesanal. Havia quem criticasse esse tipo de procedimento, com arguições de cunho indisfarçavelmente elitista. Diziam: para que levar o Sistema Fiemg a regiões de ínfima presença industrial onde praticamente a entidade nada arrecada? Aos questionadores passava desapercebida a essência da proposta de construção humana defendida por JA. A preponderância do social sobre tudo. A convicção, nascida de uma postura vanguardeira, de que o homem é a medida correta de todas as coisas. E que a economia, assim como outras relevantes manifestações do engenho e criatividade humanos, a tecnologia entre elas, não pode continuar sendo um fim em si mesma, mas um meio para se atingir um fim, sempre social. Ou seja um meio para se chegar, pela educação, saúde etc, ao bem-estar coletivo. Tem mais: JA sustentava, com fervor, que os serviços levados ao interior tinham o dom de atrair investimentos. Estava coberto de razão, mais uma vez.

Outro indicador exuberante dessa descentralização rica em resultados e dessa interiorização centrada no crescimento e progresso comunitário foi dado com a expansão do quadro sindical. Quando Alencar assumiu a presidência, o número de Sindicatos patronais filiados era de 52, na grande maioria sediados na Capital. Nos seis anos de sua gestão, esses núcleos de representação industrial aumentaram para 130. Espalhados por todas as regiões das Gerais, constituíam o conjunto de Sindicatos, numericamente falando, mais expressivo no plano da representação patronal da indústria em todo o país.

O envolvimento com as expectativas e aspirações das lideranças e comunidades do Interior ficou também evidenciado numa atividade, de interesse de trabalhadores e empresários, realizada no último ano da presença de JA à frente da Fiemg.  Como ocorria há décadas, o Sesiminas engajou-se na campanha para a escolha do “Operário Padrão”. Por determinação de Alencar, o trabalho de seleção dos candidatos  foi levado às empresas de nada menos que 390 municípios. O contingente de empresas e municípios abrangido na operação superou longe os números globais de municípios e empresas participantes do concurso no resto do Brasil.


Obsessão pelo desenvolvimento


“Era um homem extraordinário que teve uma
 força singular de amor à vida e deixou aí um vazio na política brasileira.”
(Cezar Peluzo, presidente do Supremo Tribunal Federal)

Voltamos a falar da portentosa obra de José Alencar, o Vice do povo, à frente do Sistema Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais). A obra levada avante atraiu atenções e arrancou louvores dentro e, até mesmo, fora do país. Como aconteceu, por exemplo, com a famosa “Ação Global”, reconhecida como experiência vanguardeira em simpósios mundiais ligados à temática social.

Sobre a “Ação Global” há uma revelação, de certa maneira inédita, ainda a fazer. JA, fascinado pelo programa, autorizou estudos para que pudesse ser expandido em moldes pode-se chamar de revolucionários. A idéia aprovada, colocada em pranchetas e relatórios, previa o deslocamento, com o concurso de imensas carretas, até pequenos aglomerados, situados em regiões distantes de Minas, devidamente mapeadas, das práticas de cidadania e de serviços essenciais de utilidade pública já consagradas na agenda tradicional da “Ação Global”. As carretas seriam equipadas, entre outros itens de caráter social, assistencial e educativo, com gabinetes odontológicos e palco provido de som para espetáculos de arte e projeção de filmes. Entendimentos bastante satisfatórios chegaram a ser promovidos com representantes do Exército objetivando pudessem as operações ser executadas com o eficiente concurso dos militares. Se a atuação de Alencar como dirigente no Sistema Fiemg houvesse se estendido por tempo superior aos seis anos de gestão regulamentar previstos então no estatuto, essa ação social, com toda certeza, teria sido implementada. E com retumbante êxito, não cabem dúvidas.

Um outro programa que sacudiu as estruturas foi o “Caminhos do Progresso”. Consistia em propostas inovadoras para se incrementar o desenvolvimento econômico nas regiões, com a execução paralela de ações sociais e educativas por meio do Sesi e Senai, e a difusão enfática dos valores culturais dos distantes rincões. Encontros regionais para o exame de questões relevantes se fizeram frequentes. A revista “Vida Industrial”, editada sob os auspícios da Fiemg, passou a estampar estudos sobre as riquezas, empreendimentos e potenciais para investimentos de centenas de municípios. De outra parte, a principal unidade cultural da rede sesiana, localizada em Belo Horizonte, o Centro Cultural “Nansen Araujo”, habituou-se a patrocinar eventos culturais com a participação de grupos artísticos do interior. Para os espetáculos costumava-se expedir convites especiais para pessoas, radicadas na Capital do Estado, nascidas nos municípios do interior incumbidos das apresentações. A filosofia de trabalho adotada nas instituições do Sistema, por orientação de seu dirigente, guardava sintonia com a premissa de que a interiorização do desenvolvimento econômico e social é indispensável na escalada do progresso. Alencar almejava imprimir a marca da Fiemg em todos os municípios mineiros.

Esse inusitado e fabuloso investimento em ação social, arte e cultura, nascido da sensibilidade de José Alencar, produziu na mais antiga cidade mineira, Mariana, registros fascinantes e emblemáticos. O empresário destinou recursos exclusivamente pessoais para a restauração de uma das primeiras igrejas construídas no Brasil. Bancou projeto bolado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Atendeu a uma solicitação da Arquidiocese de Mariana para participar do esforço comunitário em favor da preservação do patrimônio arquitetônico da cidade. Mas, numa agradável surpresa, optou por um templo situado fora do perímetro urbano, distante da visibilidade turística. A escolha recaiu na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, com mais de 300 anos, de arquitetura simples e sóbria, contrastante com a pintura de cores vibrantes de seu interior, localizada no distrito de Cachoeira do Brumado.

