sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Golpe não!

Cesar Vanucci

“A decisão de abrir o tal processo de impeachment decorreu de
propósitos puramente pessoais, em claro e evidente desvio de finalidades”.
(Manifestação unânime dos Governadores do Nordeste, no mesmo
dia do anúncio da decisão do Presidente da Câmara dos Deputados)

Golpe, sim senhor! Nada de tapar sol com peneira. Sem essa de tergiversar, dourar pílula, recorrer a subterfúgios, sofismas, eufemismos para tentar justificar o injustificável, em questão tão séria. O que se escancara diante do olhar atônito da sociedade não são meros indícios, mas afrontosa disposição de retrocesso nas conquistas institucionais.

Bem pesadas, medidas e avaliadas as circunstâncias e consequências políticas, o intempestivo e ilógico posicionamento do Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, representa sem margem a dúvidas um golpe desferido contra a democracia. A chantagem explícita documenta instante ignominioso na vida brasileira. Projeta enredo perturbador, que não pode deixar de ser rechaçado com veemência pela consciência cívica da Nação.

O saudável contraditório no plano das ideias, que só a Democracia tem condições de proporcionar aos homens e mulheres de boa vontade, garante naturalmente, Deus louvado, a qualquer cidadão, o direito de criticar abertamente a atuação governamental. De expressar livremente, sem constrangimentos, agora e sempre, sua desconfiança com relação ao que os dirigentes do país realizam  em matéria política e econômica. De condenar decisões tomadas amiúde nos altos escalões que estejam desalinhadas com as legítimas aspirações sociais e comunitárias. Como tem sucedido na atualidade.

O teste da democracia é a liberdade de crítica, como proclamou alguém famoso. Já essa manobra, com jeito de vendeta mesquinha, configurando inequívoco abuso de poder de um parlamentar que ficou notabilizado no cenário político por nauseabundas traquinagens, não pode ser considerada, jeito maneira, à luz do bom senso, numa interpretação criteriosa e lúcida dos acontecimentos, ato a ser levado a sério num país cioso de sua pujança democrática.

Por divisarem na insolente atitude ameaça clara às conquistas do Estado de direito, lideranças de reconhecida representatividade apressaram-se, assim que divulgada a decisão de Eduardo Cunha, em expressar seu inconformismo e repúdio ao esquema golpista em andamento. De forma unânime, os Governadores do Nordeste, independentemente de vinculações partidárias, classificaram o processo instaurado como “absurda tentativa de jogar a Nação em tumultos derivados de um indesejado retrocesso institucional”. Acrescentaram que “o tal pedido de impeachment decorreu de propósitos puramente pessoais, em claro e evidente desvio de finalidade”. Arremataram a nota de repulsa dizendo-se “mobilizados para que a serenidade e o bom senso prevaleçam” e pontuando a necessidade de que em vez de golpismos, o Brasil recorra à “união, diálogo e decisões capazes de retomarem o crescimento econômico, com distribuição de renda”.

A Conferência Nacional dos Bispos (CNBB), noutro pronunciamento de elevado sentido cívico, manifestou “imensa apreensão ante a atitude do Presidente da Câmara dos Deputados”. Sublinhou: “No caso presente, o comando do Legislativo apropria-se da prerrogativa legal de modo ilegal. Indaga-se: que autoridade moral fundamenta uma decisão capaz de agravar a situação nacional com consequências imprevisíveis para a vida do povo? Além do mais, o impedimento de um Presidente da República ameaça ditames democráticos, conquistados a duras penas”.

Estou sentindo até aqui, nessa história toda, falta da voz altiva de Minas. Revejo JK: “Sou visceralmente democrata. Para mim a liberdade é algo fundamental.” Revejo também Tancredo Neves: “O primeiro compromisso de Minas é com a liberdade”. Revejo ainda Paulo Pinheiro Chagas: “Brasil intrépido e generoso, com seu velho horror ao arbítrio e seu enternecido amor à liberdade”.


Situações surreais


Cesar Vanucci

“A ruptura institucional introduz no Brasil uma instabilidade e um
potencial de violência política que demoraríamos muitos anos para corrigir.”
(Ciro Gomes)

Por obra e arte desse incrível personagem chamado Eduardo Cunha, que não se enrubesce um tiquinho que seja diante dos rotineiros desatinos praticados, a Câmara dos Deputados viveu no último dia 8 de dezembro situações de um surrealismo sem par.

A zorra toda teve início na reunião da Comissão de Ética convocada pela quinta vez consecutiva para votar o relatório reconhecendo a admissibilidade do processo por quebra de decoro do presidente da Casa, o supracitado Eduardo Cunha, em razão das declarações falsas acerca das contas secretas mantidas em bancos no exterior em depoimento prestado noutra comissão parlamentar. A aguerrida “tropa de choque” do parlamentar, numa manobra fastidiosa, lançando mão de fajutos argumentos, impediu outra vez mais que a votação fosse levada a cabo. Apoderou-se do tempo para inconsistente prosa até o momento fatal do começo da “ordem do dia” da reunião plenária, como já havia feito nas reuniões precedentes, de forma a impedir votação desfavorável aos interesses do deputado, apontado pela Procuradoria Geral da República por procedimentos ilícitos nas investigações da “Lava-Jato”.

