sexta-feira, 15 de maio de 2020


Prioridade para o social

Cesar Vanucci

“A maneira mais fácil de antecipar o futuro é entender o presente.”
(John Naisbitt)

Em mais de uma ocasião, expressamos, neste ponto de encontro de ideias frequentado pelo leitorado de elevada linhagem cultural, nossa convicção em torno da prioridade absoluta que se deve conferir nas cogitações humanas à questão social. A crise humanitária em curso, expondo de forma mais aguda os males crônicos da caminhada existencial, provocados em larga escala pela indecente desigualdade social, confere atualidade mais refulgente a este tema. É a questão número um. Estamos falando naturalmente da questão social. Prioritária dentro das prioridades.

Não importa tanto, no contexto geral, o que pensem e digam os formuladores das estratégias da política global de desenvolvimento. Por impecável que possa parecer, do ponto de vista técnico, a tese segundo a qual a questão social só será equacionada em plenitude depois de resolvidos outros desafios, fundamentalmente nas áreas econômica e educacional, é bom não perder nunca de vista a sabedoria popular quando apregoa que a teoria na prática é diferente.

Não há como obscurecer a transparência dos fatos. O quadro que desfila incessantemente diante de nossos olhares assustados exige papo curto e ação intensa e extensa. Não mais existe fôlego suficiente, em lugar algum do mundo, para uma espera angustiante, que se espiche no tempo. As dificuldades têm que ser enfrentadas já. Aqui e agora. Com medidas práticas e objetivas. Com disposição e vontade política. O que não exclui, evidentemente, a urgência na tomada de providências complexas, de maior amplitude, capazes de assegurar conquistas futuras definitivas. John Naisbitt ensina que a maneira mais confiável de antecipar o futuro é entender o presente. E agir logo em função das constatações levantadas.

É como se, de repente, enfrentando cara a cara a cruel realidade universal dos cortiços desassistidos, dos guetos mal vestidos, da mendicância desamparada, dos atendimentos insuficientes no campo da saúde pública, do abandono infantil retratado em cenas de rua contundentes, espalhados por esse mundo do bom Deus onde o tinhoso costuma fincar alguns enclaves, resolvêssemos traçar, simultaneamente, duas linhas de atuação. Ambas fundamentais na procura das soluções pertinentes.

Numa delas, cuidando de aperfeiçoar, com a urgência requerida, os instrumentos jurídicos em condições de garantir a justiça social, pessoas e instituições sairiam no encalço dos semelhantes excluídos, entregando-lhes apetrechos de pesca com orientação sobre como fisgar o peixe. Na outra vertente, desencadeada também em ritmo de emergência, a sociedade partiria ao encontro das populações marginalizadas, onde necessário, para entregar-lhes postas de peixes, de forma que possam sobreviver decentemente e manter acesa sua esperança na solidariedade humana.

Não há como fugir dessa dupla proposta de ação social apelando para sofismas e conversa mole. Com discurso formal evasivo, oco de conteúdo. Com alegações que camuflem a ausência do desejo de engajamento. Ninguém, verdadeiramente permeável ao clamor das ruas, mostra-se disposto a aceitar sem questionamentos a negligência das lideranças, representada por manobras diversionistas. Manobras que costumam deslocar o foco central da questão analisada, conservando incólumes as estruturas sociais iniquas que aí estão. São estruturas, como sabido, derivadas da indiferença e insensibilidade, da injustiça pontuada por perversa concentração de renda, que brada aos céus.

O sentimento do mundo é desfavorável para procedimentos esquivos, vazados em meias-verdades, revestidos de falsos refinamento e sutileza, na verdade potencialmente explosivos.  É preciso refazer as linhas de atuação social do mundo, reconectar o mundo com sua humanidade.  Dar tratos à inteligência e criatividade, descartando fórmulas de diferentes tendências ideológicas e políticas exageradamente desgastadas na busca, tão almejada pelas multidões, de soluções para os aflitivos problemas detectados em tantos recantos socialmente desguarnecidos deste nosso maltratado planeta azul.

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