sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Só faltava essa

Cesar Vanucci *

“Mas estão todos malucos!”
(Frase atribuída a Dom Pedro II, na partida para o exílio,
anotada por Paulo Rónai em seu “Dicionário de Citações”.)


O capítulo das zuretices e excentricidades do grande livro que narra as peripécias do bicho-homem em seus vais e vens por este mundo velho de guerra sem porteira, criado pelo bom Deus, onde o diabo costuma plantar seus perturbadores encraves, acaba de ser “enriquecido” com uma decisão no mínimo curiosa, tomada dias atrás pelo Parlamento alemão. Os deputados do país do chucrute aprovaram lei proibindo a zoofilia, após polêmicas inflamadas ao longo de vários meses.

Grupos organizados em associações, movimentando passeatas e formulando protestos diante da casa do Legislativo, expressaram sua discordância frontal ao que ficou decidido, prometendo reação braba.

Zoofilia, como a patuléia ignara de que sou parte não faz questão alguma de saber, quer dizer, num primeiro momento, segundo os dicionários, “amor aos animais”. Mas pode significar também, na linha interpretativa dos legisladores germânicos, “situação em que o carinho por outro animal, que não o homem, produz prazer sexual”, como registra o Aurélio. Ou, como consigna a “Wikipédia”, “atração ou envolvimento sexual de humanos com animais de outras espécies.” A  “Wikipédia” ainda se põe a explicar que são chamados de zoófilos aqueles seres humanos que se envolvem nessas práticas.

Textos da Psicologia fundamentada na teoria freudiana classificam a zoofilia como um transtorno da sexualidade. Na classificação internacional de doenças (CID-10), a situação se enquadra na categoria dos transtornos de ordem sexual chegados à bestialidade. Especialistas médicos têm-na na conta de manifestação neurótica, onde a insensibilidade e a grosseria se aliam a um bloqueio afetivo de amor.

Mas retornando à proibição parlamentar. Ela decorreu de estudos aprofundados onde chegou-se à conclusão de que a zoofilia é problema a ser encarado com seriedade. Essa prática, que se entrechoca com os padrões civilizatórios, prolifera entre os alemães, a ponto de se calcular hoje em 100 mil o número de zoófilos assumidos no país.

Os estudos revelaram coisas espantosas. Segundo as autoridades, cerca de 500 mil animais são mortos por ano, pouco depois de passarem por sevicias sexuais, ora, veja, pois...

A discussão em torno do esdrúxulo tema trouxe a lume incríveis argumentos. Principalmente por parte dos adeptos escancarados da zoofilia. Uma organização chamada Zeta (Engajamento Zoófilo para a Tolerância e a Informação) anunciou o propósito de refutar em Juizo a decisão dos deputados. Seu dirigente, Michael Kiok, de Munique, admitindo-se ligado “afetivamente” a uma cachorra de raça (pastor alemão), de nome Cissy, “há pelo menos sete anos”, botou pra fora sua indignação com relação à nova lei, afirmando aos jornais: “Fazem-nos sentir criminosos. Isso tudo por causa dos fanáticos defensores dos direitos animais, que pensam sejamos capazes de magoar nossos companheiros”.

O dirigente zoófilo, que já foi casado e considera “mais fácil compreender os animais do que uma mulher”, referia-se a manifestantes que apoiaram nas ruas de Berlim a deliberação parlamentar. Assegurou que irá recorrer à Corte Suprema da Justiça para “defender os respeitáveis direitos” da “categoria” representada pela Zeta.

Bem, é isso ai... Quanto ao mais, é como não se cansa de dizer o Fulgêncio do Abaeté, professor aposentado, recolhido hoje ao relativo sossego de aprazível sitio na zona rural de Conceição das Alagoas, lá pras bandas do Triângulo, ao confessar-se “meio deslocado” nestes tempos amalucados com “as teses novidadeiras volta e meia trazidas pela televisão, rádio, jornal e Internet”: “Só me faltava mais essa! Será que alguém não pode mandar parar, mode o degas aqui apear e cair no mato?”



