sexta-feira, 15 de maio de 2015


Santo Helder

Cesar Vanucci

“Graça das graças é não desistir nunca.”
(Dom Helder Câmara)

A Igreja revela-se disposta a conceder a aureola de santidade a um brasileiro extraordinário. Cidadão carregado de dons singulares, passou pela vida concentrado em ações voltadas à preservação da dignidade humana.

Nos trevosos tempos do despotismo, fizeram de um tudo para silenciá-lo. Chegaram ao extremo de proibir a citação de seu nome no noticiário. Não podendo deportá-lo, impotentes face à sua estatura moral e à relevância da função religiosa exercida, esforçaram-se pra valer no sentido de apresentá-lo como “proscrito” em sua própria pátria. Não conseguiram nem assim arrefecer seu abrasador entusiasmo pela justiça social e pela liberdade de expressão. Tanto que seu nome foi lançado, mais de uma vez, ao Nobel da Paz. Não conquistou, apesar de merecer, esse prêmio, mas foi agraciado em sucessivas ocasiões com outros lauréis de elevado significado ético e moral em diversas partes do mundo, onde sua militância social, seu desassombro cívico e vocação democrática suscitaram respeito e admiração que, bem provavelmente, nenhum outro brasileiro logrou, a qualquer tempo, alcançar na esfera internacional.

Por tudo quanto dito acima, foi com imenso júbilo que os brasileiros, de todas as crenças, comprometidos com as causas da solidariedade humana e da paz, tomaram conhecimento da inspirada decisão do Vaticano em desencadear o processo de canonização de Dom Helder Câmara. Conhecido nos quatro cantos do mundo por sua ação desassombrada, esse notável personagem da história brasileira, fundador da Conferência Nacional dos Bispos (CNBB), passa a ser considerado, desde já, pelas regras oficiais da Santa Sé, “servo de Deus”. Tal condição, vale ressaltar, ele já dela desfrutava, há um bocado de tempo no sentimento das ruas.

Para que venha a ser oficialmente reconhecido como santo exige-se a comprovação de “dois milagres” ocorridos por sua intercessão, admitidos por tribunal eclesiástico específico. Helder Câmara, pela sabedoria incomum e luta indormida contra as exclusões e imposturas sociais – que lhe valeram, como já frisado, perseguição feroz das autoridades e de grupos refratários aos nobres ideais que abraçou – deixou vestígios inapagáveis de sua passagem pela “pátria dos homens”. Foi alguém que soube promover, como poucos, o diálogo entre o mundo de seu tempo com o Alto. Conhecedores de suas intercessões pelos semelhantes quando vivo, os devotos põem fé na possibilidade de que não demorarão muito a acontecer as constatações de casos de intercessões suas no plano espiritual.

Do lendário Helder Câmara são sempre lembradas algumas frases antológicas. Uma delas: “Graça das graças é não desistir nunca.” Taí afirmação que exprime impecavelmente o jeito de ser desse encantador apóstolo moderno. Alguém que se imortalizou na reverência popular, ao contrário de seus algozes, cujos nomes só acodem à memória quando associados a episódios nefandos, repudiados pela consciência cívica nacional.


A ineficácia da pena de morte

Cesar Vanucci

“Todos responderão, algum dia, perante Deus!”
(Anthony Ray Hilton, vítima de erro judiciário, que
permaneceu durante 30 anos no “corredor da morte”)

“Não há evidências de que as leis muito duras resultam em sociedades pacíficas, nem que reduzam o tráfico.”
A declaração dada à revista “IstoÉ” por Nívio Nascimento, membro do Programa da Unidade de Estado de Direito do Escritório das Nações Unidas sobre Droga e Crime da ONU, ajuda a desfazer o mito de que a pena de morte, repudiada pela consciência humana como instrumento jurídico cruel, reduz a incidência de crimes, seja no tocante ao comércio das substâncias ilícitas, seja com relação a outras práticas delituosas inaceitáveis na boa convivência social.

Na Indonésia, onde predomina uma legislação repressora, também “contestável do ponto de vista da proporcionalidade da pena”, segundo o autor da declaração mencionada, o número de usuários de drogas, é hoje de 4 milhões e as expectativas são de que, até o final do ano, o número de consumidores cresça para quase  6 milhões, correspondendo a 3 por cento da população. A ação de extremo rigor do Estado não tem conseguido, nada obstante, impedir seja de 33 pessoas a média diária de vítimas fatais da maconha, metanfetamina cristal e pílulas de ecstasy. Média sempre crescente, de acordo com estudiosos do preocupante problema, em razão das elevadas taxas de pobreza existentes no país.

A ineficácia da pena de morte, lastreada numa fieira interminável de exemplos práticos, para conter a criminalidade não se aplica apenas a esse país asiático. A ONG “Penal Reform International”, conforme revelado em reportagem de Fabiola Perez na “IstoÉ”, divulgou relatório mostrando que os índices de violência se revelam mais elevados sempre nas regiões dos Estados Unidos que adotam a pena capital. Um outro elemento válido para comprovar a tese é fornecido. A taxa de homicídios no Canadá caiu substancialmente – cerca de 44 por cento – desde que a pena de morte foi abolida.

