sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019



Cesar Vanucci

“Homens/ sufocados/ pela/ lama/ que/ criaram”.
(Elizabeth Rennó, presidente da Academia Mineira de Letras)

A poesia é necessária. E os poetas são imprescindíveis. A poesia é essencial. Projeta a vitalidade dos mundos visível e invisível. Feérica explosão da alma, revela-se, às vezes, suave que nem brisa.  Noutras, lembra ruflar marcial de tambores.

As narrativas poéticas alimentam sonhos. Celebram a alegria da vida. Compõem elos de fraternidade, ao ocuparem-se dos humanos tormentos. As narrativas poéticas fazem acompanhamento da peregrinação de todos nós pela pátria terrena, sem se descuidarem da espreita interrogativa dos fenômenos inexplicáveis que nos circundam.

A fala, agora, é de Shakespeare: “O olhar do poeta, girando em delírio, vai do céu para a terra, da terra para o céu; e no que a imaginação vai tomando corpo, sua pena cativa a essência das coisas conhecidas e desconhecidas, moldando-lhes a forma e dando a um nada construído no ar um nome e um ponto de referência.”

Mariana (tinha que ser lá, não é mesmo?) é o epicentro de uma efervescente corrente do pensamento poético. Por obra e arte de Gabriel Bicalho, Andreia Donadon Leal e J.B. Donadon-Leal, aglutinando outros intelectuais de reconhecido mérito, irrompeu ali, esparramando-se Brasil afora, atraindo atenções ainda noutras paragens literárias em que predomina nosso idioma, o festejado movimento dos poetas aldravianistas. Os talentosos cultores dessa modalidade de manifestação poética explicam o que vem a ser esse irradiante projeto cultural. Partindo do princípio de que o exercício da criatividade encontra guarida na poesia, chamam atenção para a “poesia sintética, criada na Primaz da poesia mineira, Mariana”.“Amálgama do caminho, da via, com a possibilidade da abertura de portas, a Aldrava – salientam eles - é a aldravia que, em seis palavras, constrói continente semântico de abrigo a múltiplas significações”.


Temos em mãos o livro Mineralamas” (IV  da coleção das Aldravias). A obra foi organizada por Andreia Donadon Leal, Gabriel Bicalho e J.B.Donadon-Leal. Sessenta poetas do movimento marcam presença nas 300 páginas da publicação, prestando tributo aos atingidos pela tragédia da Barragem do Fundão, em novembro de 2015, focando o olhar angustiado no povoado de Bento Rodrigues e em áreas situadas ao longo dos rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce, devastadas pelo mar de lama. Fica claro que a justa indignação expressa nas aldravias, em perfeita sincronia com o sentimento das ruas, tem validade tanto para a catástrofe de Mariana, quanto para a de Brumadinho, municípios siameses no dolorido parto da predatória exploração mineral que ronda sinistramente, em tanto lugares, a comunidade brasileira. Os poetas, consoante registram, levantam mais do que um protesto. Emitem sinais de alerta acerca das vulnerabilidades e inconveniências de projetos de desenvolvimento que se entreguem docilmente à vandalização dos recursos naturais, alvejando a dignidade humana.

Selecionamos abaixo, para desfrute do culto leitor algumas das centenas de aldravias produzidas nas páginas do “Mineralamas”. Luiz Carlos Abritta: “Barra/Longa/longa/barra/pesada/barra”;Mariana/no/céu/rejeitos/no/inferno”. Juçara Regina Viegas Valverde: “solo/ contaminado/ homens/  contaminados/ povo/ minado”. Izabel Eri Diel Camargo: “chuva/ de/ bênçãos/ conforta/ povo/ desabrigado”. Ciro Mascarenhas Rodrigues: “outrora/ doce/ rio/ agora/ amargo/ desvario”; “simbora/fauna/flora/Mariana/triste/chora”. Auxiliadora de Carvalho e Lago: “árvores/renascerão/nas/margens/haverá/ressureição”. Andreia Donadon Leal: “minerar/ pão/ sem/ estragar/ pão/ nosso”; “lama/ afamou-se/ criando/ status/ de / tissulama”. Elizabeth Rennó: “a/ lama/ revestiu/ o/ vale/verde”. Else Dorotéa Lopes: “Muitas / lágrimas / por / léguas / de /lama.”Gabriel Bicalho: “que/ assim/ fosse / lama / não/ fosse!”; “minerador/ na/ lama/ vale/ minerar/ dor?”. J.B. Donadon-Leal: “lágrima / de/ lama/ chora / perda / definitiva”; “Fundão / expõe / ferida / aberta / jamais / cicatriz”. J.S Ferreira: “Bento Rodrigues / deserto / inóspito / mar / morto / Minas”. Vilma Cunha Duarte: “mortos / e / sonhos / jazem / na / podridão”. Zaira Mellilo Martins: “vidas / ceifadas / sonhos / desfeitos / memória / mutilada”.

Como dito lá em cima, os poetas sabem das coisas.

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