sexta-feira, 10 de agosto de 2018


A ardente expectativa dos eleitores

Cesar Vanucci

“A democracia é, antes de tudo, um estado de espírito.”
(Pierre Mendes-France, político francês)


O que, na realidade, anda acontecendo e pode até ser previsto, a esta altura do campeonato, quando as pessoas já cuidam de desentranhar o título eleitoral da pasta de documentos recolhida à gaveta do armário?  Falar verdade, para começo de conversa, nem mesmo as criaturas de raciocínio mais lerdo alimentam ilusão quanto à possibilidade de escaparmos ilesos dessa baita encrenca gerada pelas tricas e futricas da politicagem.

 O cenário mostra-se mais sensível a palpites do que a diagnósticos. A zorra criada pelos casuísmos de sempre torna temerária qualquer análise com pretensão de ser levada a sério. Esta abertura ampla, geral e irrestrita das comportas do fisiologismo mais descarado, patrocinada pelas incorrigíveis agremiações partidárias, eleva o tom da perplexidade nas ruas. Afigura-se difícil vislumbrar, com algum grau razoável de precisão, os reais posicionamentos e ideias dos candidatos, sobretudo aos postos majoritários.

Com o “desconfiômetro” focado nos esquemas empregados pelas legendas nas composições das alianças, os atônitos votantes encontram fartas razões para admitir algo que soa meio constrangedor. As semelhanças detectadas entre os concorrentes aos cargos em disputa são muito mais acentuadas do que, a princípio, seria próprio imaginar. Afinal de contas, a pugna eleitoral envolve um número elevado de legendas. As diferenças de comportamento, face a tal circunstância, deveriam ser marcantes. Dando voz ao seu inconformismo, parte das legiões que se mobilizam para ir às urnas não titubeia em sintetizar numa amarga sentença a impressão deixada pelas pregações, até aqui pelo menos, dos postulantes às funções de maior realce: farinha do mesmo saco...

Tudo quanto posto não é de molde, nada obstante, fique claro, para negar a importância fundamental da eleição que se avizinha em nosso processo evolutivo como Nação. A democracia, único regime político consentâneo com a dignidade humana, reconhece as eleições como eventos válidos para a corrigenda de desacertos eventualmente praticados pelos políticos. Já que, agora, o quadro dos contendores ao pleito de outubro se acha praticamente definido, a recomendação apropriada é tocar a bola pra frente. É compreensível, portanto, à vista disso, que o eleitorado se ponha na ardente expectativa de que os ungidos se compenetrem da necessidade de explicar melhor, com argumentos convincentes, a que vêm. A esclarecer nos devidos conformes a imensa plateia, ávida por informações, sobre suas propostas, seus projetos. Dar a conhecer suas percepções a respeito de um mundão de questões essenciais. A apontar, para um tantão de tormentosos problemas, soluções harmonizadas com as aspirações da sociedade.

O sagrado interesse coletivo espera que, nos debates, na divulgação dos programas, nas entrevistas, em toda e qualquer modalidade de manifestação endereçada aos eleitores, os candidatos digam sem rebuços, com persuasiva convicção, coisas até agora fugidias em seus contatos com as camadas populares. Interessa a todos saber as propostas que trazem na mente no sentido de promover a retomada do desenvolvimento econômico e social.

Um país com as prodigiosas potencialidades deste nosso Brasil não se conforma com o marasmo, com a impactante inação que vêm pontilhando, em tempos mais recentes, sua trajetória rica em perspectivas alvissareiras. Uma eleição no regime democrático acena com possibilidades de benfazejas transformações. Ser candidato a funções que enfeixem poderes em condições de definir rumos corretos nas mudanças sociais e econômicas almejadas exige uma sintonia fina com o genuíno sentimento nacional. Isso implica em indesviável compromisso com atitudes de defesa desassombrada de nossa soberania. Em posturas, obviamente éticas, que confiram prioridade aos objetivos sociais no esforço pela ampliação das áreas do bem-estar coletivo.

É mais do que justo, por conseguinte, aguardar-se, agora, no estreito tempo destinado à propaganda eleitoral, que os personagens escolhidos nas convenções partidárias se consagrem, com todo denodo que lhes seja possível, a expor, clara e inequivocamente, as ideias que os impulsionam a reivindicar a preferência e simpatia dos eleitores. Imprimir transparência solar à campanha pela conquista de votos representa contribuição digna de nota ao esforço que se deseja da classe política em procurar reverter, um pouco que seja, a frustração causada pelos desatinos cometidos por muitos de seus representantes.

