sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Quem quer vai

Cesar Vanucci *


“Meu primeiro professor
de aeronáutica foi Júlio Verne”
(Alberto Santos Dumont)


“Meu primeiro professor de aeronáutica foi Júlio Verne, esse grande visionário.”

É Santos Dumont quem está falando. São declarações do maior valor histórico. Constam de entrevista dada, há 88 anos atrás, à revista francesa “Je Saus Tout”. O documento veio a lume graças a uma pesquisa do jornalista Romero Solha, que a incluiu em reportagem sobre o grande inventor brasileiro publicada no extinto “Diário da Tarde”, de Belo Horizonte, edição de 26 de outubro de 1982.

Vamos ver, com base na sugestiva reportagem, o que Santos Dumont conta de seus experimentos como inventor.

. Júlio Verne: “Meu primeiro professor de aeronáutica foi Júlio Verne, esse grande visionário. Desde 1888 até 1891 – época da minha primeira viagem a Europa – passava o tempo lendo as obras desse tão notável profeta, que concebeu a locomoção aérea e submarina. Já em minha mais tenra juventude estava convencido de que as idéias do romancista poderiam ser realizadas, com a condição, porém, de não se empregar o motor a vapor. Mas eu não conhecia senão o motor a vapor de nossa propriedade agrícola, bem como os tratores importados da Inglaterra para arrastar caminhões, no transporte do café.”

. Sobre o motor movido a petróleo. “Meu pai trouxe-me para a França, para Paris. Na véspera de nosso regresso ao Brasil, visitou comigo o Palácio da Indústria, onde havia uma exposição de máquinas. Qual não foi a minha surpresa ao ver, pela primeira vez, um motor a petróleo, muito leve, que tinha a força de um cavalo...”

Santos Dumont encomendou, numa oficina parisiense, a construção de um balão de cem metros cúbicos: “Tomaram-me por louco, mas, alguns meses depois, o “Brasil”, como uma bolha de sabão, atravessava Paris, surpreendendo todo mundo.”

. O genial inventor descreve o “Brasil”: “Media seis metros de diâmetro. Sua curvatura era de 113 metros quadrados de seda, com três quilos e meio. A seda envernizada pesava 14 quilos. Os fios e as cordas, juntos, um quilo e 800. A barquinha, seis quilos. Uma pequena âncora, três quilos. E o guide rope, cujo comprimento era de cem metros, oito quilos. Meus cálculos tinham sido exatos e pude subir com mais de um saco de lastro.”

. Santos Dumont travou luta árdua contra os preconceitos. “A princípio não tive que lutar somente contra os elementos, mas também contra os preconceitos. A direção dos balões e o vôo do mais pesado que o ar eram considerados problemas insolúveis. Meus ensaios começaram em fins de 1898. Abandonei a forma alongada, impossível para os recursos de que dispunha nessa época, e construí o balão ovóide. Em minhas experiências, confesso, vi a morte de perto por várias vezes, mas não me deixei vencer. Com o meu nº 3 atravessei Paris, finalmente. Meus voos eram acompanhados com profunda emoção e começou-se a discutir sobre as possibilidade de viajar de determinado ponto a outro.”

. Reportando-se ao fato de que, à época dessas experiências, Henry Deutsch instituiu um prêmio de cem mil francos para o aeronauta que conseguisse, em trinta minutos de vôo, percorrer o trajeto entre Saint Cloud e a Torre Eifell, assim falou Dumont:
“Todos os anos, os juros desse dinheiro seriam dados ao aeronauta que obtivesse os melhores resultados. Imediatamente, passei a construir meu nº 4, em um hangar em Saint Cloud. Voltei ao balão fusiforme, para poder conseguir uma velocidade de 30 quilômetros por hora, impossível com um modelo ovóide. O motor mais leve que encontrei era maravilhoso: pesava cem quilos e tinha força de nove cavalos. Os resultados foram medíocres, mas ganhei o prêmio assim mesmo, porque o outro concorrente, M. Rose, não conseguiu se elevar.”

. As felicitações, depois de seu extraordinário feito, pipocaram do mundo inteiro. “No inverno, construí o balão nº 5. Com ele realizei experiências no parque Aeroclube da França. No dia 12 de junho de 1901, às três horas da madrugada, estava no hipódromo de Longchamp, pois queria passear nele sobre Puteux. Dias depois tentei a aventura da Torre Eifell. A viagem foi muito boa até o Trocadero, mas aí notei que o balão não mais me obedecia. O cabo, ligando a roda do comando ao leme, tinha partido. Desci sobre os jardins onde, àquela hora, havia pouca gente. Precisava de uma escada. Alguém me arranjou uma e pude logo emendar o cabo. Continuei, esperançoso, o voo. Rapidamente, alcancei a Torre Eifell e voltei a Longchamp. Minha demora preocupou o povo que passou a hipóteses as mais trágicas. Recebi felicitações do mundo inteiro.”
“Das mensagens que recebi, a que mais me comoveu e a que considero a mais preciosa foi a do maior inventor dos tempos modernos (Thomas Edson). Ele me mandou uma fotografia, com a seguinte dedicatória: À Santos Dumont, o conquistador dos ares, a homenagem de Edson.”
Volto ao depoimento de Santos Dumont na sequência.



De volta a Santos Dumont

“Queriam que eu desistisse (...)
porque seria inevitável uma desgraça.”
(Santos Dumont)

Recorremos, mais uma vez, ao sugestivo trabalho do jornalista Romero Solha (“Diário da Tarde”, edição de 26 de outubro de 1982) para registrar outros trechos do depoimento dado por Santos Dumont à revista francesa “Je Sans Tout”, onde são relatados novos aspectos de suas experiências na conquista dos ares.