Figura célebre e polêmica

“Muitos me odeiam sem me conhecer.”
(Edir Macedo)

Estou convencido que há um bocado de verdade na declaração feita por Edir Macedo, dirigente da Igreja Universal do Reino de Deus, à revista “IstoÉ”: “Muitos me odeiam sem me conhecer.” Mesmo não ignorando que alguns bons motivos por certo existem para uma avaliação critica da atuação do personagem, não se pode deixar de reconhecer, em boa verdade, que parte das reações negativas que o rodeiam se escora na intolerância e no preconceito.

A Igreja Universal do Reino de Deus, por ele fundada e dirigida, é um fenômeno religioso impressionante. Agrega no Brasil e nos outros 181 paises em que desenvolve trabalhos catequéticos e sociais milhões de seguidores. A expansão vertiginosa que pontilha a trajetória da instituição, em que pesem as constantes acusações de charlatanismo e exploração da fé das camadas mais humildes, formuladas até mesmo por outros grupamentos evangélicos, torna Edir uma celebridade internacional.

Lançando-se como empreendedor na área da comunicação social, com gana na disputa por posições de liderança, o líder da IURD agregou aos que não vêem com simpatia sua desenvolta presença na esfera do proselitismo religioso adversários bastante poderosos, ligados à concorrência midiática. Estes não o poupam de criticas acerbas, sempre por ele, de pronto, rebatidas no mesmo tom inflamado.

A obra que comanda tem, forçoso admitir, seus méritos. Afinal de contas não se constrói um império desses, no curso de 35 anos, sem a aquisição de forte base de credibilidade perante a opinião pública. O carisma de Edir Macedo é inegável. As coisas em que bota a mão desembocam sempre em frutuosos resultados. Mesmo as que não dizem respeito diretamente ao polêmico trabalho que promove, de propagação religiosa, marcado às vezes por reações de fanatice. Temos ai o exemplo da Rede Record, a cada dia mais presente nos índices de audiência. E ainda agora, mais recentemente, defrontamo-nos também com essa história do best-seller mundial em que se transformou a autobiografia de Edir, “Nada a perder”. Num único dia o livro acusou, na livraria onde foi lançado vendagem inédita de 25 mil exemplares. Noutros lugares do mundo, aconteceram situações parecidas. Isso dá o que pensar.

˜ A atitude do governador Cid Gomes, do Ceará, pagando a uma cantora famosa o polpudo cachê de 650 mil reais para um espetáculo artístico ao ensejo da inauguração de hospital público em Sobral, é de deixar em estado de absoluto transtorno o mais impassível monge contemplativo. Quê isso, seu Gomes? Dinheiro público não pode ser aplicado de forma assim tão leviana! Melhor seria que do currículo do ilustre Governador constasse o registro de que a soma acima mencionada houvesse sido reservada a anúncio, já no ato inaugural do estabelecimento, da ampliação do número de leitos hospitalares. A propósito do cabuloso assunto, o Ministério Público do Ceará já cuidou de propor medida judicial para que Cid devolva ao Erário a dinheirama aplicada no show.

˜ Lá fora, divulgou-se (mais uma) notícia alvissareira sobre a economia do Brasil. Cá dentro, a notícia em questão foi, por parte da grande mídia, solenemente ignorada. Ou, nas análises e no noticiário (costumeiramente negativos) que se lê ou se ouve por ai a respeito dos rumos socioeconômicos brasileiros, só chegou a ser citada muito discretamente.
Caso é que o Fórum Econômico de Davos, na Suíça, reunindo opiniões de 1330 grandes executivos, de 68 países, colocou o Brasil como o terceiro mercado mundial mais sólido para investimentos. Os países classificados em posição mais destacada foram China e Estados Unidos.



