domingo, 24 de setembro de 2023

Concepção poética da vida



 

“Ninguém teria bombardeado as Torres Gêmeas se elas estivessem localizadas no Brasil.”  (Domenico de Masi)

 

Voltamos a falar de Domenico de Masi, sociólogo italiano, recentemente falecido, e de sua radiosa visão da historia brasileira.

Lançar no papel resumo da tese de Domenico em “O futuro chegou”, na qual o Brasil é apontado como o lugar onde pontificam valores capazes de assegurarem à sociedade o modelo universal, ecumênico e mestiço ideal para que a espécie humana sobreviva, afigura-se tarefa impossível.

 

O que dá pra ser feito é registrar, singelamente, como ligeira amostra do colossal conjunto de argumentos alinhados, algumas sugestivas frases, colhidas ao acaso, indicativas dos pontos essenciais abordados no estudo. São ditos reveladores, todos eles, de que o Brasil, a partir de certo momento, aprendeu “a observar a si próprio produzindo ótimas análises de antropologia e sociologia, de economia e de política”.

 

Reconhecendo, como cita Gilberto Freyre, que nosso país vive o sincretismo dos opostos, o matrimônio daquilo que é inconciliável à primeira vista, Masi anota que “a mistura de fatores tão diversos, que em outros contextos resultaria destrutiva”, no caso brasileiro é benéfica. “O conceito de “brasilidade” – aduz – remete imediatamente ao encontro e à relação interpessoal. As relações englobam os indivíduos. O individualismo assume uma acepção negativa. Viver significa ter relações sociais. Saudade significa interrupção infeliz dessas relações.”

 

O sociólogo fascinado pelo Brasil vai fundo na análise do modo de ser da gente brasileira. Eis o que afiança: “À harmonia do físico, à sensualidade e à saúde acrescentam-se qualidades psicológicas como a amizade, a cordialidade, o senso de hospitalidade, a sociabilidade, a generosidade, o bom humor, a alegria, o otimismo, a espontaneidade, a criatividade. Por isso, a cultura brasileira é amada em todo o mundo: nunca ninguém teria bombardeado as Torres Gêmeas se elas estivessem localizadas no Brasil.”

 

Pra admitir, mais adiante, coisas assim: “Muitos são os elementos que conseguem amalgamar as diversidades oferecendo ao interior e exterior uma imagem unitária do país.” (...) “A natureza exuberante (...) faz do Brasil um país tropical orgânico.” “No plano social, o papel unificante é desempenhado pela estrutura federativa dos Estados (...), pela língua geral, pelo sincretismo cultural (...), pela sexualidade sem sentimento de culpa, pela notável capacidade de reciclagem cultural.”

 

Para o famoso sociólogo o Brasil é um país permanentemente aberto ao novo e às mudanças. Sabe confrontar a realidade com sentimento positivo mesmo nos piores momentos. Ele assevera ainda que o país atravessa um momento mágico, “uma situação única em relação ao seu passado e ao seu futuro.” No momento em que os modelos-mito testados pela humanidade entram em crise profunda, “o gigante latino-americano está sozinho consigo mesmo.” Por ser um país que “antecipa situações que a sociedade industrial tende a globalizar”, por representar “exemplo eloquente” de uma nação que vive em paz com as nações com as quais faz fronteiras, o modelo de vida derivado de seu jeito especial de ser “cultiva uma concepção poética, alegre, sensual e solidária da vida, uma propensão à amizade e à solidariedade, um comportamento aberto à cordialidade.” E isso tudo aflora apesar das mazelas sociais amplamente detectadas, como a violência, a escandalosa desigualdade entre ricos e pobres, a corrupção sistêmica e a carência de infraestrutura.

 

Domenico proclama que o Brasil oferece ao mundo os ingredientes básicos para a estruturação de uma nova ordem universal, por ser um país que “nunca fez guerra de poder com o resto do mundo.” Acrescenta que “isto lhe confere uma nobreza única e amorosa porque, como diz Lacan, o contrário do amor não é o ódio, mas o poder.”

 

Por isso, conclui, nosso país está em condições de gerir o modelo inédito de que o mundo tanto precisa.

 

 * Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

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