sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015


E por falar em Petrobras


Cesar Vanucci *

“O comando da Petrobras estava acuado
diante de uma empreitada superior às suas forças.”
(Carlos Drummond, jornalista)

A recente demissão dos integrantes do comando da Petrobras era uma mera questão de tempo. Falar verdade demorou mais do que devia. A situação gerada pelas denúncias de corrupção - alvo de investigações complexas que a Nação inteira espera possam ser levadas às derradeiras consequências, doa a quem doer - começou a exigir, a partir de dado momento, a mudança que vem de ser concretizada.

Aos administradores empossados impõe-se, agora, a árdua tarefa de tentar resgatar rapidamente os índices elevados de credibilidade que a principal empresa brasileira acumulou, com extraordinários feitos tecnológicos e administrativos ao longo de seu percurso. Na atual conjuntura, essa credibilidade foi impiedosamente alvejada pela ação desagregadora de uma máfia composta de funcionários, agentes políticos e empreiteiros inidôneos e de repulsivos comparsas recrutados no submundo das finanças. Mesmo que não pesem sobre os dirigentes afastados acusações formais alusivas a malfeitos diretamente praticados, não há como deixar de reconhecer que eles já não mais detinham condições efetivas de controle dos acontecimentos. O limite tolerável de permanência nos cargos acabou sendo inapelavelmente ultrapassado em decorrência da avalancha de revelações vindas a furo.

Nas avaliações dos setores mais lúcidos da opinião pública não são ignorados os aspectos essenciais da rumorosa questão. Por isso tais setores aconselham cuidados nas análises do processo investigatório, de modo a distinguir os impactantes fatos reais apurados pela Justiça das especulações políticas suspeitas e do sensacionalismo desmesurado de alguns registros midiáticos. Recomendam também sejam levadas em conta as inconveniências derivadas do “vazamento seletivo” de informações sigilosas e do denuncismo inconsequente. Pedem ainda não se perca nunca de vista a magnitude política, econômica e social da questão. Ancorada nesse entendimento a sociedade aguarda com serenidade, confiante e esperançosa, as deliberações dos órgãos oficiais incumbidos das apurações. Acredita-se que à hora dos indiciamentos alguns nomes indicados nas sucessivas listas de supostos culpados deixarão de ser mencionados.  Ao mesmo passo outras figuras jamais citadas poderão vir a integrar o rol dos implicados. Mas, de qualquer maneira, face ao que já foi oficialmente liberado no tocante aos personagens emaranhados na descomunal maracutaia, a destituição dos altos executivos da Petrobras, mesmo sem indícios formais de culpa, correspondeu a imperativos irrecusáveis.

Valemo-nos, para ilustrar o descontrole gerencial detectado, de uma entre muitas histórias desconcertantes afloradas nessa sucessão escabrosa de delitos cometidos pelo bando mafioso. Um dos assaltantes recolhido ao xilindró, do terceiro escalão, amparado pelo controvertido esquema da delação premiada, declarou-se disposto a devolver prontamente aos cofres da empresa a bagatela de 98 milhões de reais. Noventa e oito milhões! Pensamos, num primeiro momento, se tratasse de erro de impressão. O cara, reportando-se à ladroagem de que foi partícipe, estaria na verdade falando de cifra bem menor. Mas, não. Ele abocanhou no duro da batatolina, como cota-parte pessoal na propina global, 98 milhões. Onde já se viu!

Todas essas atordoantes circunstâncias apontam indesviavelmente no sentido de: 1º) A atual diretoria da Petrobras fica no indeclinável dever de realizar tantas alterações quantas se fizerem necessárias nas esferas gerenciais da casa, objetivando cercar-se de profissionais e consultores competentes, moral e eticamente inatacáveis, recrutados em seus valorosos quadros, para que a empresa se desgarre, pra sempre, dessa nódoa deixada pelos “predadores internos e externos”, que tanto maculou a trajetória grandiosa da organização; 2º) as autoridades competentes estão na obrigação de acelerar os trabalhos de apuração, definindo com precisão e rigor jurídico, a coberto de injunções políticas de quaisquer matizes, as responsabilidades dos envolvidos nas falcatruas; 3º) a vigilante opinião pública, as lideranças políticas e comunitárias, os meios de comunicação social, as entidades representativas da inteligência, cultura e produção de riquezas, apoiando a atuação da diretoria da Petrobras, da Justiça, Procuradoria Geral e Ministério da Justiça, precisam estabelecer, nesta hora, uma frente de proteção de consistência granítica à estatal, a fim de que ela, passada devidamente a limpo, possa continuar, como vem fazendo desde sua implantação, a vitoriosa caminhada de conquistas tecnológicas, econômicas, sociais e políticas que a tornaram referência maiúscula na paisagem mundial. Tal posicionamento atende ao sentimento nacional. Serve, ao mesmo tempo, para desencorajar eventuais disposições de alguns segmentos refratários aos genuínos e legítimos interesses brasileiros, abomináveis “pescadores de águas turvas”, que não se pejam nesta hora de escancarar o propósito de ver nossa maior empresa, na mira permanente da cobiça internacional, entregue à gestão de grupos multinacionais. Algo, calando definitivamente o papo, escorraçado pela consciência cívica da Nação.


