sábado, 14 de maio de 2011

Laços solidários

Cesar Vanucci *


“Somos todos testemunhas oculares (...)
dos prodigiosos resultados sociais.”
(Trecho de manifestação levada a José Alencar)

Poucas ligações telefônicas bastaram. Antigos companheiros de trabalho, há tempos sem se avistarem, agarraram com entusiasmo a sugestão do encontro. Haviam integrado, anos antes, a equipe de colaboradores mais próximos do então presidente José Alencar no Sistema Fiemg.

Com as alterações ocorridas na condução das entidades da indústria, depois da revolucionária e esplendorosa gestão do grande líder empresarial, todos se achavam vinculados naquele preciso momento a outros misteres profissionais. Neles aplicavam conhecimentos, habilidades, experiências adquiridos ou aprimorados naqueles bons tempos profissionais em que atuaram juntos nos belos projetos de cunho social e desenvolvimentista comandados por JA.

O encontro marcado serviria para a reafirmação da solidariedade, nascida do respeito e admiração, que nunca deixou de existir por parte dos colaboradores em relação ao líder maior, mesmo diante das circunstâncias de não mais existirem contatos constantes com o mesmo, caso da maioria. Alencar estava saindo candidato a Vice na chapa de Lula. Os colaboradores diretos de sua administração na Fiemg, nenhum deles com militância político-partidária, fizeram questão fechada, em rápida troca de idéias, de procurá-lo para externar - como já haviam feito quando se candidatou ao governo do Estado – vibrante apoio. Sabiam perfeitamente do alcance restrito da proposta de ajuda do grupo, mas propunham-se a executar algum trabalho em seu campo de ação pessoal. Traduziram tal disposição num texto, cuja cópia conservei, que atraiu, ainda, em poucos dias, espontaneamente, centenas de assinaturas de outros companheiros das jornadas profissionais deixadas pra traz.

Este o texto: “Manifestação de apoio à candidatura de José Alencar a Vice-Presidente da República. Os signatários, seus colaboradores no período em que esteve à frente do Sistema Fiemg, registram neste documento integral e irrestrita solidariedade ao estimado chefe e grande líder, na campanha eleitoral em que se acha empenhado como companheiro de chapa do eminente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva.
Somos, todos, testemunhas oculares, por extenso período, dos prodigiosos resultados sociais alcançados mercê de sua atuação como dirigente daquele Sistema. O que foi construído em proveito dos trabalhadores e da comunidade é de enorme dimensão social. São obras a perder de vista nas áreas da educação, cultura, saúde, lazer, ensino profissional, industrialização, criação de empregos,

interiorização do desenvolvimento, associativismo no plano profissional. Estamos, à vista disso, inabalavelmente convencidos de que o ilustre Senador dará, na Vice-Presidência da República, uma contribuição valiosa, sumamente importante, à causa do bem-estar social da gente brasileira. Seus dons de liderança e capacidade empreendedora, suas qualificações intelectuais, morais e éticas, sua probidade, sensibilidade social e visão brasileira dos problemas que afligem a nossa sociedade, suas crenças cívicas e vocação inconteste para a vida pública asseguram-nos a reconfortante garantia de que, a partir destas eleições, o Brasil saberá encontrar os caminhos certos na utilização dos potenciais de crescimento com que foi aquinhoado por Deus no projeto da Criação. Até a posse!”

Mas, afinal de contas, qual a razão deste singelo registro, alusivo a uma manifestação de apoio de peso político irrelevante do ponto de vista eleitoral, considerada a magnitude do fato de que a decisão do pleito presidencial a que Alencar estava concorrendo só emergiria da manifestação maciça da vontade de dezenas de milhões?

Do registro o que conta mesmo é uma coisa incomensuravelmente mais expressiva, sob o prisma humanístico e da convivência social, do que um mero somatório de votos. O encontro dos leais colaboradores com o estimado líder valeu como reconfortante evidência de que os laços do relacionamento, por largo período de caminhadas compartilhadas, não haviam sido desfeitos com a passagem dos anos. Permaneceram indissolúveis, como casamento antigo. Incólumes aos desgastes naturais derivados da ausência de uma rotina na aproximação pessoal. A amizade e o apreço permaneceram.

Convenhamos, algo nada comum de se ver numa relação dessa natureza.

Mas, na história legendária de JA, esse exemplo raro de ligação amistosa com funcionários pode ser invocado, certeiramente, para descrever o clima de convivência dominante, também, nos outros demais ambientes profissionais e sociais em que o nosso saudoso Vice costumava circular.




