sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Grosseria explícita

Cesar Vanucci

“Quando vejo esse frenesi de achincalhar as pessoas
 que estão no poder, fico um pouco angustiada.”
(Cleo Pires, atriz)

Duvidei, quando me contaram. Conjecturei, num primeiro instante, que tudo não passasse de uma tremenda fofoca. Uma a mais nestes tempos brabos de destemperança verbal provocada por desvairadas paixões políticas.

Em face disso resisti, o quanto pude, à sugestão de clicar a postagem inserida no despacho eletrônico comprobatório da inacreditável ocorrência. Mas acabei acessando, finalmente, a matéria. Foi assim que vi e ouvi, com estes olhos e ouvidos que a terra algum dia irá saborear – só que, na dependência de minha estrita vontade, daqui um tempão ainda -, uma sequência de gestos e palavras inverossímeis, atordoantes. Algo tão estarrecedor que, pra falar verdade, esgota de pronto as exigências essenciais para assegurar, aos seus indigitados autores, com “todos os méritos”, o troféu anual da “suprema cafajestagem”, caso ocorra a alguém instituí-lo nesta quadra contundente de inversão de valores.

Fábio Júnior - ora, veja, pois! - o inesperado protagonista da insólita cena. Bom intérprete musical e razoável ator, deixou-se flagrar diante das câmeras de televisão e flashes fotográficos, ao ensejo do espetáculo “Brazilian Day”, realizado em Nova Iorque, numa performance vexatória que pode ser apontada como a cena de grosseria explícita mais vergonhosa destes últimos tempos. Custa crer que alguém de sua projeção no palco público se aprestasse a desempenhar um papel tão desedificante!

Com a Bandeira Nacional impropriamente enrolada no corpo encharcado de suor em razão da descarga de energia negativa desprendida, as feições transtornadas, a voz embargada pela impulsividade fanática, a figura toda lembrando clone dos vociferantes porta-vozes das amedrontadoras “madastras talebãs”, o conhecido artista orquestrou um coral de vozes ensandecidas, entoando à guisa de refrão palavras de baixíssimo calão, carregadas de pusilanimidade. Atingiu, com ditos machistas revoltantes, as figuras de Dilma Rousseff e Luiz Ignácio Lula da Silva.

Não, não se tratava de uma mera manifestação política contendo críticas fundamentadas à atuação dos dois personagens, em função de atos incorretos por eles praticados. Manifestação, de resto, inoportuna, resguardadas as circunstâncias, ao ter-se em conta as características do evento e o cenário estrangeiro em que tudo se desenrolou. O que se viu foi uma explosão irracional. Uma pregação radical afrontosa ao jeito de ser brasileiro, ao sentimento popular. Ou seja, uma agressão solta, de contundência levada ao paroxismo, à concepção de vida cultivada pela gente brasileira. Uma gente que recusa abrir espaço, em seu inconformismo e divergência diante do que acontece de reprovável na vida política, para desregramentos verbais e insuflação desabrida de ódio. Os patrícios que, com toda legitimidade e indignação cívica, costumam expor publicamente, em sintonia com a livre expressão democrática, suas discordâncias com referência a atitudes gerenciais e políticas lesivas aos interesses nacionais, condenando com veemência a corrupção e as desigualdades sociais, sentiram-se de verdade molestados com os acontecimentos reportados. Não causa espanto, por conseguinte, que uma das filhas do artista, Cleo Pires, ela também celebridade nacional, haja lamentado publicamente tudo quanto rolou.
                                                 
Mas, por outro lado, causa desconforto às pessoas de bom senso o estranho comportamento de vários órgãos de comunicação social. Ao focalizarem a promoção de Nova Iorque, não só guardaram silêncio a respeito da absurda situação que se criou, como também deixaram subentendido que o procedimento despropositado do artista teve o significado de um mero protesto político.


Sem espanto, por favor

Cesar Vanucci

“Não se espantar com nada talvez seja o único meio.”
(Horácio, 65-8 a.C)

Do “Dicionário Nova Fronteira de Citações”, de Paulo Rónai, intelectual da melhor estirpe, consta interessantíssimo dito histórico de Horácio alusivo ao verbete “espanto”. Seguinte: “Não se espantar com nada talvez seja o único meio (...) e o melhor para tornar e conservar alguém feliz.” Rónai seleciona, ainda, concernente ao tema, outra frase, atribuída a Pope (1688-1744), apontando-a como imitação da sexta epístola de Horácio: “Não se espantar é toda a arte que conheço para tornar e manter a gente feliz.”