O desabafo do Papa

“Ficamos sem fala.”
(Cardeal Giovanni Lajola)

Depois da inesperada renúncia, outra atordoante surpresa. Declarações incisivas que soaram como um recado impactante sobre os descaminhos que estariam sendo trilhados, por integrantes da Cúria Romana, na condução das atividades da Igreja.

Bento XVI, nos derradeiros pronunciamentos como Sumo Pontífice, fez revelações que levantam fundadas suspeitas de que a abdicação ao trono de Pedro não teve como única motivação a alegada falta de vigor físico e psicológico. Para o ato que produziu comoção mundial, notadamente nos círculos católicos, terá concorrido também, com certeza – há que se deduzir das manifestações vindas agora a lume – uma rede de intrigas montada nos bastidores do Vaticano com o fito de debilitá-lo e de impedir mudanças importantes na vida da milenar instituição.

Os depoimentos, em tom de desabafo, são de irrecusável significado histórico. Denunciam situações que estariam em desacordo com a linha de atuação pontifícia e que não podem deixar de ser vistas como instrumentos de desestabilização de seu sagrado magistério. As frases proferidas por Ratzinger nas homilias que o mundo ouviu em clima novamente de espanto são, no ver de analistas conceituados, muito reveladoras.

Vejamos algumas delas.
“A face da Igreja, às vezes, é desfigurada. Penso em particular nos golpes contra a unidade da Igreja, as divisões no corpo eclesial. Por isso, Jesus denuncia a hipocrisia religiosa, o comportamento que deseja aparecer, os hábitos que procuram o aplauso e a aprovação...”
“Viver a Quaresma em uma mais intensa e evidente comunhão eclesial, superando individualismos e rivalidades, é um sinal humilde e precioso para aqueles que estão distantes da fé ou indiferentes.”
“Muitos estão prontos a estraçalhar as roupas diante de escândalos e injustiças – naturalmente cometidos pelos outros -, mas poucos parecem dispostos a agir sobre o próprio “coração”, a própria consciência e as próprias intenções, deixando que o Senhor transforme, remova e converta.”
“Nossa tarefa é trabalhar para que o verdadeiro Concilio (...) prevaleça e a Igreja seja verdadeiramente renovada.”

Quem melhor resumiu o impacto causado pela retórica papal foi o Cardeal italiano Giovanni Lajolo: “Ficamos sem fala.”

A leitura que respeitados “vaticanistas” fazem desses pronunciamentos é de que Bento XVI exprimiu como pôde, ciente de suas limitações, com palavras vigorosas mas resguardando a dignidade do cargo, sua amargura diante de episódios constrangedores provocados por elementos que gozavam de sua confiança e que se perderam em gestos de indesculpável infidelidade. As inconfidências do mordomo desleal; os desatinos do Banco do Vaticano, engolfado em transações escabrosas até com chefões da Máfia; a corrupção e desmandos detectados em relatórios subscritos por vários Cardeais inconformados com certos rumos do palácio apostólico; as reações de alguns purpurados da Cúria às medidas punitivas contra clérigos que fizeram vista grossa aos numerosos casos de pedofilia que abalaram tantas comunidades; essas coisas todas e outras mais constituiriam o verdadeiro fundamento do desencanto expresso por Bento XVI.

Sinalizando evidências de que, embora partidário de reformas, não soube ou não conseguiu, por força de intransponíveis óbices domésticos, promovê-las, o Papa resignatário estaria, agora, empenhado em abrir caminho para a ascensão de um sucessor capaz de sacudir estruturas e levar avante uma renovação verdadeira, como tanto se almeja, no seio da Igreja.

Hora propicia, voltamos a dizer, para a entrada em cena de alguém com o perfil de um João XXIII. Alguém, tocado pelo Espírito Santo, como se prevê nas escrituras sagradas, que proceda, talvez – por que não? -, de uma parte do mundo onde a presença católica se revele, em número de fiéis e devoção, mais vigorosa. A América Latina, o Brasil, por exemplo.

* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)


IX ENCONTRO CULTURAL DA ACADEMIA


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