  
As raízes milenares do machismo

Cesar Vanucci

“A mulher deve adorar o homem como a um deus.”
(Assim falou Zaratustra)

As raízes do machismo são milenares. Isso remete à evidência de que a estupidez do bípede humano não conhece limitações nem de tempo nem de espaço. Recebo, pelo correio eletrônico, um punhado de registros que têm como foco a mulher. Uma dessas mensagens abarca curiosa compilação de escritos antiquíssimos, alguns extraídos de livros sagrados. O material coloca-nos, estupefatos, diante de processos culturais tremendamente preconceituosos, rançosamente machistas, que predominaram (e em alguns lugares do mundo ainda predominam) em períodos despojados de sensibilidade social e de respeito à dignidade humana.

Assim, por exemplo, falava Zaratustra, célebre filósofo persa, pregando para fervorosos seguidores no século VII anterior a era cristã: “A mulher deve adorar o homem como a um deus. Toda manhã, por nove vezes consecutivas, deve ajoelhar-se aos pés do marido e, de braços cruzados, perguntar-lhe: Senhor, que desejais que eu faça?”

As “Leis de Manu”, livro sagrado da Índia, reforçam o atordoante coral da intolerância: “Mesmo que a conduta do marido seja censurável, mesmo que este se dê a outros amores, a mulher virtuosa deve reverenciá-lo como a um deus. Durante a infância, uma mulher deve depender de seu pai, ao se casar de seu marido, se este morrer, de seus filhos e se não os tiver, de seu soberano. Uma mulher nunca deve governar a si própria.”

O célebre Código de Hamurabi, constituição nacional da Babilônia, outorgada pelo rei Hamurabi, que sustentava havê-lo concebido sob inspiração divina no século XVII a.C., não deixa por menos: “Quando uma mulher tiver conduta desordenada e deixar de cumprir suas obrigações do lar, o marido pode submetê-la à escravidão. Esta servidão pode, inclusive, ser exercida na casa de um credor de seu marido e, durante o período em que durar, é lícito a ele (ao marido) contrair novo matrimônio.”

No Alcorão, livro sagrado muçulmano, recitado por Alá a Maomé no século VI; na fala de São Paulo, apóstolo cristão no ano 67; e nas prédicas de Lutero, teólogo alemão da reforma protestante no século XVI, topamos, também, com manifestações que reservam à mulher papel de total submissão na convivência social e familiar. Alcorão: “Os homens são superiores às mulheres porque Alá outorgou-lhes a primazia sobre elas. Portanto, dai aos varões o dobro do que dai às mulheres. Os maridos que sofrerem desobediência de suas mulheres podem castigá-las, deixá-las sós em seus leitos, e até bater nelas. Não se legou ao homem maior calamidade que a mulher.” Paulo: “Que as mulheres estejam caladas nas igrejas, porque não lhes é permitido falar. Se quiserem ser instruídas sobre algum ponto, interroguem em casa os seus maridos.” Lutero: “O pior adorno que uma mulher pode querer usar é ser sábia.”

Pois não é que até Aristóteles, filósofo helênico apontado por Dante como “o mestre dos que sabem” (“Il maestro dicolor che sanno”) entra firme nessa onda de insensatez que, ao longo dos tempos, condena a mulher a uma condição servil no relacionamento social! Manjem só a babaquice proferida pelo preceptor de Alexandre, o Grande, no século IV a.C.: “A natureza só faz mulheres quando não pode fazer homens. A mulher é, portanto, um homem inferior.” Possuído do mesmo desvario, Henrique VII, que acumulava no século XVI as funções de rei da Inglaterra e chefe da Igreja Anglicana, é autor de proclama onde se assinala que “as crianças, os idiotas, os lunáticos e as mulheres não podem e não têm capacidade para efetuar negócios.”

A Constituição inglesa do século XVIII vinha impregnada desses mesmos xenofóbicos conceitos: “Todas as mulheres que seduzirem e levarem ao casamento os súditos de Sua Majestade mediante o uso de perfumes, pinturas, dentes postiços,  perucas e recheio nos quadris, incorrem em delito de bruxaria e o casamento fica automaticamente anulado.” Já bem antes desse inacreditável dispositivo constitucional britânico, um “Tratado de conduta moral e costumes da França”, editado no século XIV, fixava severos critérios a serem observados, pela “vítima”, nos casos de um homem ser molestado com “repreensão em público por uma mulher”. “Cabia-lhe, legalmente, o direito de derrubá-la com um soco, desferir-lhe um pontapé e quebrar-lhe o nariz para que assim, desfigurada, não se deixe ver, envergonhada de sua face. E é bem merecido, por dirigir-se ao homem com maldade de linguajar ousado.”

