sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Por falar em delação premiada

Cesar Vanucci *

“Esperemos com resignação pela lei que trocará o nome da cidade
mineira de Tiradentes para Joaquim Silvério dos Reis, um delator bem premiado.”
(Nilo Batista, penalista)

Delação premiada é invenção de moda que aborrece, apoquenta o regime democrático. Este artifício pseudo-legal recende a autoritarismo. Evoca lembranças arrepiantes vividas no auge do bolchevismo e do nazismo. Tempos em que se costumava festejar os feitos patrióticos de adolescentes babacas que denunciassem pais por desvios ideológicos, e de indivíduos medíocres empenhados, com frenético “ardor cívico”, em apontar às autoridades competentes, para exemplares corretivos, vizinhos suspeitos de infidelidade aos idolatrados detentores do poder constituído, salve, salve...

Mergulhando mais fundo no passado, dá também para identificar o “oficio da delação” como atividade altamente meritória do ponto de vista dos algozes da Inquisição, nos momentos mais sombrios da Idade Média. Bancar o dedo-duro, exercendo a missão com altivez e convicção do dever cumprido, já rendeu também, noutros trevosos períodos do giro do mundo, aclamações e recompensas. Os exemplos de Judas Escariotes e Joaquim Silvério dos Reis, à frente de uma chusma de alcaguetes que deixaram registros históricos de suas façanhas nesse execrável mister, ilustram admiravelmente bem o que está sendo dito.

Lanço no papel estas considerações, ao dar-me conta, tomado de perplexidade, do grau elevado de credibilidade subitamente atribuído por algumas autoridades, alguns líderes políticos e certos portavozes da chamada grande mídia, a um elemento recentemente julgado pelo STF, como principal operador do chamado “mensalão”. Tal elemento estaria disposto, segundo “informações vazadas” (como?) de importante órgão do Poder Judiciário, a contar coisas que “não teria tido chance de revelar” no longo curso do inquérito, desde que lhe fossem garantidos os questionáveis “benefícios” do famigerado instituto da “delação premiada”.

Consulto os botões de meu pijama e chego rápido à conclusão de que essa manobra aloprada de se tentar alvejar, a qualquer custo, o ex-Presidente Luiz Ignácio Lula da Silva por meio do operador-mor do “mensalão”, além de extemporânea, ultrapassa os limites do ridículo, da falta de ética. Configura oportunismo político rasteiro. E por conta disso não vai, seguramente, conseguir prosperar. Um exame mais lúcido e ponderado dos fatos apontará inexoravelmente no sentido de que a solerte manobra projetada seja interrompida! Quer pela falta de consistência de argumentos, quer pelo risco que já se pode vislumbrar em avaliações políticas insuspeitas, de que o tiro que alguns, insensatamente, se dispõem a dar, apostando todas as fichas nessa situação surreal, pode sair pela culatra.

Se Marcos Valério tivesse algo mais a dizer sobre as ações fraudulentas de que participou neste mensalão em posição de realce, a oportunidade de fazê-lo foi deixada para traz. Não fica bem para as autoridades competentes conceder-lhe crédito para, depois de julgado e condenado, em troca de suposta redução de pena, sair por ai assacando contra a dignidade alheia, como parte de um complô armado com base na politiquice que outra coisa não objetiva senão desqualificar um líder político da envergadura de Lula, com uma “proposta” de disputa inesperada extra-campo, já que nas quatro linhas parece meio difícil, por ora, desbancá-lo.

Se o operador do mensalão anda mesmo disposto a revelar coisas que sabe sobre mensalões, consideradas importantes para o conhecimento da opinião pública, a hora é mais do que propicia a que comece explicar tintim por tintim tudo que aconteceu nos desdobramentos da primeira das supra-citadas tramóias. Ou seja, o famoso modelo experimental dos mensalões, praticado aqui mesmo em nossas Minas Gerais. Fontes abonadas vêm assegurando que o STF cogita dispensar a essa outra maracutaia contrária ao patrimônio público a mesma atenção que consagrou ao caso que acaba de julgar. Estando isso em vias de acontecer, a ensancha de Marcos Valério poder usar pertinentemente do verbo é mais do que oportunosa.


Era uma vez Hollywood


“Sexo ou violência. Impasse ou degradação duma arte que deu um Chaplin.”
(Paulo Mendes Campos, num registro feito décadas atrás, quando a arte cinematográfica ainda não havia atingido o grau de inconveniências observado nos dias de hoje)

Estou convencidíssimo de uma coisa e não aceito que me venham dizer que tudo não passa de saudosice piegas: Hollywood já não faz mais filmes como antigamente. Bastou trazer, para distração, num fim de semana, algumas produções dos anos 50 e 60 da Metro e Warner e chegar fácil a essa constatação, que se aplica inapelavelmente a comédias, musicais, filmes policiais, de faroeste e de aventuras. Sem esquecer as superproduções, bem melhores no passado. Os artifícios tecnológicos de hoje não conseguem, jeito maneira, estabelecer um diferencial favorável. O conteúdo pobre anula os efeitos. As cenas de violência estabelecidas amiúde num grau de paroxismo inimaginável preponderam. Numa semana inteira de filmes da era moderna mata-se mais do que em todas as guerras juntas. Assim, “não há tatu que guente!”, como é costume dizer lá nas bandas do Triângulo.

Outro ponto a considerar: a requintada indumentária que reveste as imagens de crueldade. Com adendo intrigante: as classificações etárias benevolentes atribuídas aos filmes que estampam manifestações de gosto tão duvidoso. Curioso também é perceber que essas cenas de violência incomum parecem não tocar em nada algumas organizações empenhadas, com bons propósitos, em campanhas educativas. Nunca as surpreendemos esbravejando com a mesma intensidade, frequência e veemência que reservam a autores, atores e obras brasileiras, considerados a seu juízo impróprios, quando a produção traz a marca dos estúdios de Los Angeles. E olha que o confronto, pelos critérios convencionais de avaliação, inspirados na moral e bons costumes, deixa novelas e filmes brasileiros, eventualmente apontados como picantes ou exagerados, em situação iniludivelmente vantajosa. O que não falta na atual safra de filmes da Meca do cinema são imagens horripilantes de violência, com escancarados ou subliminares estímulos ao uso de drogas e outras tantas mazelas.

Mas do que queremos mesmo falar, em suma, nestas maldigitadas, é que Hollywood já não faz filmes como antigamente. Cadê aqueles musicais fabulosos com Gene Kelly, Fred Astaire, Leslie Caron e Cyd Charisse? E os dramas com diálogos inteligentes entre o Spencer Tracy e a Katharine Hepburn? Entre Clark Gable e Vivien Leigh? O Henry Fonda e Bette Davis? Cadê aqueles enredos passados em salões de júri (“Doze homens e uma sentença”), e aqueles lances arrebatadores da conquista do oeste (“O homem que matou o facínora”), com aquelas histórias empolgantes, tão ricas em colorido humano?

No final dessa última semana vimos um musical dos bons tempos. Frank Sinatra cantou peças lindíssimas do melódico americano, o segundo estilo de música mais bonito do mundo, depois naturalmente do samba e da bossa nova. Junto com ele, alindando as cenas, lá estava a deslumbrante Rita Hayworth, cuja beleza física levou, certo dia, o célebre Cardeal Spellman a comentar, piedosamente, ter diante dos olhos prova exuberante da existência de Deus.

*Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)


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