A “lógica” das montadoras


Cesar Vanucci *

“Por que os carros vendidos no Brasil são mais caros? Quem está apto a responder a esta pergunta?”
(Domingos Justino, educador)

Mobilização de operários no ABC paulista obrigou algumas montadoras de veículos a recuarem na disposição de demitir colaboradores. A alegação das empresas foi de que as vendas de veículos no exercício passado acusaram resultados menores do que em 2013, quando mais um índice expressivo na produção e na comercialização foi novamente atingido.

O argumento é leviano. De inconsistência assustadora. A se levar a sério a “lógica” dos fabricantes, a compra de veículos pelos usuários teria que acusar todos os anos, invariavelmente, ilimitadamente, quantidades sempre ascendentes. Se essa frenética expectativa venha a se frustrar, mesmo que os números se revelem satisfatórios para a cadeia produtiva e comercial (como mais uma vez ocorreu em 2014), o “recurso aconselhável” é promover dispensas maciças de mão-de-obra. Fórmula padrão “altamente eficaz” para garantir em altitudes everestianas a lucratividade dos negócios, de maneira tal que os ditosos beneficiários do processo não se desacostumem.

Para quem se compraz com raciocínio tão utilitarista, tão exageradamente mercantilista e, ao mesmo tempo, tão despojado de sensibilidade social, não basta que o mercado brasileiro no setor seja dos mais atraentes do mundo; seja incomparavelmente o mais rendoso para a atividade, o mais favorecido com subsídios fiscais e outras benesses tão ao agrado das organizações que, ao longo dos tempos, resolveram por aqui “arrancharem-se”. Não basta que o governo, volta e meia, “invente” estímulos (em detrimento das receitas oficiais) mode não interromper o ritmo delirante das operações comerciais. O que importa mesmo, no duro, é a conquista do pódio do lucro. Repetitivamente, com recordes que não deixem de atender ao insofreável apetite dos interessados.

Algum tempo atrás, em reportagem que encontrou boa ressonância nas redes sociais, mas não rendeu desdobramentos, sabe-se lá por quais respeitáveis motivos, na comunicação impressa, televisão e rádio, a Rede Record divulgou dados impressionantes sobre os abusivos custos de veículos e os exagerados lucros das fábricas de automóveis que operam no país. Ficou exuberantemente demonstrado que em nenhuma outra parte do planeta um carro custa tão caro. Exemplo dos mais contundentes foi o de um modelo cotado no Brasil a valor que, nos Estados Unidos, permitiria a aquisição de quatro unidades da marca. Outra informação impactante disse respeito à inacreditável constatação de que veículos de fabricação nacional, exportados para outros países (casos da Argentina e México) são repassados aos consumidores locais por valores que chegam a representar a metade do que é cobrado por aqui. A reportagem esclareceu ainda, de modo bastante preciso, que a disparidade nos custos não decorre da carga fiscal. Deriva, única e exclusivamente, dos exorbitantes lucros auferidos pela engrenagem de comercialização estruturada entre nós. A expressão correta para classificar os desníveis detectados é uma só: ganância descomedida.

Um dado perturbador a mais de suma relevância. Com cerca (anotem, por favor, a expressiva cifra) de 3.4 milhões de automóveis vendidos em 2014, o Brasil continuou a ser o quarto maior mercado do mundo inteiro no setor automobilístico. Acima colocam-se apenas, nesta ordem, a China, os Estados Unidos e o Japão. A queda no emplacamento de carros novos foi, entre 2013 e 2014, de 6.9%.

Temos diante dos olhos, claramente configurada, uma situação onde a ameaça de dispensas soa clamorosamente como desrespeito. Exatamente, desrespeito à Nação que, certeiramente, maior grau de participação tem assegurado, em termos de ganhos, no curso dos anos, aos balanços contábeis das montadoras.



GALERIA DE ARTE


Tomie Ohtake
Aos 101 anos, primeira
Dama das artes plásticas

Tomie Ohtake morreu no dia 12 de fevereiro de 2015, aos 101 anos no Hospital Sírio-Libanês, em decorrência de choque séptico causado por uma broncopneumonia.
Suas obras estiveram presentes em cinco edições da Bienal Internacional de São Paulo e renderam à artista um total de 28 prêmios. Em 2013, diversas exposições foram programadas em comemoração aos 100 anos de Tomie.

A vida e obra da grande artista estão retratadas no texto que vem a seguir, extraído do site do Instituto Tomie Ohtake.


