sexta-feira, 24 de novembro de 2017

O que aconteceu 
era de fácil previsão

Cesar Vanucci

“A Justiça é a verdade em ação.”
(Joseph Joubert, pensador francês)

Tempos estranhos, deveras estranhos. A confusão é geral, comentaria Machado de Assis. Ilustres Ministros do Supremo embaralham ainda mais, no capricho, o entendimento das coisas. Confessam-se “perplexos” diante de recente decisão da enxovalhada Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Cabe recapitulação dos fatos. Os parlamentares cariocas, contaminados pelo fisiologismo dominante na praça, resolveram, numa ação fulminante, de intensa repercussão, revogar o ato judicial que ordenou a prisão preventiva, bem como o afastamento do mandato do presidente da Casa e de outros dois deputados acusados de beneficiários num esquema de “propinas milionárias”. Manda a verdade reconhecer a forte inconsistência desse alardeado espanto. Uai! Pois não foi o próprio STF, em histórica deliberação tomada na sessão plenária de 11 de outubro passado, que andou criando a oportunosa ensancha – ardentemente almejada por expressiva parcela da comunidade política – permitindo a detentores de mandatos eletivos, comprometidos em maracutaias estrondosas, livrarem a cara em casos de indiciamento, hein? O que simplesmente pintou no pedaço estava claramente previsto. Trata-se do óbvio ululante, diria Nelson Rodrigues.

A decisão em causa produziu, como todo mundo sabia que iria acabar acontecendo, vertiginoso “efeito cascata”, que não vai parar por aí. A “jurisprudência firmada” renderá ainda outros episódios danados de desconcertantes, não há descrer.

A Alta Corte, relembremos, definiu que caberia ao Senado Federal dar uma palavra final a respeito das medidas punitivas impostas pelo Ministro Edson Fachini ao Senador mineiro Aécio Neves. Os pares do Senador, valendo-se da prerrogativa que se lhes foi atribuída, optaram então por tornar sem efeito as sanções determinadas pelo relator da “Lava Jato”. Emergiu assim o “fundamento jurídico”, por sinal já suscitado em mais de uma ocasião, que o corporativismo político tanto esperava mode que poder blindar-se em eventuais casos de diligências coercitivas ordenadas pela Justiça no curso de investigações que tenham parlamentares de todas as esferas como alvo.

Tudo quanto exposto leva a uma conclusão. Parece chegada, a esta altura do campeonato, a hora de o Supremo Tribunal Federal promover no âmbito doméstico uma aprofundada reflexão sobre a verdadeira natureza e sentido de seu papel na atual conjuntura brasileira. A sociedade reconhece que o órgão é integrado por luminares do saber jurídico. Conserva acesa a esperança em sua atuação. Os sagrados ditames da missão de que se acham investidos recomendam aos dignos togados permaneçam distanciados das refregas políticas. Aconselham procurem se resguardar quanto as circunstâncias suscetíveis de gerar paixões com toque partidário. A opinião pública não esconde desaponto e desconforto quando percebe que algum magistrado de alta preeminência se deixa seduzir pelas efêmeras cintilações da notoriedade instantânea, proporcionada pelos holofotes midiáticos, e se aventura, falando às vezes pelos cotovelos, a opinar sobre tudo quanto se lhe é perguntado. Às vezes, até mesmo, antecipando posicionamentos alusivos a questões que possa vir a julgar. A majestade da função é aí inclementemente alvejada e receios naturalmente afloram às preocupações gerais quanto à condição isenta necessária para garantir do magistrado que faça cumprir com fidelidade a justiça.

Justiça essa que, na essência, outro valor não representa senão a verdade em ação, como propunha, já em seu tempo, o pensador francês Joseph Joubert.


ALTM, ano 55

Cesar Vanucci

“Contista, jornalista, conferencista, crítico literário, 
Edson Gonçalves Prata é um autêntico homem de letras.”
(José Mendonça, primeiro presidente da 
Academia de Letras do Triângulo Mineiro)


Meu fraternal amigo João Eurípedes Sabino, presidente da Academia de Letras do Triângulo Mineiro (ALTM), pede-me uma palavra sobre os 55 anos da valorosa instituição. No afã de atendê-lo, ligo o vídeo cassete da memória, fixando-me em imagens em que apareço como protagonista e testemunha ocular relativas ao começo da história.