O fuzilamento recente na Indonésia de um novo grupo de pessoas julgadas sumariamente por tráfico de drogas, entre eles um brasileiro portador de doença mental constatado em diagnóstico médico ignorado pela corte judiciária, provocou onda de comoção, fazendo ressurgir manifestações ruidosas contrárias à pena capital. A “Anistia Internacional” anotou, ao condenar a decisão de Jacarta, que entre 1995 e 2014 o número de países favoráveis à  pena de morte foi reduzido de 41 para 22. Nas Nações Unidas, 112 Estados membros aprovaram este ano uma proposta de moratória para a pena, considerando-a incompatível com a dignidade humana.

A momentosa questão em foco ganha singular ênfase com a comovente história vinda na sequência.

Anthony Ray Hilton passou 30 anos de sua vida numa masmorra da penitenciária federal do Alabama, Estados Unidos. Desde a condenação, no começo da pena, foi jogado no “corredor da morte”. Aguardou, sobressaltado, por todo esse tempo, o momento fatal. Enquanto o tempo se esvaia iam-se acumulando, lentamente, agoniadamente, provas de sua inocência quanto ao homicídio de que o acusavam. Finalmente, três décadas depois de proferida a sentença, um tribunal superior condescendeu em reconhecer que o caso de Hilton merecia revisão, por encobrir pavoroso erro judicial.

Ao recobrar recentemente a liberdade, na expectativa de receber indenização estimada a princípio em 6 milhões de dólares, o presidiário impiedosamente alvejado conseguiu reunir forças para transmitir  uma mensagem que, com toda certeza, está ricocheteando pesadamente na mente de seus algozes: “Todos os que contribuíram para que eu fosse colocado no corredor da morte responderão nalgum momento perante Deus.” Como dois e dois são quatro, é o caso de se acrescentar.




GALERIA DE ARTE



 Alfredo Volpi 


conciliou brasilidade e 


  universalidade



A arte de Volpi em diversas telas

Mesmo tendo nascido na Itália, de onde foi trazido com menos de dois anos, Volpi é um dos mais importantes artistas brasileiros deste século. Antes de mais nada, trata-se de um pintor original, que inventou sozinho sua própria linguagem. Isso é muito raro na arte produzida em países do terceiro mundo, cuja cultura erudita sempre deve algo a modelos internacionais. Diferentemente das de Tarsila, Di Cavalcanti e Portinari, cujas analogias estilísticas com Léger e Picasso são reais, a pintura de Volpi não se parece com a de ninguém no mundo. Pode, quando muito ter, às vezes, um clima poético próximo ao da pintura de Paul Klee - mas sem semelhanças formais.
Embora fosse da mesma geração dos modernistas, Volpi não participou da Semana de Arte Moderna de 1922. Dela estava separado, em primeiro lugar, por uma questão de classe social. Imigrante humilde, lutava arduamente pela vida no momento em que os intelectuais e os patronos da "Semana" a realizaram. Era um simples operário, um pintor/decorador de paredes, que pintava os ornamentos murais, frisos, florões etc., usados nos salões dos palacetes da época. Acima de tudo, esse dado tem uma importância simbólica. Mostra que a trajetória de Volpi foi desde sempre independente de qualquer movimento, tendência ou ideologia.
Autodidata, Volpi começou, na juventude, fazendo pequenas e tímidas telas do natural, nas quais às vezes se nota um toque impressionista. Na década de 30, sua pintura adquire um sabor claramente popular - embora permaneça, ao mesmo tempo, paradoxalmente, sempre concisa, sem a menor prolixidade nem retórica. É a década de 40 que marca sua decisiva evolução em direção a uma arte não representativa, não mimética, independente da realidade contemplada.
Volpi passa a trabalhar de imaginação, no atelier, e produz marinhas e paisagens cada vez mais despojadas, que acabam se transformando em construções nitidamente geométricas - as chamadas "fachadas". É como se o artista refizesse sozinho, por si mesmo, todo o caminho histórico da primeira modernidade, de Cézanne a Mondrian. Sua linguagem não se parece com a desses mestres, mas os propósitos são os mesmos: libertar-se da narrativa e construir uma realidade pictórica autônoma do quadro. Cada tela, nessa época, parece sair exatamente da anterior, num processo contínuo e linear. Através dessas paisagens, que na passagem aos anos 50 se transformam em fachadas, Volpi chega, em 1956, à pintura abstrata geométrica - mas não porque ela está na moda e virou objeto de polêmica, e sim como consequência inexorável de sua própria evolução.
A fase rigorosamente abstrata é curtíssima. Dos anos 60 em diante, Volpi fez uma síntese única entre arte figurativa e abstrata. Seus quadros admitem uma leitura figurativa (nas "fachadas", nas famosas "bandeirinhas"), mas são, essencialmente, apenas estruturas de "linha, forma e cor" - como ele mesmo insistia em dizer.
Também ímpar é a síntese que faz entre suas origens populares e uma produção formalmente muito requintada, sem dúvida erudita. Finalmente, ele concilia e sintetiza brasilidade e universalidade. Pode-se dizer que o projeto estético procurado por Tarsila e articulado e explicitado por Rubem Valentim foi realizado na plenitude por Volpi, de maneira não intelectual e sim prodigiosamente intuitiva.






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