“Ninguém teria bombardeado as Torres Gêmeas se elas estivessem localizadas no Brasil.” (Domenico de Masi)
Voltamos
a falar de Domenico de Masi, sociólogo italiano, recentemente falecido, e de
sua radiosa visão da historia brasileira.
Lançar
no papel resumo da tese de Domenico em “O futuro chegou”, na qual o Brasil é
apontado como o lugar onde pontificam valores capazes de assegurarem à
sociedade o modelo universal, ecumênico e mestiço ideal para que a espécie humana
sobreviva, afigura-se tarefa impossível.
O que
dá pra ser feito é registrar, singelamente, como ligeira amostra do colossal
conjunto de argumentos alinhados, algumas sugestivas frases, colhidas ao acaso,
indicativas dos pontos essenciais abordados no estudo. São ditos reveladores,
todos eles, de que o Brasil, a partir de certo momento, aprendeu “a observar a
si próprio produzindo ótimas análises de antropologia e sociologia, de economia
e de política”.
Reconhecendo,
como cita Gilberto Freyre, que nosso país vive o sincretismo dos opostos, o
matrimônio daquilo que é inconciliável à primeira vista, Masi anota que “a
mistura de fatores tão diversos, que em outros contextos resultaria
destrutiva”, no caso brasileiro é benéfica. “O conceito de “brasilidade” – aduz
– remete imediatamente ao encontro e à relação interpessoal. As relações
englobam os indivíduos. O individualismo assume uma acepção negativa. Viver
significa ter relações sociais. Saudade significa interrupção infeliz dessas
relações.”
O sociólogo
fascinado pelo Brasil vai fundo na análise do modo de ser da gente brasileira.
Eis o que afiança: “À harmonia do físico, à sensualidade e à saúde
acrescentam-se qualidades psicológicas como a amizade, a cordialidade, o senso
de hospitalidade, a sociabilidade, a generosidade, o bom humor, a alegria, o
otimismo, a espontaneidade, a criatividade. Por isso, a cultura brasileira é
amada em todo o mundo: nunca ninguém teria bombardeado as Torres Gêmeas se elas
estivessem localizadas no Brasil.”
Pra
admitir, mais adiante, coisas assim: “Muitos são os elementos que conseguem
amalgamar as diversidades oferecendo ao interior e exterior uma imagem unitária
do país.” (...) “A natureza exuberante (...) faz do Brasil um país tropical
orgânico.” “No plano social, o papel unificante é desempenhado pela estrutura
federativa dos Estados (...), pela língua geral, pelo sincretismo cultural
(...), pela sexualidade sem sentimento de culpa, pela notável capacidade de
reciclagem cultural.”
Para o
famoso sociólogo o Brasil é um país permanentemente aberto ao novo e às
mudanças. Sabe confrontar a realidade com sentimento positivo mesmo nos piores
momentos. Ele assevera ainda que o país atravessa um momento mágico, “uma
situação única em relação ao seu passado e ao seu futuro.” No momento em que os
modelos-mito testados pela humanidade entram em crise profunda, “o gigante
latino-americano está sozinho consigo mesmo.” Por ser um país que “antecipa
situações que a sociedade industrial tende a globalizar”, por representar
“exemplo eloquente” de uma nação que vive em paz com as nações com as quais faz
fronteiras, o modelo de vida derivado de seu jeito especial de ser “cultiva uma
concepção poética, alegre, sensual e solidária da vida, uma propensão à amizade
e à solidariedade, um comportamento aberto à cordialidade.” E isso tudo aflora
apesar das mazelas sociais amplamente detectadas, como a violência, a
escandalosa desigualdade entre ricos e pobres, a corrupção sistêmica e a
carência de infraestrutura.
Domenico
proclama que o Brasil oferece ao mundo os ingredientes básicos para a
estruturação de uma nova ordem universal, por ser um país que “nunca fez guerra
de poder com o resto do mundo.” Acrescenta que “isto lhe confere uma nobreza
única e amorosa porque, como diz Lacan, o contrário do amor não é o ódio, mas o
poder.”
Por
isso, conclui, nosso país está em condições de gerir o modelo inédito de que o
mundo tanto precisa.
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)
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