O nome do sempre lembrado Edson Gonçalves Prata, é o primeiro a aflorar nas ternas recordações. Ele foi o principal artífice na construção da grande obra cultural da ALTM na fase prefacial a que me reporto.

Naquele tempo, o diário “Correio Católico” (12 mil assinantes, recorde na atividade jornalística no interior) circulava com um suplemento literário aos sábados em formato tabloide. Eu era o editor geral do jornal. Entre os ilustres colaboradores do suplemento lá estava o Edson, advogado e professor conceituado, alto funcionário do Banco do Brasil, estudioso da obra de Machado de Assis. Seus artigos sobre o autor de Dom Casmurro eram apreciadíssimos. Muita gente os colecionava. Ressalte-se que o caderno literário nº 2, fevereiro de 1964, lançado pela Academia, enfeixa alguns desses trabalhos.

Numa das visitas frequentes que fazia ao jornal, Edson participou-me, solicitando colaboração e sugestões, que estava a se ocupar, já algum tempo, da coleta de dados e informações necessários para a elaboração da proposta de constituição de uma Academia literária com abrangência regional. Engajei-me, de pronto, na empreitada. Numerosas reuniões preparatórias foram feitas, a partir dessa troca de ideias, na redação do “Correio Católico” e no escritório de Edson, instalado ao lado de sua residência, a poucos metros de distância da sede atual da Academia, imediações da Casa da Criança. Quando a proposta ganhou formato nas linhas gerais, contatos foram feitos com os grandes personagens que vieram compor e engrandecer o quadro dos sócios fundadores. O notável pensador Juvenal Arduini foi o primeiro consultado. Padre Antônio Thomaz Fialho, doutor Augusto Afonso Neto, Padre Tomaz de Aquino Prata foram, na sequência, os intelectuais de projeção procurados. Todos aderiram com entusiasmo à ideia. Por sugestão do Edson, infatigável no afã de tornar realidade palpitante seu ardente sonho, o nome de José Mendonça foi apontado como ideal, pelos incontáveis méritos de inteligência, cultura, liderança, para comandar o processo de estruturação da Academia. A sugestão foi levada ao conhecimento do inesquecível Arcebispo Alexandre Gonçalves Amaral. Ele considerou a escolha excelente. O grande romancista Mário Palmério também ofereceu decisivo apoio à iniciativa.

Para a residência de José Mendonça, onde também funcionava seu escritório de advocacia, foram então deslocadas as reuniões preparatórias com vistas ao lançamento oficial da Academia. O quadro de fundadores, o estatuto, a forma de atuação, a formação da primeira diretoria, os convites a escritores, poetas e jornalistas de Uberaba, de Uberlândia e de outros lugares para que viessem a integrar os quadros acadêmicos, tudo isso foi sendo laboriosamente delineado numa sucessão de proveitosos encontros até o momento decisivo da implantação solene da Academia.

Apraz-me registrar, nessa sequência de lembranças, que o título da futura revista oficial da ALTM, “Convergência”, foi por mim sugerido numa das primeiras reuniões. O modelo dos cadernos literários da Academia, editados nos primeiros anos da instituição, foram também concebidos também nessas reuniões preliminares.

Esse esforço preparatório germinou, floresceu, rendeu frutos compensadores. Marcou o ponto de partida do avultado trabalho, de singular fecundidade, que ao longo de décadas, desencadeado na gestão de José Mendonça, desdobrou-se nas gestões de Augusto Afonso Neto, Edson Gonçalves Prata, Guido Bilharinho, Maurílio Cunha Campos de Moraes e Castro, Jacy de Assis, José Soares Bilharinho, Mário Salvador, Terezinha Hueb Menezes, José Humberto Henriques, Jorge Nabut, Ilcéa Borba, de modo a que pudesse vir a ser entregue, na administração João Eurípedes Sabino, inaugurada sob os melhores auspícios, uma obra consolidada, repositório precioso e perene de saberes acumulados, de riquíssimas experiências, verdadeiramente representativa, como se preconizou bem lá atrás, da inteligência e da cultura da gente do Triângulo Mineiro. Uma obra com positiva ressonância no cenário cultural mineiro e brasileiro. E, por derradeiro: caçula, entre os fundadores da Academia, faço parte hoje da dupla remanescente do quadro de intelectuais que a compuseram em seus primórdios. O outro sócio fundador, de cujo convívio todos os Acadêmicos prazerosamente participamos, é o grande sacerdote e pensador Thomaz de Aquino Prata.



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