Os conceitos alinhados são a melhor forma encontrada por este desajeitado escriba, em suas quiméricas divagações sobre as coisas deste mundo do bom Deus drapejado por distorções comportamentais insufladas pelo tinhoso, para tentar absorver insólitas revelações do cotidiano. Caso, sem tirar nem por, de uma lista divulgada pela revista “Forbes” onde são apontados os 100 esportistas mais bem pagos do planeta (e, talvez, sabe-se lá, da Via Láctea). Uma plêiade de felizardos que conseguiu a façanha de acumular, só no exercício de 2014, a bagatela de 3,2 bilhões de dólares, apenasmente 17% a mais do que no ano anterior.

Rogamos do condescendente leitor permissão para, antes de nos ocuparmos desta relação dos “miliardários do esporte”, registrar breves considerações sobre o significado da riqueza no processo civilizatório. Nada a objetar, tá claro, quanto à circunstância de alguém, por conta de mérito pessoal, amealhar “pé de meia”, mesmo que de avantajadíssimas proporções, dentro desse regime, até certo ponto questionável, das compensações financeiras vigentes. Tudo bem. É assim que as coisas acontecem desde que o mundo é mundo. Mas, perceber a realidade não impede uma avaliação crítica (já externada noutros momentos), de inspiração humanística, a respeito dos critérios universalmente adotados para remunerar pecuniariamente a contribuição de cada qual no esforço coletivo de construção humana.

Numa perspectiva altruística, ancorada na justiça social, o acesso à fortuna não poderia ficar adstrito tão somente a pessoas criativas, empreendedoras, com alta capacidade negocial. Tais atributos revestem-se, obviamente, de relevância no processo do desenvolvimento, assegurando aos que os detenham condições propícias a aquisições patrimoniais de monta. Contudo, outros atributos do ser humano, indissociáveis na caminhada com vistas ao bem estar social, não poderiam deixar de ser também contemplados numa escala de valores justa. Quantos personagens providos de dons singulares, com realçante atuação na esfera dos serviços humanitários, são deixados de lado na partilha dos benefícios materiais? Uma indagação puxa outra. Citemos um exemplo. A fortuna do homem mais rico do mundo é avaliada em 100 bilhões de dólares. Ou seja, alcança a altitude himalaiana dos 400 bilhões de reais. Soma superior ao PIB de um punhado de países nos vários continentes. Pergunta-se então, diante de tal constatação soaria assim como algo estapafúrdio, ausente do bom senso, reivindicar, a partir de uma perspectiva inovadora, que a fortuna agraciasse igualmente pessoas como, valendo-nos de outro exemplo, Madre Tereza de Calcutá, em sinal de reconhecimento por sua magnífica atuação noutras vertentes do esforço civilizatório? A interrogação abre espaço, naturalmente, para infindáveis elucubrações acerca dos critérios utilizados neste mundo para compensar monetariamente o mérito laboral. As disparidades gritantes, entre o piso e o teto salariais, em setores, repartições, organizações, nas diferentes faixas de prestação de serviços, mostram outra face contundente dessa questão. Tudo isso fornece material para releituras dos enredos de vida trilhados pela confusa humanidade.

Já que entregues à reflexão do leitor estas singelas ruminações, cuidemos, então, agora, do caso dos “atletas mais bem pagos”. No topo da lista, um boxeador. Floyd Mayweather abiscoitou, por conta dos murros certeiros aplicados em meia dúzia de ringues, 300 milhões de dólares, ou seja, 1 bilhão e 200 milhões de reais. O segundo da lista é do ramo. Sua “arte” rendeu-lhe, em 2014, 160 milhões de dólares. O terceiro lugar ficou com o futebolista Christiano Ronaldo, 80 milhões de dólares. Leonel Messi, 74 milhões de dólares, classificou-se na posição subsequente. O brasileiro Neymar obteve um 23º lugar, com a “insignificante” soma de 31 milhões de dólares. Antes dele, classificaram-se atletas do tênis, basquete, golfe, futebol americano, automobilismo, beisebol. A lista dessas “aberrações” pecuniárias oferece uma informação que parece não ser de molde a causar surpresas. Duas mulheres, tão somente, figuram na seleção dos cem mais. As tenistas Maria Sharapova, 26º lugar; Serena Willians, 47º lugar.

