sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Ganha quem tem mais voto


“Ação incabível, com potencial para arranhar a imagem do país.”(Ministro José Otávio de Noronha, corregedor do TSE)


 É da essência democrática. Vitória e derrota apresentam-se como contingencias naturais de um processo eleitoral. Simples assim: quem soma mais votos, ganha; quem soma menos, perde. A regra contempla até a inimaginável hipótese de empate.

Abrimos aqui parêntese, por não resistir à tentação, a propósito dessa “inimaginável hipótese”, de contar o que aconteceu, numa eleição nos idos de 50, em Uberaba, cidade de singulares e inesgotáveis fascínios. Pra espanto geral e, de algum modo, ao inteiro agrado dos dois grupos políticos locais mais influentes naquela época – petebistas (PTB), aliados do PSD, e pessepistas (PSP – Partido Social Progressista) - a disputa presidencial entre JK e Ademar de Barros terminou rigorosamente empatada. Se a cuca não tá a fim de trair, cada candidato abocanhou 7.700 votos. Juarez Távora (UDN) ficou bem atrás.

Parêntese fechado, retomando o fio da narrativa, apraz-nos sublinhar, outra vez mais, fazendo coro com a ufania das ruas, que a pujante democracia brasileira saiu muitíssimo enriquecida, fortalecida para valer, da campanha eleitoral finda. Eleição memorável, com epílogo eletrizante, irrepreensível do ponto de vista institucional. Exuberante pela pluralidade de ideias e propostas apresentadas. Eloquente na comprovação de que a democracia é território ecumênico aberto ao diálogo e às discordâncias saudáveis.

A soberana vontade popular apontou nas urnas, nos dois turnos, o caminho a ser trilhado pelo país na invasão do futuro. A opinião pública deixou definidas claras responsabilidades, no contexto do esforço nacional pelo progresso, para os protagonistas do embate político.

Dos vitoriosos são esperadas medidas urgentes que promovam, em ritmo acelerado, a retomada do crescimento; que garantam o rigoroso controle da meta inflacionária, a ampliação dos programas de inclusão social e a expansão da oferta de emprego e renda. Sem perder de vista, em instante algum, o compromisso formal assumido com a Nação de mover tenaz combate à corrupção, doa a quem doer, de executar as tão necessárias reformas política e tributária, além de outras.

Dos perdedores, que saibam usar competentemente o respeitável cacife político que se lhes foi outorgado pelo eleitorado, participando dos grandes debates nacionais com visão crítica e disposição construtiva.

Os desafios a enfrentar, as mudanças a fazer são tarefas que reclamam poderosa conjugação de vontades. Na democracia, a pluralidade de ideias oferece, por meio do diálogo e dos debates (os mais acalorados que possam ser) a oportunidade de se firmar sólido sentimento nacional. Ou seja, mostrarmos ao mundo quem somos e qual a contribuição que estamos capacitados a dar na construção da aventura humana.

Assim avaliados, serena e objetivamente, aspectos fundamentais do processo político democrático, cabe fazer, agora, um registro da incontida surpresa, mais do que isso do enorme espanto causado perante a opinião pública pela estapafúrdia decisão tomada por setores da oposição, ao postularem do TSE “uma auditoria para verificar a lisura do processo eleitoral, atendendo a dúvidas levantadas nas redes sociais.” Como bem sublinhou o ministro João Otávio de Noronha, corregedor da Justiça Eleitoral, o pedido não apresenta fato algum que possa colocar em xeque o sistema da eleição. Trata-se de “ação incabível, com potencial para arranhar a imagem do país”.

Lamentável que isso esteja acontecendo na sequencia de um momento cívico-eleitoral da magnitude que acabamos de viver no Brasil. As lideranças mais lúcidas da oposição estão na indeclinável obrigação de conter essa ação desatinada, fadada naturalmente a estrondoso insucesso. As circunstâncias dão vaza a que se reacenda na lembrança de muitos de nós um incidente político desagradável de anos atrás. O injustificável inconformismo de alguns dirigentes udenistas face ao triunfo insofismável de JK na campanha presidencial levou adversários radicais a criarem artifícios ridículos para contestar a manifesta preferência dos eleitores ao seu nome. Semearam a confusão, mas perderam, do ponto de vista legal, a parada. Juscelino cumpriu brilhantemente o mandato, tornando-se o personagem de maior projeção da cena política nacional. O julgamento da história foi implacável com os talibãs da UDN. É verdade que, mais adiante, em momento sombrio da vida brasileira, “eles” se “vingaram”, como sabido, do grande estadista. Mas pagaram com amargo ostracismo na memória nacional pelos atos cometidos.