Como gestor do Sistema Fiemg, determinou, também, no âmbito do Sesi, a transformação em belo centro cultural, dotado de teatro, de um antigo cinema na praça principal de Mariana, largado às traças, utilizado como depósito.

Adotou, ainda, com relação à primeira capital de Minas, um posicionamento que serviu de estímulo ao governo do Estado a valorizar um evento que vinha sendo de certa maneira desprezado, previsto em decreto lei. Estamos falando do “Dia de Minas Gerais”. A Fiemg passou a celebrar, anualmente, em Mariana, com a Academia Marianense de Letras, presidida pelo historiador Roque Camelo, a histórica data. A comemoração reacendeu a atenção governamental. A partir de determinado momento, como era de sua obrigação legal, o governo resolveu encampá-la por inteiro.


Modelo Alencar de atuação


“O único diploma que tenho é de aluno emérito.
Ganhei da escola onde fiz o primeiro ano
 ginasial, depois de me tornar empresário.”
(José Alencar)

José Alencar era muito admirado pelos dotes de negociador. Exercitou esse dom, vida afora, na atividade empresarial. E, também, como gestor de bens de terceiros. No Sistema Fiemg, deu provas repetidas dessa singular habilidade. Orientou, com resultados eficazes, o trabalho dos encarregados das compras nas entidades da indústria, sobretudo naquela fase de efervescência sem precedentes em que os canteiros de obras com placas da Fiemg enxameavam a paisagem interiorana.

As boas negociações efetivadas permitiram ao Sistema Fiemg manter sempre um caixa respeitável. Na transferência de gestão deixou aos sucessores algo equivalente a 23 milhões de dólares. O relacionamento com os vendedores de produtos e serviços timbrava-se pela afabilidade e respeito. O volume excepcional de compras, quitadas pontualmente de conformidade com as cláusulas contratuais, não estimulava nenhum empreiteiro ou vendedor a se arriscar a encaminhar, no final do ano, uma garrafa de vinho que fosse a qualquer integrante das comissões de compras. O eventual desrespeito a itens contratuais era objeto de rigorosa avaliação crítica, doesse a quem doesse, como todos os que vivemos aquele momento estamos em condições de poder testemunhar, alinhando se necessário sugestivos dados.

Seria muito interessante que, a propósito dessa condição de negociador de JA, alguém com inclinação pra pesquisas procurasse se inteirar do desempenho – pelo que ficamos sabendo, altamente louvado – desse nosso saudoso patrício numa operação, de anos atrás, em que sua empresa, a Coteminas, aliada à Vale e Cemig, promoveu a construção de uma usina hidrelétrica. Colocado em posição chave nas negociações de compra dos equipamentos e serviços, JA conseguiu resultados estupendos para o consórcio. Algo nunca dantes visto em operações no gênero.

Temos aqui, retirado das ladeiras da memória, mais um ilustrativo episódio. Negociava-se a aquisição de uma partida considerável de equipos para implantação em serviços odontológicos nos postos do interior. Licitação já processada nos devidos trinques, com as cautelas de estilo, a firma ganhadora foi convocada para uma nova rodada de discussão. O preço voltou a cair. Uma, duas, três vezes. Quando a operação estava sendo dada por concluída, Alencar ainda arrancou mais uma dúzia de equipamentos. Digamos assim, convenceu o fabricante a fazer  uma espécie de doação para o programa social, de avantajadas proporções, levado a efeito pelo Sesi em regiões mais carentes do interior.

Quando José Alencar deixou o comando da Fiemg, o Sesiminas estava presente em 220 municípios, com 1732 pontos de serviço. O Senai, com 857 pontos de serviço, atuava em caráter permanente em 80 municípios.

As ações desenvolvidas nas entidades, na assistência social, na educação, no atendimento odontológico, na recreação e lazer, esporte e cultura, apenas para nos fixarmos nesses relevantes itens, iam bastante além dos modelos operacionais já consagrados na história amplamente vitoriosa de todas elas. O modelo Alencar de atuação era carregado, como já sublinhado, de inovações que acabavam sendo logo absorvidas em outras organizações.

Acodem-nos à memória três entre as dezenas de exemplos que a memória velha de guerra consegue guardar. No tocante à formação profissional, o Sistema lançou, naquele período, o primeiro curso de preparação de técnico de higiene dentária, um profissional com a incumbência de dar suporte ao trabalho dos dentistas. Foi um sucesso enquanto perdurou. O curso em questão foi um dos muitos empreendimentos de concepção social e educacional de vanguarda incompreensivelmente desativados após a sua gestão. Outro curso interessantíssimo, cuidadosamente planejado e implementado, cuidava da preparação de mão-de-obra especializada para encargos domésticos. O recrutamento do pessoal qualificado era imediato. Esse curso foi, igualmente, mais tarde, retirado de pauta.

Em parceria com dezenas de empresas, a Fiemg e o Sesi lançaram um programa intitulado “Nossa Sopa”. Destinava-se a atender pessoas, famílias e instituições carentes assentadas em bolsões de pobreza. O programa fornecia, gratuitamente, inclusive aos sábados e domingos, um excelente complemento alimentar, a milhares de pessoas, em favelas, acampamentos, creches e asilos. A sopa era produzida com recursos provindos das empresas conveniadas, no Restaurante do Trabalhador. Enquanto durou, ou seja, durante a administração JA, beneficiou um mundão de gente!

* Jornalista (cantonius@click21.com.br)

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