Santos Dumont com a palavra: “Às 16h41m do dia 13 de julho de 1901, diante da comissão cientifica do Aero Clube ascendi à Torre Eifell e a rodeei sem nenhuma dificuldade. Na volta, entretanto, o vento forte, mas que não conseguia impedir o vôo de minha aeronave, obrigou-me a descer sobre as árvores do bonito parque do Barão de Rotschild. Tive que desmontar tudo. Com pressa e precaução, a fim de voltar ao balão e concorrer novamente ao premio. Nesse dia eu me levantei a uma hora da madrugada, para fiscalizar a produção do hidrogênio, fiel ao provérbio do meu país: Quem quer, vai; quem não quer, manda.”

“O dia acabava e eu, ali, firme, ao lado de meu balão, apesar da fome. Com alegria, vi que alguém se aproximava. Era um empregado da condessa d’Eu, vizinha do Barão de Rotschild. Ela estava me mandando um lanche delicioso, acompanhado de uma carta encantadora. (...) Mandou-me ainda uma medalhinha, que deveria colocar no punho, em minhas perigosas ascensões. Essa medalha nunca mais me abandonou.”

“Pronto o balão, voltei à experiência. (...) Contornei, mais uma vez, a Torre Eifell. Um segundo acidente aconteceu sobre o Trocadero: o aparelho, descendo rapidamente, chocou-se contra um prédio, ficando completamente destruído.” “De todas as partes, chegavam conselhos. Queriam que eu desistisse de minhas experiências, porque seria inevitável uma desgraça. Eu respondia apenas: - Daqui a três semanas.... recomeçarei.”

. “Logo construí outro balão, maior e com um motor mais possante. Era o nº 6. Ficou pronto em três semanas. No dia 19 de outubro, ao meio dia, contornei a Torre Eifell, a uma altura de 250 metros, sobre uma multidão entusiasmada, que me esperava no hipódromo d’Auteuil, onde havia corridas. A ovação chegou a ser delirante. Tinha previsto, para o percurso, 29 minutos e meio. A velocidade do aparelho foi tão grande, porém, que ultrapassei o ponto de chegada. Por esse motivo, aterrei 31 minutos depois da minha partida, pois não podia descer nem diminuir a velocidade da aeronave. Algumas pessoas queriam que esse fosse o tempo oficial gasto por mim. Seguiu-se forte polêmica, mas o julgamento me foi favorável. A comissão entregou-me o premio, que subiu a 120 mil francos. Dei 50 mil para meu mecânico e os operários que me haviam auxiliado e os restantes 70 mil a 1950 pobres de Paris, entregues pelo prefeito de polícia, M.Lépine. Tinha previsto cinco anos para chegar onde estava. Porém, só dois anos se passaram.”

. Sobre o surgimento do primeiro aeroplano, Dumont assim falou: “Fiquei dormindo, como se dizia, depois. Só reapareci três anos mais tarde, em julho de 1906, no campo de Bagatelle, com meu primeiro aeroplano. – Por que não o construí antes? – pode perguntar o leitor. – Porque o inventor progride lentamente.”
O genial inventor explica que se dedicara ao estudo do motor a gasolina. E registra a grande alegria que sentiu ao ser, novamente, convidado pelo Aero Clube para uma experiência de voo.
“Uma sensação. Meu aeroplano tinha dez metros de comprimento, 12 de envergadura, 80 de superfície total. Pesava 180 quilos e voava com um motor de 24 HP. Era um enorme biplano. A princípio, o aeroplano era suspenso por um balão, o último que construí, o nº 11. As manobras eram feitas na Bagatelle. Logo depois achei que podia dispensar esse conjunto híbrido, mas no primeiro vôo perdi a direção e cai. Alguns classificaram esse primeiro vôo de salto, por causa da queda...”
“Consertei o aparelho e nele fiz modificações, repetindo o treinamento de Bagatelle durante algumas semanas, até que, em 23 de outubro de 1906, perante a comissão cientifica do Aero Clube e uma impressionante multidão, consegui fazer um vôo de 250 metros. Esse vôo confirmou completamente a possibilidade de solução para o problema na navegação aérea.”

. Em seu histórico depoimento, Santos Dumond coloca nos justos termos a participação dos Irmãos Wright na conquista do espaço. “No ano seguinte, Farman realizou voos célebres. Depois dele, Bleriot. Somente dois anos mais tarde, os irmãos Wright fizeram experiências públicas.”

. Santos Dumont, no depoimento, acentua que o “Demoiselle”, foi a mais popular de suas aeronaves. “A Demoiselle, três vezes menor do que o 14-Bis, tinha 14 metros quadrados na superfície das asas. Voei nele todos os dias durante um ano e, por isso, ficou sendo o mais popular dos meus aparelhos.”

. O genial brasileiro alude à concretização de seus sonhos. “Trabalhei terrivelmente dez anos, até conseguir minha carta de piloto de monoplano. Possuía, assim, todos os diplomas concedidos pela Federação Aeronáutica Internacional. Mas estava cansado, muito cansado mesmo. Disse, então, aos meus amigos, minha intenção de encerrar minha carreira de homem do ar, mas tenho seguido, com a maior atenção, os progressos extraordinários da aeronáutica. É com grande ternura que os contemplo pois assisto à realização dos meus sonhos
.”

* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

Um comentário:

Tânia Penha disse...

Parabéns pelo artigo. Muito interessante.
Um abraço,

Tânia Penha
Assessora de Imprensa
Gab. Dr. Viana

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