Complementando uma informação



“... constato a absoluta inevitabilidade de substituição presidencial.”
(José Alencar, em pronunciamento feito na CNI)

No artigo “Destemor cívico de JA”, de dias atrás, aludi ao fato de que o então presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais foi o primeiro dirigente classista brasileiro, empresário de grande expressão, a se pronunciar favoravelmente à aplicação de medidas legais que pusessem cobro aos desmandos flagrados na administração federal, que acabaram desembocando na saída (constitucional) de Fernando Collor da Presidência da República.

Na reunião programada, naquela ocasião, pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), com o propósito de examinar a crise constitucional que o país enfrentava e que havia levado pras ruas o inconformismo dos “caras pintadas”, Alencar disse com todas as letras, o desassombro no estilo que o celebrizou, o que pensava de tudo aquilo que estava rolando, dirigindo-se a uma platéia ansiosa por fórmulas de contemporização.

Este o pronunciamento feito e que acabou fixando, depois de acaloradas discussões das lideranças com assento no Conselho, a posição da Confederação Nacional da Indústria:

“Diante dos acontecimentos irrefutáveis que maculam a figura do Presidente da República, retirando-lhe as condições mínimas e indispensáveis ao exercício do cargo – respeitabilidade e autoridade moral -, constato a absoluta inevitabilidade da substituição presidencial.
A incapacidade de resistência do campo social, enfraquecido como nunca pelo prolongado período de inflação elevada que a nação experimenta, com recessão, desemprego e até fome, em país tão rico como o Brasil, recomenda sucessão a curtíssimo prazo, observando-se, obviamente, rigoroso respeito às bases institucionais em que se assenta o Poder Político Nacional.
Acredito que o Senhor Presidente Fernando Collor possa ainda optar pela renúncia, decisão circunstancial mais aconselhável e judiciosa. Menos dolorosa para o povo e, quem sabe, até honrosa para o Presidente. Descartada, porém, essa alternativa, prevalece a medida constitucional. O “impeachment”, absolutamente inevitável, exige apoio da sociedade.
Há um Vice-presidente eleito legitimamente, Itamar Franco.
Pelo seu passado, sua cultura, sua experiência e sua aguda sensibilidade política e social, saberá conduzir a Nação brasileira rumo ao Bem Comum. Além do mais, Itamar significa a restauração da probidade governamental.
José Alencar, Presidente da Fiemg.”

Após a reunião (Rio de Janeiro) dos dirigentes das Federações de Indústria, o presidente da CNI, Albano Franco, incumbiu Alencar de relatar o que fora decidido aos jornalistas que se acotovelavam, à espera de notícias, nas imediações da sala onde transcorreu o encontro. A ata daquela histórica reunião sintetiza em tópico sugestivo a tese ardorosamente defendida pelo presidente da Fiemg. “Do triste episódio, resta-nos o exemplo de que o país pode conviver no estado de Direito, havendo todo o processo de impeachment sido realizado com a estrita observância da Constituição e das leis, com pleno exercício do direito de defesa do presidente acusado.”

A relembrança desse episódio transporta-me a uma outra reunião, anos antes, da diretoria da Fiemg, quando a questão do comportamento governamental, bem no comecinho da administração Collor, foi objeto também de avaliações críticas. Um dos vices da casa solicitou espaço, digamos assim,”sigilento e reservoso”, nos trabalhos em andamento para uma revelação estarrecedora. Junto com outros companheiros do segmento, fora convidado a participar de encontro em São Paulo com um cidadão chamado PC Faria. O supracitado, dispensando rodeios, sem tempo pra espichar conversa, “ofereceu”, de pronto, aos atônitos convidados, seus valiosos préstimos para “apressar”, com participação percentual tá claro, a liberação de recursos devidos às empresas do setor. Após ouvir a chocante narração, José Alencar, tomado de indignação, declarou-se disposto, com a indispensável concordância dos empresários interessados, a dar publicidade a protesto com relação ao caso. O autor da denúncia apelou para que fosse levada em conta a condição de sigilo declinada no início de sua manifestação. Falaria a respeito, de qualquer maneira, com seus pares. Tanto quanto sei, não deu noticia posteriormente dos desdobramentos do assunto. O pessoal parece que optou, prudentemente, por se manter, dali pra frente, mudo e quedo que nem penedo, como se costumava dizer em tempos de outrora.



