segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Os ponteiros do relógio

Cesar Vanucci

“A Dinamarca resolveu, no melhor estilo nazista, confiscar bens
 dos refugiados como compensação para o asilo concedido.”
(Antônio Luiz da Costa, educador)

Para os numerosos (e fervorosos) adeptos das teorias catastrofistas essas notícias de pé de página vêm bem a calhar. O nível dos oceanos, em consequência do aquecimento global, continua se elevando. Os ponteiros do chamado “Relógio do Juízo Final” estão bastante próximos das badaladas fatídicas da meia noite.

Trocando em miúdos esse papo meio chegado ao agourento. Pesquisadores europeus sustentam haver equívoco nas estimativas científicas a respeito dos efeitos do aumento da temperatura sobre os mares deste nosso planeta constituído de três quartos de volume líquido. O índice de crescimento já é duas vezes maior do que os cálculos divulgados. Em função desse – chamemos assim – erro de cálculo, a subida das águas, projetada em dados colhidos por satélites, não é tão somente de 0,7mm a 1mm por ano, como propagado, mas de 1,4mm por ano. Essa revisão numeral prenuncia a incidência daqui pra frente de tempestades cada vez mais devastadoras, modificações atmosféricas com grau de periculosidade sempre crescente.

Já no que diz respeito aos “presságios” do famoso “Boletim dos Cientistas Atômicos”, BPA na sigla em inglês (“The Bulletin of the Atomic Scientists”), a má notícia reservada aos vulneráveis cidadãos terráqueos é de que restam apenas 3 minutos para os ponteiros do “Relógio do Juízo Final” cruzarem na casa dos 12, fazendo soar as trombetas apocalípticas. Há dois anos a marca  horária não é mexida nem pra frente nem pra trás. Fica no mesmo lugar. Os indicadores constituem o patamar mais próximo do “momento fatal” a que se chegou nas atemorizantes previsões dos cientistas desde 1984, época das tensões produzidas na fervente “guerra fria”. Criado em 1945 por cientistas estadunidenses, o “Relógio” é alterado de horário à medida que a insanidade humana demonstra desejos de expansão. Quanto mais perto da “meia noite” maior se faz o risco da eclosão de uma hecatombe capaz de extinguir a vida humana neste dadivoso planeta azul dilacerado por desatinos sem conta.

Numerosos fatores concorrem para que os ponteiros do “Relógio” estejam onde estão. Anotemos alguns deles. Os ameaçadores arsenais nucleares e bacteriológicos mantidos por um punhado de países que se dizem “fiadores da paz”. A saber, Estados Unidos, Rússia, China, França, Inglaterra, Índia, Paquistão, Israel, Coreia do Norte e, quem sabe lá, outros mais deste mundo tão pródigo em artimanhas geopolíticas. Basta apertar meia dúzia de botões para tudo ser reduzido a estilhaços. Os virulentos atentados à Natureza também figuram no rol dos indesejáveis fatores. Tal qual, aliás, os conflitos bélicos sem perspectiva de solução e os flagelos a que se acham expostas multidões socialmente excluídas. A movimentação dos ponteiros do relógio está sujeita ainda à barbárie belicosa terrorista e ao desapiedado terrorismo proveniente da intolerância, da injustiça e da indiferença, configurado em não poucas posturas emblemáticas. Dá pra citá-las: discriminações de cunho racista expressas em atos como esse do inimaginável confisco de bens (?), à moda hitlerista, dos infelizes refugiados, adotado (ora, veja, pois!) pela Dinamarca como “compensação” pelo “asilo concedido”; propostas republicanas de proibição do culto e do ingresso de cidadãos muçulmanos nos Estados Unidos e de construção de “muro fortificado” na fronteira com o México.

Eta mundo velho de guerra sem porteira!


Coisas desse mundo de Deus

Cesar Vanucci

“Soa estranho que as manchetes sobre tragédias com perdas humanas, ocorridas em partes diferentes do planeta, ganhem intensidade maior ou menor conforme o peso político, econômico e social do país.”
(Domingos Justino Pinto, educador)

Essas imperscrutáveis sendas percorridas nos domínios geopolíticos! O papo com o Irã dos raivosos aiatolás agora é outro. Mudou da noite pro dia. Com a retirada das sanções, que se estenderam por décadas, a diferença de tratamento oscilou de 8 pra 80. O presidente iraniano Hassan Rohani, de perfil moderado e aparência simpática, sobretudo se confrontado com o antecessor Mahmoud Ahmadinejad, famoso pela catadura inamistosa, acaba de ser recepcionado com todos os salamaleques diplomáticos, com direito a tapete vermelho e dobrados retumbantes, impecavelmente executados por guardas militares em roupagens de gala.