Tomie Ohtake é considerada a “dama das artes plásticas brasileiras” pela carreira consagrada, construída ao longo dos últimos cinquenta anos, e pelo estilo ímpar de enfrentar a obra e a vida, nas quais força e suavidade têm o mesmo significado. A fama conquistada, desde a década de 60, nunca modificou o desafio a que se propõe: o eterno reinventar.
A capacidade de renovação de Tomie está expressa nas diferentes fases de sua pintura e nas suas composições de gravura e escultura. É dessa intenção intuitiva permanente que brotam o frescor e o esplendor de sua arte celebrada pela crítica e pelo público até hoje, com sua vigorosa produção recente. “Sua poética ao invés de declinar, germina em outras direções e aos 89 anos, de Tomie Ohtake pode-se dizer que o outono cede espaço à primavera”, escreve o crítico Agnaldo Farias (abril, 2003).
Nascida no Japão (Kioto/1913), Tomie chega ao Brasil em 1934 e só começa a pintar aos 40 anos de idade, construindo uma trajetória como poucos artistas brasileiros conseguiram. Os anos 60, quando se naturalizou brasileira, foram decisivos para a sua maturação como pintora originária da abstração informal. O domínio da esfera técnica de seu trabalho foi então confluindo com sua personalidade, passando a servi-la plenamente. O controle do processo coincidiu com uma nova orientação dada progressivamente ao trabalho, segundo o qual ela foi substituindo a imaterialidade aparente de suas telas pelo estudo da relação forma-cor Entre formas ovais, retangulares, cruciformes, quadradas - sugerindo a idealidade de uma figura geométrica ou de um signo qualquer – colocadas isoladamente, justapostas ou em série, ficava sempre preservada a ambiguidade perturbadora entre elas e o espaço da tela. Efeito que se obtém, por exemplo, na tensão entre a forma que se agiganta até praticamente encobrir o espaço; na maneira como este espaço insinua-se pelas frestas da forma; enfim, no confronto incessante entre esses dois termos e que se acentua, já nos anos 70, quando finalmente o espaço branco é tomado pela cor e se apresenta como forma. 
A linha curva, em associação a uma refinada fatura cromática, mais difusa e “cósmica”, como a ela se refere o crítico Miguel Chaia, introduz sobretudo a partir dos anos 80, novas referências ao trabalho da artista: da alusão à natureza e suas formas orgânicas; do céu às sementes; da paisagem às frutas; do sensual ao francamente sexual. As telas, ao invés dos planos coloridos chapados, são compostas de manchas justapostas e sobrepostas, solução que as transforma em campos em transformação constante. Dos anos 90 em diante, a transparência e a profundidade se acentuam e a pintura de Tomie parece emanar do espaço sideral.
A gravura é outra técnica que a artista domina desde o final dos anos 60 e que resulta também em um trabalho extremamente maduro e inovador: faz série em grandes formatos, transforma a gravura em objeto e, ainda, recentemente, produz obras que avançam de um plano ao outro, ortogonal, criando, nesta confluência de 90 graus, um espaço novo para a sua arte. Com este seu experimentalismo incomum para a técnica milenar, suas gravuras também ganharam reconhecimento internacional, desde 1972, quando foi convidada a participar da sala Gráfica D’Oggi na Bienal de Veneza - exposição que contou com a presença dos mais importantes artistas do mundo, como os norte-americanos da Pop Art -, além de sua participação na Bienal de Gravura de Tóquio, em 1978, tradicional mostra internacional desta técnica.
Além da pintura e da gravura, Tomie tem realizado esculturas em grandes dimensões para espaços públicos e, desde a 23ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1995, quando teve uma sala especial de esculturas, vem expandindo sua produção tridimensional. Hoje, 27 obras públicas de sua autoria fazem parte da paisagem urbana de algumas cidades brasileiras. Em São Paulo, parte delas se tornaram marcos paulistanos, como os quatro grandes painéis da Estação Consolação do Metrô de São Paulo, a escultura em concreto armado na Avenida 23 de maio e a pintura em parede cega no centro, na Ladeira da Memória.
Desde a década de 60, a participação da obra de Tomie nos principais espaços da arte nacionais e internacionais se amplia permanentemente. Está presente em cinco edições da Bienal Internacional de São Paulo, conquista 28 prêmios, realiza cerca de 50 individuais e 85 coletivas, no Brasil e no exterior. No País, torna-se um fenômeno raro, alcançando uma popularidade incomum para um artista plástico cuja obra ao mesmo tempo é respaldada pelos principais
críticos de arte. Um exemplo disto foi a sua marcante primeira retrospectiva realizada no Museu de Arte de São Paulo - MASP, em 1983, quando, até então, o professor Bardi nunca havia assistido, no museu que dirigia, um sucesso tão estrondoso para uma mostra individual, quando na abertura compareceram mais de 4.000 pessoas. Hoje, a relevância de Tomie no cenário das artes plásticas brasileiras reafirma-se na abertura de um centro cultural com seu nome, o Instituto Tomie Ohtake, homenagem extraordinária a um artista em franca produção
“A obra de Tomie Ohtake, como trajetória íntegra e integral, tem enfrentado o desafio de construir um tempo reconciliado entre a sabedoria de uma tradição e a experiência visual do sujeito moderno. Sua obra parece buscar em nosso olhar um haicai perdido”, escreve o crítico Paulo Herkenhoff, curador do MoMA Museum of Modern Art, Nova York (setembro, 2002).

Na sequência, alguns trabalhos da artista














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