Um verdadeiro humanista



“Quem não gosta do Brasil não me interessa.”
(Gilberto Amado)

Tantas coisas ditas e tantas ainda a dizer sobre JA. Reservo-me o direito de, pra frente, voltar a registrar, atos, fatos, ditos e feitos que possam ser incorporados à saga desse personagem fascinante.

O que desejo, por agora, no arremate desta sequencia de dezessete artigos, em que me esforcei por pincelar algumas facetas de sua cintilante trajetória, é sublinhar o caráter humanístico que norteou as fecundas ações nesta sua peregrinação pela pátria terrena. Já foi falado, mas não fica demais repetir (a repetição, como atestava Napoleão, é sempre a melhor retórica): o legado deixado por Alencar servirá, com certeza, de inspiração pra muita gente.

Do povoado de Itamuri ao Palácio do Jaburu, chão a perder de vista na extenuante caminhada, o cidadão de infância humilde daquela paisagem roceira, que veio a exercer nos cenários majestosos e refinados do poder funções que tão forte influência tiveram nos destinos de seus compatriotas, soube conservar íntegros os valores e crenças adquiridos no aconchego familiar. Manteve-se fiel às raízes. Os aconselhamentos paternos valeram-lhe de farol na caminhada. “O importante na vida, meu filho, é poder voltar”, foi o que lhe disse o pai, Antônio, no dia em que o abençoou em sua partida rumo a centro maior na busca de “lugar ao sol.”

Alencar madrugou no trabalho, começando por tarefas bem modestas. À custa de invulgares talento e capacidade empreendedora, construiu, palmo a palmo, reluzente carreira. De balconista a pequeno comerciante. Na atividade industrial, despontada adiante, percorreu longo e árduo itinerário até chegar à posição de realce assumida no panorama empresarial.

A crença humanística impregnava seu comportamento. No trabalho, pontilhado de conquistas sociais enriquecedoras. No lar, construído com a ajuda inestimável e decisiva de dona Marisa, companheira resoluta, dama de acrisoladas virtudes, mulher forte na inteireza evangélica. Na vida pública inatacável, reconhecida na reverência das ruas, a partir, sobretudo, do momento em que galgou a Vice-Presidência e criou, com sua inteligência descortinadora, uma forma muito peculiar, descontraída, franca, bem humorada, de dialogar com a sociedade em torno de questões palpitantes. Na doença inclemente, em que tocou a todos com sua inabalável disposição de seguir em frente.

Alencar preencheu com atitudes e palavras, botando pra fora seu apego a valores humanísticos e espirituais que conferem dignidade à aventura humana, um espaço na paisagem política que é hoje percebido pelos seus patricios como uma referência de vida, valendo de exemplo e inspiração.

Foi um compatriota que soube olhar o Brasil, o jeito de ser de sua gente, com sentimento de brasilidade. Pensava como Gilberto Amado: “Quem não gosta do Brasil não me interessa.” Sentia-se em desagrado com essas pessoas que, contemplando nossa realidade, nossas lutas e conquistas, procedem como aqueles indivíduos mórbidos pela própria natureza que, diante da magnitude do mar, só têm palavras para o enjôo, conforme a anotação crítica de Louis Pauwells.

Deixei por último uma revelação danada de intrigante, de certo modo inédita, já que nunca registrada publicamente, envolvendo uma previsão feita por Neila Alckmin a este desajeitado escriba numa manhã nevoenta de fevereiro do ano de 1990. As circunstâncias que me colocaram frente a frente com a famosa sensitiva, de saudosa memória, em Conceição do Rio Verde, foram, pra dizer o mínimo, intrigantes. Deixo para outra ocasião essa parte do relato. O que desejo sublinhar é o seguinte: Neila antecipou, surpreendentemente, num papo com duração bastante extensa, que o dirigente maior da entidade em que eu trabalhava – a Fiemg – estava vocacionado a cumprir, num futuro próximo, uma missão de notável relevo na cena pública brasileira. Lembro-me de ter-lhe indagado, na ocasião, relutando, inconscientemente, de certa maneira, em acatar seu vaticínio, por que não dera certo a previsão que fizera acerca da eleição do Afif Domingos no pleito presidencial recém-findo. Ela não demonstrou melindrar-se com a pergunta. Limitou-se a explicar que fora mal interpretada no tocante ao fato, que rendeu, como é sabido, vasto comentário crítico na época.

Depois deste encontro, antes de sua partida, falei com Neila por mais três vezes. Todas por telefone. Ela sustentou, convictamente, o que havia dito acerca do futuro papel político de Alencar na história brasileira.

* Jornalista (cantonius@click21.com.br)

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