Mirando o potencial de promissores negócios existente no país do Golfo, detentor de respeitáveis jazidas petrolíferas e com voraz apetite por modernização tecnológica, os governos europeus abriram suas portas de par em par para acolher a primeira delegação oficial persa a pisar, depois de longo tempo, o solo do “Velho Mundo”.  Em meio a mesuras requintadas nasceram operações comerciais de monta. E na troca de gentilezas entre os amigos recentes pipocaram impensáveis concessões. Na Itália, nús greco-romanos dos chamados museus capitalinos foram pudicamente cobertos, às pressas e temporariamente, pra não ferir melindres. A hipótese de se suprimir vinho no banquete, de mode também a não ocasionar suscetibilidades, chegou a ser cogitada. Mas o que acabou prevalecendo mesmo, no final das contas, foi a supressão do próprio banquete oficial que o governo francês ofereceria nos “Champs Elisees” aos puritanos delegados iranianos. O acordo nuclear celebrado, que teve seu começo –interessante lembrar - em negociações conduzidas pela diplomacia brasileira com contribuição turca, estabeleceu a ensancha oportunosa para que se pudesse operar essa benfazeja metamorfose no relacionamento da comunidade europeia com os atuais dirigentes persas. E já que se falou acima em boas perspectivas de negócios, cabe encaixar aqui uma perguntinha ao nosso Itamaraty: será que não vai sobrar alguma chance para uma ofensiva comercial brasileira de jeito nesse mercado persa tão sedutor, disputado agora por países que, ao contrário do Brasil, se mostraram até tempos bem próximos refratários a aproximações com Teerã?

Enquanto isso, na Nigéria e Paquistão...
Na maltratada Nigéria e no enigmático e conturbado Paquistão, refúgio derradeiro do chefão terrorista Bin Laden, as sinistras falanges fundamentalistas islâmicas produziram, de novo, dias atrás, espantosas tragédias. Os atentados tiveram custos em vidas humanas equiparáveis aos dos fatídicos acontecimentos registrados no território francês no final do ano que passou. Mas o relato jornalístico internacional dedicado aos apavorantes episódios foi muitíssimo diferente. Em razão das manchetes e comentários excessivamente comedidos não houve, como seria lógico admitir, aquela mesma avassaladora comoção mundial dos momentos anteriores. Motivos de sobra – há de se ver – não faltam a africanos e povos de outras paragens do terceiro mundo pra se queixarem do tratamento ostensivamente diferenciado que o ocidente costuma dispensar, em suas manifestações de preocupação com os dramas humanos, às coisas angustiantes, doloridas que acontecem na parte de lá e na parte de cá deste mundo do bom Deus onde o tinhoso zela pela preservação dos espaços apropriados para suas lúgubres maquinações.



Escritos de ontem ainda atuais

Cesar Vanucci

“Recordar é viver.”
(Adágio popular)


Graças ao zelo da dedicada secretária Clélia Ferreira, conservo nas estantes de minha biblioteca, devidamente encadernados, textos produzidos ao longo de mais de meio século de atividade jornalística. De quando em vez, passo os olhos no copioso material publicado. Das releituras feitas costuma emergir a sensação de que os fatos enfocados, guardando similitude com situações agora vividas, não perderam ainda de todo sua atualidade.

Juntando aqui algumas amostras desses registros, espero de meus poucos e benevolentes (posto que leais) leitores uma avaliação acerca da procedência do que acabo de assinalar.

Catorze anos atrás, dois de fevereiro de 2002, lancei no papel, sob o título “Caneta cheia”, o comentário abaixo reproduzido.

“Caneta. O jornalista Cláudio Humberto, que tem bom acesso aos bastidores do poder, acaba de informar que o ex-presidente da Petrobras, Henri Reichstul, ao deixar o cargo, presenteou o fundo de pensão da empresa, a Petros, com 5,2 bilhões de reais. Dinheiro pra encardir, saído dos cofres de uma instituição que é propriedade do povo brasileiro. Esperei alguns dias pra ver se alguém desmentia ou esclarecia melhor o fato. Nada mais li, nem ouvi. Pus-me, então, a recordar episódios parecidos onde a imprensa documentou o poder ilimitado de que desfrutam, neste nosso país, alguns tecnocratas em posições-chave. Dispõem eles, sempre, de caneta cheia para assinar. Vamos registrar aí, por favor, que 5,2 bilhões de reais representam quase o dobro dos recursos que o governo teme perder na receita deste ano, em decorrência da decisão do Congresso – que exigiu meses de discussões e negociações – atualizando a tabela de descontos do Imposto de Renda. É superior também, em cerca de 1,2 bilhões, ao valor das aplicações anuais previstas na proposta do senador Antônio Carlos Magalhães de estruturação de uma campanha para erradicar a fome, conforme, aliás, lembra o próprio Carlos Humberto.

Dever. O governo do Estado de São Paulo está no indeclinável dever de trazer a público, com rapidez, uma explicação cabal e convincente sobre todas as circunstâncias que envolvem o deplorável episódio do sequestro da filha de Sílvio Santos. As coisas estão, até aqui, à hora em que batucamos estas linhas, muito mal ajambradas, como se costuma dizer em papo de rua. As extravagantes versões da troca de tiros entre o sequestrador e os policiais e da morte recente, altamente suspeitosa, do delinquente na casa de custódia precisam ser devida e competentemente esclarecidas. A opinião pública agarra-se, à falta de comunicado consistente, à desagradável sensação de estar sendo montada mais uma armação, no mesmo e manjado formato da morte de PC Farias. A honorabilidade das autoridades paulistas não pode alimentar, pela omissão, acomodação, conivência, mórbido espírito corporativista, qualquer deslize de comunicação.”


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