sexta-feira, 29 de março de 2013

Mano Augusto

Cesar Vanucci *

“O magnífico Augusto Cesar Vanucci!”
(José Bonifácio Sobrinho, em “O livro do Boni”.)


O Professor José Peres, dos bons tempos do curso ginasial no Liceu do Triângulo Mineiro – embrião do fabuloso complexo educacional criado por Mário Palmério -, era pessoa de vasta erudição. Apreciava citações. Dava expansão nas salas de aula aos conhecimentos sobre o que se poderia chamar de a arte das citações. Ditos populares, brocardos, máximas, versos e sentenças de autores famosos eram com ele mesmo. Recordo-me de uma manhã em que, apreciando caso de autolouvação de alguém importante, ele anotou, todo solene, no quadro negro a seguinte frase: “Louvor em boca própria é vitupério.” Depois que explicou, provocado, o que vinha a ser vitupério, uma colega de classe animou-se a perguntar, em meio a risos e sorrisos: “- E na boca de parente, é também vitupério?”  Tanto quanto entendido pela explicação bem humorada do professor, não, não era vitupério.

Retiro essa lembrança pueril das ladeiras da memória, pra uma louvação relativa a homenagem prestada, em bela cerimônia cívica realizada em Uberaba, presidida pelo governador Antônio Anastásia,                                                                                  à memória de meu irmão Augusto Cesar Vanucci. Ele foi um dos dez agraciados este anocom a “Comenda da Paz Chico Xavier.” O único da lista a receber “in memoriam” a honrosa láurea. A indicação de seu nome foi feita pelo chanceler da Comenda, Procurador Joaquim Cabral Netto, personagem de relevo no cenário cultural.

A homenagem afianço, sem titubeios, foi das mais justas. A trajetória de mano Augusto, rica em cintilações, se entrelaça, em não poucos momentos, com a história fulgurante dessa criatura admirável que empresta o nome à honrosa láurea. Uma criatura iluminada que soube estabelecer, pela humildade, singular sabedoria e amor incondicional ao semelhante, diálogo perfeito com a divindade suprema. O Chico Xavier da veneração popular.

Augusto despontou para a vida artística meninote ainda. Foi considerado garoto prodígio pelos dons exibidos no palco. Com 10 anos arrebatou o público do programa “Hora do Pato”, com a interpretação de “Canta Brasil”. Liderando grupo de artistas mirins, apresentava-se em aplaudidos espetáculos em teatros do Triângulo Mineiro. Em mais de uma ocasião foi chamado a mostrar seus dotes como cantor pra Cândido Portinari. Adolescente, militou no rádio uberabense com sucesso. Aos 18 anos, concorreu a uma bolsa de estudos no Teatro do Estudante, de Pascoal Carlos Gomes. Tirou o primeiro lugar. Mudou-se para o Rio. Por razões de sobrevivência, antes de concluído o estágio, atraído por convite de Renata Fronzi e Mara Rubia, famosas intérpretes do teatro musicado, bandeou para a vida profissional.

Fez rápida e vitoriosa carreira. Quatro peças musicais que marcaram época tiveram-no como protagonista central: “Alô Dolly”, com Bibi Ferreira; “Como vencer na vida sem fazer força”, clássicos da Broadway pela primeira vez encenados em palcos nacionais, “Vamos brincar de amor em Cabo Frio” e “Feitiço da Vila”, onde contracenou com Elizeth Cardoso e Mary Gonçalves. Paralelamente à carreira teatral, participou de numerosos filmes. Dezoito no total. Entre eles, “Eles não voltaram”, única fita brasileira a focalizar a participação da FEB na Segunda Guerra, e “Sexto sentido”, ao que se sabe único filme até hoje produzido no Brasil sobre o emprego de poderes sobrenaturais a serviço de agências governamentais. No teatro e no cinema conquistou numerosos prêmios.

Na televisão, como diretor da linha de musicais e programas humorísticos da Globo, ganhou projeção mundial. Um dos responsáveis pelo chamado “padrão global de qualidade”, arrebatou o prêmio “Emmy” em Hollywood, com o inesquecível programa “Vinicius para crianças”. Outros programas por ele criados concederam-lhe o troféu “Ondas”, na televisão européia. Perfeccionista, foi o responsável pelos melhores musicais já levados ao ar na tevê brasileira. Dirigiu os especiais de Roberto Carlos, programas de Chico Anísio, os principais eventos da Globo. Prestou serviços também à Rede Bandeirantes e à Rede Manchete. Nesses dois prefixos executou projetos de divulgação sistemática dos chamados temas transcendentes. Foi o principal responsável pela abertura que os sensitivos brasileiros, caso de Chico Xavier, até então mantidos a uma certa e incompreensível distância na divulgação dos órgãos de comunicação de massa, passaram a desfrutar na televisão. Adaptando texto de Chico, lançou a peça “Além da vida”, provavelmente a mais encenada até hoje em palcos nacionais. Liderou a campanha que propôs a outorga do Nobel da Paz para Chico Xavier. A campanha reuniu dois milhões de assinaturas. No Congresso Nacional, em sessão especial, deu um substancioso depoimento a respeito de proposta, afinal acolhida, no sentido de que as percepções singulares de pessoas como Chico Xavier, agraciadas com dons especiais de sensibilidade espiritual, passassem a ser consideradas em sua verdadeira e rica dimensão humana. O que se pretendeu com a proposição foi abolir pra sempre a possibilidade de intervenções policiais arbitrárias, como tantas vezes se viu no passado, em atividades envolvendo sensitivos célebres, consagrados a trabalhos espirituais e assistenciais.

