quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Arauto dos clamores sociais

Cesar Vanucci

“Condenamos o escândalo da pobreza!”
(Papa Francisco)

Tem um cidadão por aí, carisma igual poucas vezes se viu, dono de irradiante simpatia, espiritualidade estampada nos gestos e postura, dizendo coisas que seus predecessores nas mesmas funções não tinham por costume dizer. Ou, se o diziam, não conseguiam botar na fala o mesmo tom firme e ênfase ora magistralmente empregados.

Coisas assim: “A cultura do descarte acontece quando, no centro de um sistema econômico, está o deus-dinheiro e não o homem, a pessoa humana.” Ou assim: “A verdadeira soberania no mundo é exercida por um sistema econômico centrado no deus-dinheiro, que tem necessidade de saquear a natureza para manter o ritmo frenético de consumo que lhe é próprio.” Ou ainda assim: “Estamos vivendo a terceira guerra mundial, mas por etapas. Há sistemas econômicos que, para sobreviver, devem fazer a guerra. Então fabricam-se e vendem-se armas, e assim, obviamente, salvam-se os balanços das economias que sacrificam o homem aos pés do ídolo dinheiro.”

Tem mais. Não está circunscrita aos conceitos alinhados acima a análise que faz das encrencas do mundo contemporâneo. Acolhendo, recentemente, participantes (de dezenas de países) de um encontro que promoveu, intitulado “Terra, Casa e Trabalho”, concitou-os a prosseguirem “na luta pela dignidade da família rural, pela água, pela vida e para que todos possam se beneficiar dos frutos da terra.”

O conclave reuniu organizações vinculadas aos movimentos sociais do mundo inteiro, entre eles representantes dos movimentos dos “sem terra”, “sem moradia” e dos “catadores de lixo” (vários brasileiros entre eles).
O cidadão do qual falamos resolveu ainda condenar “o escândalo da pobreza,” retratado em “estratégias de contenção que só tranquilizam e transformam os pobres em seres domesticados e inofensivos.” Reservou mais palavras candentes ao focalizar o problema dos alimentos em escala mundial: “Quando a especulação financeira condiciona o preço dos alimentos, tratando-os como uma mercadoria qualquer, milhões de pessoas sofrem e morrem de fome. Por outro lado, descartam-se toneladas de alimentos. Isso constitui um verdadeiro escândalo. A fome é criminosa, a alimentação é um direito inalienável.”

A mídia europeia tem concedido amplo espaço para os pronunciamentos desse cidadão. Já a mídia brasileira, sabe-se lá por que cargas d’água, nem tanto. O nome dele é Francisco. Atual Papa, cidadão do mundo nascido argentino.

São também de autoria desse cidadão, que vem se tornando arauto do clamor humano por justiça social, estes conceitos, expendidos dias atrás: “Precisamos proteger a Terra de sua autodestruição”; “Enquanto falamos de nossos direitos, os famintos continuam nas esquinas pedindo para serem incluídos na sociedade e terem o pão de cada dia. Esta é a dignidade que eles pedem e não esmolas”. 


Não ao talebanismo

Cesar Vanucci

“O radical é alguém com os dois pés
firmemente plantados no ar.”
 (Franklin Delano Roosevelt )

A sabedoria popular ensina de maneira singela que, nas rotinas da vida, uma coisa é uma coisa e uma outra coisa é outra coisa.
Fazer oposição politica com legitimidade, altivez combativa, censurando com inabalável vigor, sem molestar regras comportamentais respeitosas, atos considerados danosos ao sagrado interesse publico; vergastar procedimentos impróprios detectados na gestão dos negócios públicos são atitudes corretas, merecedoras de aplausos. Configuram com precisão o papel atribuído aos oposicionistas no xadrez politico. Coadunam-se perfeitamente com a essência democrática. 
Sair alucinadamente por aí, ocupando ruas e praças, ou utilizando histericamente redes sociais para pregações carregadas de preconceitos e intolerâncias; promover passeatas com faixas contendo refrãos subversivos, pedindo “impeachment” e a substituição do regime democrático que, mercê de Deus, nos rege, por ditadura, já isso aí constitui postura inaceitável. Mais do que isso, abominável. Bate de frente com a vontade coletiva e o sentimento nacional. 
É preciso que esse talebanismo sem eira nem beira, que anda botando a cara pra fora, conheça na justa amplitude a repulsa que suscita na consciência cívica brasileira. E, apesar do reconhecimento de que essas patéticas e civicamente indigentes reações estejam sendo praticadas apenas por meia dúzia de três ou quatro gatos pingados, é preciso também que a grande maioria dos democratas, tanto da oposição quanto da situação politica, não se furte a traduzir sua indignação. Faça ver a todos eles, de forma clara, que a sociedade brasileira assumiu, há um bocado de tempo, sem tergiversações, uma opção indesviável nos rumos do futuro. Rechaça toda e qualquer manifestação despojada de bom senso proveniente dessas lateralidades ideológicas incendiárias. 
O anseio que povoa a alma brasileira é a construção, com o concurso das forças politicas e segmentos produtivos, de um Estado social e economicamente pujante. De um Estado cioso das prerrogativas e privilégios que só a democracia tem condições plenas de assegurar. Esse compromisso com um processo civilizatório que respeite a dignidade humana não pode ser perturbado impunemente por minorias extremistas barulhentas. O povo sente-se em desconforto diante daqueles que empregam o rancor para alvejar, gratuitamente, com palavreado pornográfico, a valorosa gente nordestina e, também, as categorias mais humildes de nossa comunidade. Quem assim se comporta para expressar rejeição descabida aos resultados de uma irrepreensível eleição, acatada por adversários sensatos e respeitosos quanto aos ditames do jogo democrático, não passa de desatinado radical.
E o radical é alguém permanentemente de mal com a vida. Alguém que tem os dois pés firmemente plantados no ar, como lembra magistralmente Franklin Delano Roosevelt, um dos artífices da vitória aliada que lançou por terra as ambições desvairadas do radicalismo nazifascista. 


