sexta-feira, 17 de junho de 2011

O inimigo não é o fumante

Cesar Vanucci*


“O uso do tabaco é uma das principais
causas de mortes que poderiam ser prevenidas.”
(Organização Pan-americana de Saúde)


Pelo menos dois deles chiaram. Estou falando dos leitores que acompanham com alguma assiduidade estes maldigitados registros cotidianos. Acharam que andei passando da conta nas críticas ao tabagismo. Um deles não deixou por menos: - Mas logo você! Uma pessoa de mente aberta, dispondo-se a fazer coro com essa onda de satanização contra os fumantes!

Prometi-lhes retornar ao assunto, primeiramente para reiterar todo respeito e apreço pelo ponto de vista discordante dos leitores. A democracia, único regime compatível com a dignidade humana, é tecida disso mesmo, de diferenças em idéias e posturas. Faço questão de deixar clareada uma coisa. Se existem pessoas e organizações, engajadas em campanhas de arregimentação popular, que se valem de processos radicais na propagação da causa, com pregações doutrinárias na base do “crê ou morre”, tão do agrado fundamentalista, esses aí, seguramente, não frequentam a mesma praia que eu frequento. O inimigo, na batalha contra os danos à saúde, qualidade de vida e meio ambiente provocados pelo tabagismo, não é o fumante.

O viciado em cigarro é que nem o viciado em outros produtos prejudiciais que levam à dependência química. É vítima, não réu.

A indústria fumageira, com os artifícios de que lança mão continuamente, para não se ver privada das colossais receitas auferidas em cima do grave problema de saúde pública que criou no mundo inteiro, esta sim, é a grande vilã, o réu certo e sabido do processo. O entendimento de tão sonante realidade fica claramente estampado nos debates, folhetos, estudos, avaliações do problemaço relativo ao uso do cachimbo promovidos amiúde pelo pessoal engajado na causa de combate ao tabagismo. Na quase totalidade das manifestações e alertas não me deparo, falando verdade, com nada que possa dar sustentação aos receios alimentados pelos dois amigos leitores quanto à hipótese de um esquema articulado de violentação mórbida, no consagrado estilo talebã, às opções equivocadas dos fumantes.

É evidente que as advertências deixam marcas. Podem acarretar, em exames de consciência pessoal, situações impactantes. Afinal de contas, com as campanhas sistemáticas em curso, redobradas de tempos a esta parte, ninguém mais tem o direito de permanecer na ignorância quanto aos males do tabagismo. Ninguém mais desconhece a lista interminável de doenças originárias das tragadas do dia-a-dia e nem o fato de que a nicotina, como resta cientificamente comprovado, causa dependência, por processos biopsicossociais, parecidos com os da cocaína, álcool e heroína.

Informações assim não podem deixar de ser passadas aos fumantes, educadores, pais, legisladores, concitando-os a uma reflexão. É uma maneira que as pessoas sinceramente preocupadas com a qualidade de vida e a convivência humana encontram de ajudar na construção de um mundo melhor.


* Jornalista (cantonius@click21.com.br)


Falou sem dizer



“Palocci não deu explicações, deu desculpas.”
(Senador Demóstenes Torres)


O Ministro falou, mas não disse. Rodeou toco, como se diz na saborosa linguagem roceira. Na entrevista da tevê lembrou-me, em muito, dois personagens famosos dos anos 50. O primeiro, do mundo dos espetáculos. O segundo, da cena política internacional. Cantinflas, grande comediante mexicano, o primeiro deles, encantava o público com o jeito engabelador, prosa encachoeirada, uma espécie de “rosca sem fim” que não levava a nada. Gromiko, o outro personagem, porta-voz da política externa nos “anos de chumbo” do fechadíssimo império bolchevista, carregava no semblante um enigma de difícil decifração.

Antônio Palocci incorporou, no papo com o repórter, um pouco de cada qual. Ouviu, com imperturbabilidade esfíngica, às perguntas. Respondeu-as até de forma copiosa, sem perder a fleuma e sem passar qualquer toque de emoção às palavras. Restou subentendida a disposição de empurrar a história com a barriga.

Sua saída do Ministério trouxe – como não? - alivio. Conquanto se possa vislumbrar nas denúncias formuladas uma dose de indesejável passionalismo político, o episódio é de molde a proporcionar desdobramentos didáticos que não devem deixar de ser enfatizados. É preciso ficar bem claro, agora e sempre, a todo ocupante de função pública, que o exercício democrático implica na sujeição a regras de rigorosa transparência quanto a atos praticados pertinentes ao interesse comunitário.