Então, tenho ou não tenho razão em dizer que o diligente Cabral, sempre inspirado nas indicações dos agraciados, acertou em cheio ao apontar Augusto Cesar para receber a Comenda Chico Xavier?


Derrapagens na Fórmula 1

“Ele agiu por conta própria.”
(Declaração do porta-voz da Red Bull/Renault a respeito
da atitude do piloto Sebastian Vettel na corrida da Malásia)


Na prova da Fórmula 1 da Malásia, o piloto Sebastian Vettel ultrapassou o companheiro de equipe Mark Webber, garantindo com o gesto o melhor lugar do pódio. Só que ganhou uma reprimenda por haver tocado a corrida “por conta própria”, contrariando “ordens superiores” e provocando com a atitude de independência e a ousadia demonstradas uma “crise” na Red Bull/Renault, marca automobilística que chancela a participação de ambos nas pistas. Os dois pilotos subiram, na verdade, à cobiçada tribuna reservada ao trio vitorioso da corrida. Mas aos patrocinadores o que interessava mesmo era que as posições ficassem invertidas.

O piloto que, “indisciplinadamente”, descumpriu as ordens, desfazendo um arranjo prévio devidamente costurado nos bastidores do “circo”, foi devidamente advertido. Viu-se constrangido a vir a público, por surreal que isso pareça, mode desculpar-se pela “falta grave cometida”. E, com certeira certeza, já se comprometeu, a esta altura do campeonato, a respeitar religiosamente, daqui em diante, as regras traçadas do jogo. Ou seja, numa disputa em que esteja defendendo a escuderia garantidora de seus polpudos salários, jamais se deixará levar, de novo, pela emoção esportiva descontrolada e meter-se a besta de sair na frente dos competidores sem receber a conveniente autorização superior para tanto...

Não houve – pasmo dos pasmos -, por parte tanto dos pilotos envolvidos no cabuloso episódio, quanto por parte dos dirigentes da Red Bull/Renault, a mais leve preocupação no sentido de ocultar, de quem quer que fosse, os veículos de comunicação inclusive, o desassossego vivido em suas fileiras diante dessas, chamemos assim, “divergências de posições” entre o que foi ordenado ao piloto e o que foi por ele executado durante a prova. É como se todos estivessem dizendo: “Calma, pessoal, o jogo é esse, todo mundo da Fórmula 1 tá calvo de saber que é sempre assim. A ninguém é lícito desrespeitar as regras. Quem não estiver a fim de acatá-las, que cuide de deixar a pista...”

Este não foi o único lance desconcertante da prova da Malásia, pelo que o noticiário nosso de cada dia andou revelando. Outra escuderia viveu situação parecida. O piloto Nick Rosberg, da Mercedes, preparava-se para ultrapassar o companheiro de equipe Lewis Hamilton, então em terceiro lugar, quando recebeu enfática advertência para “conter-se”. O acordo do dia previa que a vez de subir ao pódio seria de Hamilton. Ao contrário do compatriota alemão Sebastian Vettel, Rosberg resolveu acatar, provavelmente entre resmungos e ranger de dentes, a enérgica admoestação, abrindo mão para o companheiro do direito de galgar o pódio. Chegou a dizer para algumas pessoas, em tom de desabafo: “Lembrem-se desta prova!” Mas, obediente como tão bem se ajusta ao perfil de um autêntico e intimorato piloto da Fórmula 1, não quis saber de espichar conversa. Sentiu-se, por certo, parcialmente compensado com a provável promessa de Hamilton de, futuramente, quem sabe até já na disputa do circuito de Xangai, próxima etapa percorrida pelo circo, retribuir-lhe a “gentileza”.

Essas situações constrangedoras, antiesportivas, profissionalmente repugnantes do ponto de vista ético, são parte indissociável do cotidiano da Fórmula 1. Outros pilotos, inclusive brasileiros, já se envolveram em maquinações desse gênero. Tudo é encarado nesses redutos com descarada naturalidade e assimilado como razoável, até pelos veículos de comunicação, embora violente escancaradamente a lógica do esporte.

Os absurdos detectados no campeonato automobilístico guardam equivalência, nas devidas proporções, com a situação imaginária de uma partida entre duas seleções nacionais de futebol em que o resultado fosse antecipadamente pactuado.

Aliás, falando verdade, essa situação não é tão imaginaria assim, como se poderia de início supor. Tem-se como certo que já aconteceu numa Copa Mundial. A da Argentina. Os “hermanos”, já com uma derrota no torneio, precisavam de uma vitória com a margem absurda de cinco gols de vantagem sobre a seleção peruana para chegarem à final. Era o que estipulava o regulamento da competição, alterado por razões óbvias mais tarde. O outro escrete em condições de aspirar, na chave da Argentina, o direito de participar da final era o Brasil, único invicto, até aquele momento. E não é que os argentinos chegaram lá e, depois, “abiscoitaram” o título?
Tudo se deu por obra e arte da ditadura militar argentina, que aliciou na espúria jogada o governo peruano, as Federações futebolísticas dos dois países, com a concordância explicita dos atletas, assegurando gratificações polpudas ao time do Peru, para que amolecesse o jogo.

Falou-se pouco dessa tramóia, porque a época desaconselhava manifestações que colocassem sob suspeita a lisura, a honestidade, a integridade moral dos ditadores de plantão dos países do chamado “cone sul”.

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