A mensagem que enfeixa os textos aqui reproduzidos é arrematada, pela leitora que a enviou a este escriba, com os seguintes comentários: “Por esses escritos vê-se quão árduo foi o caminho para as mulheres chegarem aos dias de hoje em igualdade de condições com os homens. Infelizmente, em muitos países islâmicos, a situação das mulheres parece continuar a mesma retratada nesses escritos milenares”. Escritos? Melhor dizendo, estultices milenares.


Estultícias machistas milenares

Cesar Vanucci

“Tirante a mulher, o resto é paisagem.”
(Dante Milano, poeta)

As estultices milenares, muitas retiradas de textos sagrados, enfeixadas no comentário passado, alusivas às distorcidas avaliações ao longo dos tempos, em diferentes culturas, do papel da mulher na caminhada humana fizeram chover manifestações. Era de se esperar.

De perplexidade, parte delas. Caso do Pedro de Paula: “Quanta babaquice amontoada, santo Deus! Como levar a sério o que esses caras famosos pregavam pra gente?” De incredulidade, noutros casos. Andréa Cecconie, por exemplo, avisa que vai conferir a veracidade do que foi anotado na conta de afirmações pertencentes a pensadores eminentes, tipo Paulo de Tarso, Maomé, Lutero. “Não é possível que esse pessoal todo junto tivesse da mulher conceito tão ridículo e humilhante”, repica, em sua vez de falar, Thelma Garcia.

“E o tal “tratado de conduta moral e costumes da França”, adotado no século XIV, que delegou aos machos o direito de exemplar com sopapos e pontapés as mulheres que ousassem repreendê-los em público, coisa mais maluca!” reage, a seu turno, Hirand Ferreira. O próprio leitor faz menção a um dito atribuído a Nietzsche, em que tanto a mulher quanto o homem são alvejados em cheio na avaliação pessimista que o filósofo alemão tinha da condição humana: “A mulher foi o segundo erro de Deus!”

Mas, a exemplo do que ocorre noutras reações suscitadas pelas revelações estampadas no artigo, toma ainda o cuidado de juntar, para apreciação dos frequentadores deste espaço de ideias e quimeras, outras frases mais, também de celebridades, que servem, de certo modo, para contrabalançar o amontoado de asnices (acerca da mulher) pratrazmente registrado. Uma dessas novas frases: “O palpite de uma mulher é muito mais preciso que a certeza de um homem”, de ninguém nada mais, nada menos que Rudyard Kipling, o poeta do célebre “Se”. Um intelectual iluminado que, ao traçar o perfil ideal do ser humano, bolou esse primor de verso: “Se podes conservar a fé, quando à tua volta, atribuindo-te a culpa, os outros a perderam. Se, confiando em ti mesmo, aceitas sem revolta que duvidem de ti os que não te entenderam (...), és um homem!”

Patrícia Alvim é outra que confessa não haver gostado nadica de nada das “sandices lidas”. Contrapõe às chauvinistas afirmações meigos registros brotados em instantes mais inspirados da inteligência. Aqui estão: “Tirante a mulher, o resto é paisagem”, do poeta Dante Milano (1899), “Pois a mulher é a grande educadora do homem”, de Anatole France. “Mulher bela é uma graça: espanta melancolias, consola mágoas de amor”, trecho também milenar extraído do “Livro dos Cantares”, conhecido no século VI a.C.

Encurtando razões: tenho em mãos, também, mais esta manifestação de leitor não identificado rebatendo o besteirol machista coligido. O sugestivo texto a seguir apresentado, intitulado “Alma de Mulher”, é de autor não revelado.

“Nada mais edificante do que ser mulher... / Mulher terna e meiga que pensa com o coração, / age pela emoção e vence pelo amor. / Que vive milhões de emoções num só dia / e transmite cada uma delas, num único olhar. / Que cobra de si em total desprendimento, a perfeição / e vive, com espírito misericordioso, arrumando desculpas / para os erros daqueles a quem ama. / Que hospeda no ventre outras almas, / dá a luz e depois fica embevecida, / diante da beleza dos filhos que gerou. / Que dá as asas, ensina a voar / mas não quer ver partir os pássaros, / mesmo sabendo que eles não mais lhe pertencem. / Que se enfeita toda e perfuma o leito, / ainda que seu amor / nem mais perceba, às vezes,  tais enternecedores detalhes. / Que como uma feiticeira / transforma em luz e sorriso / as dores que sente na alma, / só pra ninguém notar. / E ainda tem que ser forte, / pra dar os ombros / para quem neles precise chorar. / Feliz do homem que por um dia / sabe entender a Alma da Mulher!”

2 comentários:

Cláudia disse...

Mulher...feliz de quem penetra em teu mistério...Torquato Neto

Cláudia disse...

Mulher...feliz de quem penetra em teu mistério...Torquato Neto

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