Logo na sequência, nos trabalhos plenários, contrariando praxe regimental, Eduardo Cunha recusou-se peremptoriamente a abrir espaço aos deputados para pronunciamentos e discussões a respeito da importante matéria constante da pauta. Anunciou de imediato votação secreta para a composição de Comissão Especial incumbida de conduzir o exame do processo de impedimento da Presidenta Dilma Rousseff, instituído por ele próprio, Cunha, de forma inepta e despojada de sustentação legal, consoante abalizadas opiniões de renomados juristas. O presidente da Câmara limitou-se a informar aos seus pares que duas chapas iriam concorrer ao pleito. Uma delas contendo nomes indicados pelas lideranças partidárias. Outra reunindo elementos sugeridos por oposicionistas e parlamentares desfavoráveis às indicações feitas pelas mencionadas lideranças. Concluída a votação, dando ciência dos resultados, favoráveis à chamada “chapa avulsa”, por ele elaborada de comum acordo com as bancadas oposicionistas, deu por encerrados os trabalhos, convocando reunião para o dia seguinte a fim de ser complementada a relação dos membros da Comissão.

O caráter arbitrário das atitudes assumidas pelo presidente da Câmara, com intervenções que extrapolaram os limites de sua alçada e agrediram o bom senso, ficou muito bem documentado nos dois episódios. Tanto isso é verdade que o Ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, focado no segundo deles, resolveu suspender a instalação da Comissão Especial para análise do processo de impeachment constituída nos moldes descritos. O magistrado acolheu recurso proposto por parlamentares do PC do B onde se defendeu votação aberta para a eleição da Comissão Especial e se argumentou que as indicações de nomes para comporem a referida Comissão devem ser de indicação estrita das lideranças partidárias. O Ministro explicou que sua decisão foi tomada “com o objetivo de evitar a prática de atos que eventualmente poderão ser invalidados pelo Supremo Tribunal Federal, obstar aumento de instabilidade jurídica com profusão de medidas judiciais posteriores e pontuais, e apresentar respostas céleres aos questionamentos suscitados.” Recomendou ainda que se promova de imediato, debate e deliberação do assunto pelo Tribunal Pleno, “determinando, nesse curto interregno, a suspensão da formação e a não instalação da Comissão Especial, bem como dos eventuais prazos, inclusive aqueles, em tese, em curso, preservando-se, ao menos até a decisão do Supremo Tribunal Federal prevista para 16/12/2015, todos os atos até este momento praticados.”             

A manifestação do Ministro foi recebida com sensação de alívio por parte da opinião pública, chocada face à sucessão de lances inconsequentes, derivados de vingança mesquinha e chantagem explícita, que vêm sendo praticados pelo parlamentar com a prestimosa ajuda de setores extremados da oposição, numa tentativa de ruptura da ordem democrática que tem causado mal estar e desassossego em amplos setores da sociedade. Sociedade essa que não oculta seu desagrado com um mundão de coisas que vem acontecendo no país à conta de políticas governamentais equivocadas, mas que não aceita, sob pretexto algum a quebra de preceitos democráticos consolidados.

A carta de Temer

Cesar Vanucci

“Agravo vulgar à política é confundi-la com a astúcia.”
(Gracián, pensador espanhol)

A carta endereçada por Michel Temer a Dilma Rousseff, apontada por alguns de seus correligionários como um gesto de astúcia política para o momento, é um documento desprovido de grandeza que empobrece a biografia do Vice-presidente. Encaminhada às redações dos telejornais na mesma hora (ou quem sabe até antes) da entrega à destinatária, faz pouco caso da inteligência das pessoas.

Não há como o Vice, por mais que se esforce, desvencilhar-se do importante papel exercido como protagonista de proa, tanto pras coisas boas quanto pras negativas, neste enredo político administrativo dos últimos cinco anos de governo. Seu partido, revelando-se cada dia mais peemedebista do que nunca, ocupa com reconhecida voracidade postos e instâncias decisórias num punhado de ministérios, secretarias, organizações estatais, empresas mistas. Muitos nomes de projeção de seus quadros estão sob mira nas investigações da Justiça. Querer, então, de hora pra outra, descerimoniosamente, passar para o respeitável público, até subliminarmente, a ideia da existência de uma antiga dissociação de interesses, de uma discordância aguda em torno de questões capitais na condução dos negócios administrativos em relação ao governo do qual faz parte, chega a ser risível, pra não dizer melancólico.

O que se recolhe do episódio é uma sinalização a mais de que a Nação brasileira vê-se diante de uma conjuntura política amarga e confusa, frustrada por identificar nas lideranças, em todas as legendas, personagens despojados de ideias, imaginação e criatividade.


E, por falar nisso, não é que o Eduardo Cunha continua desafiando abertamente a consciência cívica e democrática brasileira com suas danações?

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