Por conseguinte, um pedido de explicações, acerca do crescimento súbito, exagerado, do patrimônio pessoal de alguém faz parte da normalidade institucional. Traduz, naturalmente, louvável preocupação e zelo pela lisura dos negócios feitos em nome da coletividade. A regra se aplica a qualquer agente público, em quaisquer escalões. O episódio Palocci sugere, por sinal, aos órgãos de controle social que se conservem sempre alertas no acompanhamento das ações dos servidores públicos, de maneira a refrear aqueles que cometam a ousadia de extrapolar, com gastos e aquisições patrimoniais suspeitosos, os limites da renda declarada. Quando irregularidade desse jaez ocorre, o sinal de alerta precisa soar. Alguma coisa provavelmente danosa ao interesse social pintou no pedaço. É hora de esclarecimento convincente. Esclarecimento que não pode, jeito maneira, ser sonegado à opinião pública.


* Jornalista (cantonius@click21.com.br)


A Bolsa e a Petrobras



“Prefiro a segurança dos míseros
0,6% da poupança, à miragem dos ganhos bursáteis.”
(Alzira Maria Fagundes, costureira)


Vezes sem conta, ouço alguém ligado ao mundo dos negócios lastimar a parca participação popular no mercado de ações. Aplicações em ações não fazem parte, realmente, das cogitações preferenciais (em matéria de investimento) da grande maioria dos brasileiros. Poupadores de todas as categorias costumam carrear para outras diversificadas modalidades que acenem com ganhos financeiros o fruto de suas economias.

Não me sinto, com máxima sinceridade, preparado para explicar convincentemente a razão, ou as razões, das coisas funcionarem entre nós desse modo. Em desacordo, ao que se proclama por aí, com a tendência observada noutras partes do planeta, nos países de economia consolidada, onde a formação de carteiras pessoais de ações frequenta sempre a agenda dos investidores, independentemente de seu porte econômico. Imagino existirem respeitáveis motivações culturais e sociológicas a serem invocadas como justificativa para esse comportamento comunitário avesso à compra de ações. Escriba de vôos limitados, deixo entretanto essa justificativa a cargo de pessoal provido de conhecimento mais dilargado da realidade trepidante do mundo dos negócios.

Mesmo assim, por vezo profissional do qual não consigo, jeito maneira, desvencilhar-me, arrisco a palpitar algo acerca do assunto. Meter a colher de pau em panelas alheias é parte, aliás, do ofício de repórter. A relação da gente do povo com as assim denominadas atividades bursáteis é regida, reconheçamos, por certa suspeição. O cidadão comum nutre dose avultada de desconfiança com relação a Bolsa. Considera tudo, nesses domínios, enigmático. Distanciado demais da conta do entendimento trivial das ruas. Em seu modo pragmático de apreciar e definir os fatos do cotidiano, imagina que os bastidores do negócio de ações sejam ocupados por peagadês em manipulações de dados e números. A serviço, provavelmente, de megaespeculadores. O sobe e desce das cotações seria ditado, dentro dessa linha de raciocínio, por jogo de conveniências com acesso total facultado a pouquíssimos e privilegiados personagens. O espesso invólucro de mistério que recobre tais atividades leva as pessoas a se intrigarem, a se espantarem mesmo, por exemplo, com a evolução insatisfatória da movimentação comercial das ações de uma empresa como a Petrobras. Uma empresa que, obviamente, vive instante incomparável no plano das descobertas e das realizações. (Ou, até mesmo, de outra empresa brasileira, também em triunfante ascensão, como a Vale do Rio Doce, que em momento declinante de inspiração cívica veio a ser recentemente  rebatizada como Vale). Voltando para o caso da Petrobras, fica difícil pacas para o homem comum entender a linguagem empregada no mercado de ações, quando o noticiário referente aos negócios do setor registra quedas repetitivas surpreendentes da estatal petrolífera no frenético movimento do mercado acionário. Ora, a Petrobras, é sabidamente a organização que maior expansão acusa no cenário energético internacional. É, reconhecidamente, a maior empresa brasileira e latinoamericana em receita bruta, lucro líquido, patrimônio, detentora de inigualável potencial, no plano mundial, na exploração de energia. Como entender, Deus do céu, a minguada cotação de suas ações?

Apreciaria muito que especialistas na matéria se dignassem a explicar, com exatidão, essa história, pra lá de desconcertante,  dos resultados insatisfatórios anunciados com frequência pelo Ibovespa a propósito das ações da Petrobras.

Taí charada que clama por decifração!


* Jornalista (cantonius@click21.com.br)

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