sexta-feira, 17 de agosto de 2018


Flagrantes da hora política

Cesar Vanucci

“No curto espaço de tempo reservado à propaganda
eleitoral, os ilustres candidatos vão ter que explicar a que vêm.”
(Domingos Justino Pinto, educador)

l Com a abertura da temporada das entrevistas e debates com os candidatos a Presidente, os eleitores estão tendo oportunidade de conhecer mais de perto as ideias e propostas dos que disputarão nas urnas sua preferência e simpatia. Pelo que já deu pra perceber até agora, Ciro Gomes, do PDT, vem levando nítida vantagem, com relação aos oponentes, em matéria de conhecimento de causa, vivência pública, capacidade para expor planos e projetos e em expender argumentos a respeito de questões relevantes, de ordem administrativa e política, trazidas à mesa de debates pelos entrevistadores. Verifico também que esta mesma impressão ganha corpo até entre pessoas que criticam o ex-governador do Ceará, por vezes com veemência, pelas atitudes temperamentais ao mesmo imputadas amiúde. Não me surpreenderá nadica de nada qualquer relato acerca de eventual crescimento dos índices do candidato nas pesquisas vindouras.

l Está certo. Pesquisa é uma coisa, eleição é outra coisa. Cabe, aliás, relembrar que, em mais de uma ocasião, os resultados numa e noutra situação, como se diz no popular, acabaram não conjuminando... Mas mesmo com a salvaguarda de que elas exprimam tendências momentâneas, suscetíveis, por conseguinte, às chuvas e trovoadas de possíveis alterações, as consultas prévias aos eleitores sobre em quem pretendem votar não podem deixar de ser consideradas um tipo de manifestação da vontade popular que reclama de observadores qualificados análises e interpretações cuidadosas. A preferência manifesta, há meses num crescente, pelos nomes de Lula a Presidência e de Dilma para o Senado em Minas Gerais, com números bem superiores aos contendores, merece por certo aprofundada reflexão. Qual o verdadeiro significado disso tudo? De outra parte, a circunstância de a candidatura Jair Bolsonaro despontar, nas mesmíssimas pesquisas, neste preciso momento, mesmo que os índices ostentados não sejam muito significativos, à frente dos outros contendores na hipótese da ausência na pugna eletiva do ex-presidente, é um outro indicador a pedir  análise circunstanciada.


l Ninguém em sã consciência deseja, obviamente, nesta quadra da vida nacional, que a instabilidade política, social e econômica se agrave. Esse papo de “quanto pior, melhor” afronta o bom senso, alveja a cidadania. Consulta apenas conveniências deletérias detectadas nas lateralidades ideológicas incendiárias. Eleições à vista, o que toca a todos nós é aguardar, com serenidade e esperança, a possibilidade que a democracia alentadoramente nos proporciona de poder buscar, pelo voto consciente, legítima e inteligentemente, a almejada correção dos desacertos acumulados em nossa trajetória como Nação vocacionada a desempenhar papel de grandeza no cenário internacional. Tudo isso devidamente considerado, é bom, entretanto, não perder de mira o que se segue. Se a impopularidade dos detentores do poder político  é de molde a afetar a capacidade administrativa, como de certo modo ficou positivado no episódio do impedimento de Dilma Rousseff, a Nação encontra razões de sobra para externar preocupações na hora presente. Todas as avaliações sobre a atuação do governo Michel Temer, procedidas pelos institutos de pesquisas, envolvendo manifestações sobre o grau de confiança nele depositado pelos diversos segmentos comunitários, acusam ausência flagrante de empatia e existência de avolumada dose de desconfiança no sentimento popular. Mesmo contando com relativa boa vontade da mídia, satisfatório apoio parlamentar – sabe-se lá à custa de que ordem de compromissos! – e de razoável ajuda das lideranças representativas das classes produtoras, os dirigentes do poder central amargam as vicissitudes de um descrédito popular nunca, dantes, jamais registrado em nossa crônica republicana. Isso aí!

l O eleitor consciente está calvo de saber que a correção de rumos ardentemente almejada pela sociedade nas eleições que se avizinham passa, obrigatoriamente, pela escolha de candidatos que saibam projetar o autêntico sentimento nacional. Cidadãos de ilibada reputação, dotados de capacidade de liderança, inteligência, cultura, engenho criativo, sensibilidade social, visão empreendedorista. Além disso, claro está, providos de espírito aberto, sólida formação democrática, avessos a preconceitos de raça, de gênero, de credo, prontos para confrontar posturas malévolas nascidas do obscurantismo cultural, da fanatice e radicalismos.