Mensagens eletrônicas nocivas


“No segundo turno cresceu o volume dos conteúdos falsos.”(Silvana Batusi, da FGV)


 A boataria desenfreada, no dia da eleição para o segundo turno, em torno do falso assassinato por envenenamento de um réu processado por corrupção foi uma amostra perturbadora do grau de nocividade atingido pela comunicação eletrônica instantânea quando a serviço de nefandos propósitos. A disseminação da mensagem mentirosa foi de tal envergadura, gerou um desconforto tão grande que o Ministério da Justiça e a Polícia Federal viram-se compelidos a sair a público para explicações.

A dedução a extrair dos fatos é de que não existem, no momento atual, recursos legais e tecnológicos suficientes mode garantir monitoramento adequado que impeça a ocorrência de operações perversas nas velozes redes eletrônicas de comunicação. A cada instante pipoca um aplicativo acenando com novidades ousadas. Ganha rapidamente espaço no febricitante esquema de divulgação. As ferramentas lançadas ampliam o raio de atuação fulminante dos usuários fissurados nessa variedade de diálogo. Diálogo, como sabido, com regras bem específicas dando vaza a procedimentos comportamentais singulares.

O jornalista Lucas Pavanelli coloca-nos, em reportagem no “O Tempo”, diante de sugestivas informações sobre o que anda pintando no pedaço. Focado na propagação de dados pelos avançados instrumentos eletrônicos ao dispor do público, mostra que um aplicativo de mensagens instantâneas foi bastante empregado em malfeitos no curso das eleições. É revelado ao distinto público que, inteiramente fora de controle, o chamado “WhatsApp”, adicionado recentemente ao “debate político”, virou um senhor “propagador de mentiras”. Criando condições para trocas repentinas de mensagens de texto, áudio e vídeo, o tal aplicativo despejou na rede de computadores um montão de boatos. Alguns com o indisfarçável propósito de bagunçar pra valer o coreto...

É interessante acompanhar as explicações do repórter sobre o assunto. Aqui estão exemplos arrolados: 1) Um cara apontado como “estrategista político” postou nas redes, inicialmente no “Facebook” e no “Twitter”, depois no “WhatsApp”, uma informação maldosa, dando o TSE - Tribunal Superior Eleitoral - como fonte. A matéria posta para circular “esclarece” que, “para evitar confrontos violentos”, face à circunstância da campanha desenvolver-se em clima “muito acirrado”, as autoridades competentes resolveram “fixar datas diferenciadas” para os votos dos eleitores da oposição (Aécio) e da situação (Dilma). Os primeiros votariam no domingo 26; os outros no domingo posterior, 2 de novembro”. A postagem do “WhatsApp” concernente ao caso foi apagada tão logo um jornal registrou a solerte manobra.

Noutra postagem, transmitiu-se “com detalhes” a “notícia” de que o ex-Presidente Lula “seria internado na quinta-feira anterior à eleição, como forma de comover a população visando atrair votos para sua candidata.”

No domingo, 26, das eleições, propagou-se que Alberto Youssef, doleiro comprometido até o gorgomilo num número incontável de falcatruas, encarcerado no Paraná, tinha morrido por envenenamento, num típico caso de “queima de arquivo”. O tal doleiro tinha sido, na verdade, internado, por conta de pressão baixa. A Justiça e a Polícia Federal sentiram-se no dever de apor um desmentido público à criminosa especulação.

Outro boato maldoso propagado com intensidade, seguindo o mesmo figurino, disse respeito ao “fato” de que “o Ministério Público pediu o bloqueio dos bens de Lula no valor de R$ 9.526.070,64, por improbidade administrativa.”

Ocorreu, ainda, segundo a reportagem, outra farta divulgação sem suporte na realidade relacionada com os resultados do pleito no segundo turno. Pouco antes do anúncio oficial dos números, circulou intensamente a informação de que “Aécio acabou de receber telefonema. É o novo presidente do Brasil!”

A Professora de Direito Silvana Batusi, da Fundação Getúlio Vargas, ouvida na reportagem sobre a questão do emprego desvirtuado dos aplicativos na campanha política, declarou que o uso dessas ferramentas foi ainda mais frequente no segundo turno, período em que cresceu o volume dos conteúdos falsos e dos boatos. Na opinião da especialista, “você não pode condenar o meio por causa do mau uso.” “É óbvio que qualquer esforço para espalhar boato e inverdade é irregular e pode enveredar para abusos na comunicação”, embora seja difícil – pontua – “a apuração da irregularidade”.

Existe dificuldade – anota –em se adequar a legislação à velocidade dos meios eletrônicos.


Depois de tomar tento de toda essa encrenqueira pela boca do Pavanelli, a gente fica um tanto quanto inclinado a admitir que nem costuma fazer o capiau lá dos cafundós triangulinos quando topa na reta com a porqueira de um impasse sem saída: - “Tamo n’água, seu zé, tamo n’água!”

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