Um artigo de Guido Bilharinho


Cesar Vanucci

Guido Bilharinho é um dos mais talentosos escritores mineiros. Estudioso de cinema é autor de alentada série de livros sobre a chamada sétima arte. São obras de grande significado literário e histórico. Tanto quanto sei é o intelectual brasileiro com o maior volume de títulos editados sobre o tema. Reproduzo abaixo, para deleite dos leitores, texto em que Guido aborda um dos filmes mais interessantes da opulenta obra cinematográfica do genial Charlie Chaplin.



O CENTENÁRIO CINEMA DE CHAPLIN
EM BUSCA DO OURO


Guido Bilharinho *

Há muita diferença entre O Garoto (The Kid, EE.UU., 1920) e Em Busca do Ouro (The Gold Rush, EE.UU., 1925), de Charles Chaplin.
Em decorrência da força intrínseca do drama aventuroso em que se envolve e se empenha Carlitos, a personagem apresenta-se mais contida e, portanto, mais próxima da normalidade comportamental. Raramente ocorre cena em que seu histrionismo é deliberado e, portanto, forçadamente cômico. Nesse sentido, apenas quando está dançando no saloon é que se tem sequência marcada por fato insólito e atitudes disparatadas, circunstâncias bastante repetitivas em outros de seus filmes, curtas, médias ou longas-metragens. Mesmo assim, não se prolonga essa passagem, que possui suficiente quando não exata duração.
No mais, o filme é pautado pela seriedade de acontecimentos e da conduta de Carlitos, não havendo a costumeira e impositiva comicidade na exploração exagerada de seus sestros e extravagâncias.
A personagem não perde, no entanto, suas características básicas. Pelo contrário, é acentuada, no caso, sua humanização, já que livre de alguns dos cacoetes que a singularizam e que o público, mesmo ou principalmente o intelectualizado afeito a outras artes, aceita complacentemente.
Nesse filme, o que se tem, do início ao fim, com a citada exceção da cena do saloon, é personagem gizada com autenticidade, orgânica e intelectualmente integrada no ambiente físico e humano em que se meteu em busca de ouro.
Por isso, além da coerência e constância de sua conduta em todas as situações, ressalvado o episódio mencionado, que incide na costumeira comicidade, suas duas iniciativas mais relevantes, que se celebrizaram e tornaram-se antológicas - a refeição da bota cozida e a coreografia dos pães - inserem-se no contexto e o compõem.
No caso, cumpre destacar que a excelência dessas cenas como de outras ocorrentes em muitos dos filmes de Chaplin não decorre de atributos cinematográficos, aspecto em que não se salientam, mas, de concepção e estruturação ficcional, pelo que poderiam (e podem) acontecer numa peça de teatro, em romance ou conto e até em dramatização (a da bota) circense. Aliás, como toda obra chapliniana, sua virtude maior (ou única) é ficcional.
Nesse sentido e nesse filme, como talvez em nenhum outro, Chaplin aplica em cada acontecimento a dose certa de duração e, principalmente, de pertinência comportamental das personagens, daí decorrendo a consistência do filme, servido também, em não menor dose de importância, de persistentes equilíbrio e densidade poética, presentes em todo seu desenrolar. Qualidades estas que conseguem abrandar as limitações de cunho cinematográfico e mesmo ficcional que o caracterizam. Aquelas, de ordem formal, por seu convencionalismo e, estas, de natureza temática pela ênfase na estória, com seu ordenamento e condução tornados o objetivo da realização.
A suplantação dessas restrições com elevação do filme ao patamar artístico é performance notável pelas dificuldades intrínsecas ao projeto tal como concebido.
Não é, pois, sem razão, que o filme agrade ao público e não desagrade à crítica, visto conter elementos (emocionais e narrativos) que atingem o primeiro e fatores (poéticos e racionais) caros à segunda, em rara operacionalidade de opostos colocados lado a lado e simetricamente amalgamados.
Até mesmo os laivos românticos atenuam-se no filme, onde sobressai o tratamento a que se submete as agruras da fome, balizada entre os limites físicos da resistência humana e sua extrapolação ótica, análoga à das miragens nos desertos.

(do livro Clássicos do Cinema Mudo. Uberaba,  
  Instituto Triangulino de Cultura, 2003
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· * Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000 e autor de livros de literatura, cinema, história do Brasil e regional, entre eles, Brasil: Cinco Séculos de História, inédito.

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