Dois pronunciamentos memoráveis

Cesar Vanucci

“... os homens não são meros valores quantitativos.”
(Aristóteles Atheniense, mestre do Direito)

Deparo-me em publicações recentes, originárias de uma mesma fonte matricial do saber jurídico mineiro, a OAB, com dois memoráveis pronunciamentos. A revista “Vanguarda”, editada pela “Caixa de Assistência dos Advogados de Minas Gerais”, órgão vinculado à OAB, estampa o discurso proferido pelo advogado Aristóteles Atheniense, patrono da “16ª Conferência da Advocacia Mineira” realizada em Juiz de Fora.

Enfatizando seus 60 anos de exercício ininterrupto de atividade profissional, que o tornam decano dos advogados militantes da Justiça no Estado, o conceituado causídico valeu-se do encontro “para concitar a mocidade a reagir com as reservas de sua virilidade, de sua saúde moral, de sua coragem, em plasmar um Brasil bem diferente do atual.” O encontro em questão reuniu 4 mil profissionais do Direito, sendo considerado o maior evento do gênero já levado a efeito nas Gerais.

Dentro da mesma linha conceitual adotada acima, Aristóteles Atheniense sublinhou em sua eletrizante fala, ainda, o seguinte: “Advirto os jovens advogados para que não se deixem levar pelo marasmo, nem transijam com a estagnação ética que assola a Nação. Indago-lhes: que esperança pode sorrir uma pátria cuja geração, adormecida e sonolenta, perdeu a intuição de sua grandeza? Que esperar daqueles que fizeram do egoísmo a sua maneira de viver, asfixiados pelo imediatismo? Como conviver com uma linhagem que aderiu ao descrédito, dando mostras de desânimo, descrente de si mesma, sem confiança no dia de amanhã?” Mais adiante, ponderou: “A mocidade que perdeu o contato com as grandes realidades espirituais, com abolição destes instintos subjacentes e profundos, passou a desinteressar-se pelo país e sua história. Doravante, não produzirá fecundo e dilatado futuro. Este é obra do esforço, da ousadia, do pensamento construtivo, que levam a ação criadora e enérgica. Convenhamos que a ideia e o sentimento não bastam para produzir a vontade. É preciso alimentar, também, a vontade de querer, respaldada na inteligência.” Em outro momento, mestre Atheniense, conselheiro nato da OAB, ressaltou que “o problema vital do Brasil hodierno está em readquirir a vontade, a capacidade de dirigir, repelindo, diariamente, as tentações sedutoras que levam a um enriquecimento tão fácil, como vergonhoso.”

Disse ainda que a cultura do Direito contribui para que seja consolidada a ordem moral, o que reclama o “combate à devassidão em prol da paz jurídica, em que os órgãos de expressão nacional adquirem a plenitude de suas funções e de sua vitalidade.” Mais esta reflexão magistral é extraída do mencionado discurso: “O papel fundamental do jurista, na era da tecnologia, consiste em corrigir as distorções da mentalidade cientificista, que só compreende os números e não percebe que os homens não são meros valores quantitativos.”

O segundo pronunciamento, a que faço alusão no introito deste comentário de hoje, veio divulgado na revista “Pela Ordem”, da OAB Minas. José Afonso da Silva, mineiro de Pompéu, o autor. Com atuação centrada em São Paulo, é considerado um de nossos maiores especialistas em Direito Constitucional. Formulador de parte da doutrina constitucionalista vigente, mostra-se taxativo, numa substanciosa entrevista, rica de lições, em proclamar que o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, “a vem emendando, às vezes até invertendo o seu sentido.” Deixa frisado que “o trânsito em julgado se dá quando a decisão não comporta mais nenhum recurso, ordinário ou extraordinário.” Acrescenta que “essa norma não pode ser modificada nem por emenda constitucional, porque ela veicula um direito fundamental da pessoa humana, garantida pelas chamadas cláusulas pétreas.” Registra, também, “que a decisão do Supremo Tribunal Federal admitindo a execução provisória da pena antes do trânsito em julgado (depois da segunda instância) fere a Constituição.” Chama a atenção, logo após, para um fato significativo: “Como não há ninguém que possa rever as decisões do STF, pode-se dizer que essa garantia fundamental corre risco.”

Como afiançado no começo, aí estão pronunciamentos memoráveis, plenos de sabedoria e de atualidade reluzente, ambos os dois.

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