Passados todos estes dados aos amáveis leitores, concluo como, por certo, o faria (à guisa de desabafo) meu saudoso tio Nhô, um cidadão cheio de ideias e sonhos, sempre intrigado com os rumos adoidados da aventura humana: “é desse jeito mesmo que a humanidade caminha!”


Historinhas de Brasília

Cesar Vanucci

“Cuide do seu decoro, que eu cuido do meu decote.”
(Dizeres de faixa carregada por servidoras da Câmara dos Deputados)

· A parlamentar Cristiane Brasil está dando uma inestimável contribuição para o Febeapá, ou seja, o “Festival de besteiras que assola o país”, incorporado ao linguajar das ruas como repositório de atos, às vezes engraçados e sempre ridículos, desde aqueles tempos em que as colunas dos jornais eram alegradas pela verve inigualável do saudoso Sérgio Porto (Stanislau Ponte Preta). Proposta de sua autoria, considerada conforme um jornalista tão útil pro País quanto boia no Saara, prevê medidas “altamente moralizantes”, no mais requintado estilo talebanista, no tocante ao modo de trajar feminino nas salas e corredores do Congresso. Em defesa da decência e dos bons costumes, a deputada quer traçar – viu só? - regras capazes de coibir os “absurdos” das saias acima dos joelhos, dos decotes exuberantes, das sandálias, chapéus e tênis de cores berrantes, incompatíveis com a nobreza do ambiente.
O projeto submetido à Mesa Diretora da Câmara não explica se a fiscalização das “indumentárias inconvenientes” seria da alçada da polícia do Legislativo, ou se seria outorgada a agentes públicos com formação, provavelmente, nas escolas preparatórias dos eficientes “guardiães dos bons costumes” existentes na Arábia Saudita ou Paquistão. Caso é que as funcionárias do Legislativo “queimaram no golpe”, resolvendo desencadear movimento de protesto contra a besteiragem anunciada. Espalharam sugestivos cartazes com frases como estas aqui: “Cuide do seu decoro que eu cuido do meu decote”; “Mais ética, menos estética.” Alguns parlamentares com propensão a desempenhar papéis de mulás (eu disse mulás, com acento grave no “a”), confessaram-se solidários com o “posicionamento moralizador” (ora, epa!) da ilustre deputada.

· A busca desenfreada de benesses à sombra do Poder leva alguns elementos a atravessarem os sinais, atropelando regras legais, nas efervescentes paragens brasilienses. Isso vem de ser comprovado, outra vez mais, num episódio envolvendo proprietários de residências de luxo, algumas oficiais e até estrangeiras, localizadas na orla do lago Paranoá. Trata-se daquele mesmo lago artificial de onde, jamais, iria brotar uma só gota de água, segundo asseveravam desvairados oposicionistas da antiga UDN e coligados visando criar embaraços ao dinâmico e saudoso governo JK. Um porta-voz da “turma do contra”, exibindo profusos “pareceres técnicos”, alardeados por poderosa e conivente mídia, chegou naquela época à sandice de declarar que “beberia” todo o líquido que porventura jorrasse no local, minha Nossa Senhora da Abadia!

Voltando à historinha de agora. De maneira a proteger o meio ambiente no aprazível recanto, o governo do Distrito Federal estabeleceu recentemente prazo para a retirada de cercas, piscinas, quadras, quiosques e demais “puxadinhos” arquitetônicos que, ao longo dos anos, se apoderaram, como extensão das edificações, da faixa pública de trinta metros que contorna o lago. Um bocado de (bons) viventes chegou ao absurdo de até promover captação clandestina de água. Cometeu aquele “ato falho” (só isso?) que, no linguajar adotado pelos órgãos encarregados de fiscalizar linhas de transmissão de energia e veios de abastecimento de água, é chamado, no popular, de “gato”. Isso é o que se pode classificar de um “senhor miado”...






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