sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Decisões que balançam coretos

Cesar Vanucci *

“O que se concebe bem, se enuncia com clareza.”
(Boileau, “A arte poética”, citado por Paulo Rónai, em seu dicionário)

Dá pra perceber, sem grande esforço de observação, que banqueiros e tecnocratas, em contextos naturalmente diferenciados, vêm dando o melhor de seu talento e criatividade, valendo-se de manhas e artifícios de toda sorte, pra retardar a entrada em vigor, a pleno vapor, de algumas decisões governamentais do mais elevado alcance social. São decisões que balançam pra valer seus manjados coretos. Remexem fundo, dando nó nas cadeiras, como se diz no samba famoso, com suas egoísticas conveniências. A um só tempo que atendem de forma esplêndida aos superiores interesses da sociedade.

Uma dessas inspiradas decisões diz respeito à Lei do Acesso à Informação. A outra decisão tem a ver com a tão sonhada queda dos juros.

Pelo sugestivo enredo da peça em exibição, já era pra todo mundo estar podendo aplaudir de pé, em cena aberta, o despencar vertiginoso das taxas de juros. Nada disso, clamorosa e estranhavelmente, anda acontecendo.

De outra parte, a esta altura do campeonato, a opinião pública já deveria estar sendo também devidamente notificada da adoção de uma sequência de medidas eficazes, nas repartições públicas, em todos os níveis dos diferentes Poderes, no sentido da regulamentação, vez pra sempre, das extravagâncias remuneratórias detectadas.

A Lei do Acesso à Informação, ou seja a Lei da Transparência, surgiu como uma conquista democrática extraordinária. Chegou pra lembrar que a clareza nos atos públicos é um atributo genuinamente republicano. Abre caminho para a abertura das “caixas pretas” dos ganhos abusivos, constituídos ao arrepio da lei e do bom senso. Sedimentados em práticas malsãs no gerenciamento das coisas públicas. A hora da verdade soou – até que enfim! - para um punhado de privilegiados que, há tempos, deita e rola, à tripa forra, nos espaços da gestão de recursos dos contribuintes que lhes são inadvertidamente confiados. Na democracia, os administradores têm o dever de zelar continuamente pela limpidez das coisas nos negócios públicos. Situação inversa a dos regimes totalitários, não importa a coloração ideológica, com sua sempre feroz relutância em prestar contas dos atos tenebrosos cometidos em clandestinas operações.

A divulgação sem engodos dos dados e números, com os acautelamentos legais de respeitáveis direitos pessoais, levará fatalmente, como já aconteceu, à descoberta de situações escabrosas. Vamos citar, no capitulo estarrecedor das remunerações acima (muito acima) do teto legal, os salários de alguns desembargadores de São Paulo e do Rio que atingiram o patamar himalaiano de, respectivamente, 600 mil e 800 mil reais. Como é que fica isso? A opinião pública quer saber, agora mesmo, com carradas de razão, como serão equacionadas essas e muitas outras situações emblemáticas já levantadas pela Lei da Transparência.

Quem são as pessoas ou os órgãos designados para cuidar de repor as coisas nos devidos termos? Deixar ficar como está pra ver como é que fica é simplesmente inaceitável. Esses casos clamorosos de safadeza reclamam, rápido e rasteiro, ações rigorosas. A sociedade não se contentará com alguma mudança que venha a ser aventada com o objetivo de não se fazer mudança alguma, podem crer.

As considerações sobre a queda dos juros, que para o cidadão comum vem ocorrendo ainda em ritmo de caminhada de cágado, ficam pra depois.


Queda de juros, exigência nacional

“Estamos encabrestados. Caímos
numa armadilha, numa arapuca.”
(José Alencar, saudoso Vice-presidente,
 numa declaração de 2003 sobre as taxas escorchantes de juros)

Em resposta a justos anseios, de muitos anos, da sociedade brasileira, o governo Dilma Rousseff vem promovendo seguidas e vigorosas intervenções junto ao Copom no sentido da redução da taxa Selic. O intuito governamental, nessa escalada de decisões aplaudidas por todos os segmentos da opinião pública, é de clareza cristalina. O que se quer alcançar no plano prático é a queda estrepitosa de juros nas relações negociais das instituições financeiras com as diferentes parcelas da comunidade, de modo a que se situem em níveis civilizados.

Níveis civilizados, sim senhor, porque o que tem prevalecido até aqui, neste capitulo da vida brasileira de nossos tempos, não passa de um processo danado de perverso. Um processo que se notabiliza por rematada selvageria e que deixa as forças produtivas da nação, os clientes dessas gananciosas instituições, à inteira mercê do apetite descontrolado por ganhos fáceis dos setores incumbidos, dentro da política econômica, da liberação de recursos para atividades que possam proporcionar bons resultados econômicos e sociais.

Acontece que a Selic vem caindo mês após mês. Chegou recentemente ao seu menor índice desde que instituída, mas neca de pitibiriba dos juros baixarem em termos compatíveis com a nova ordem crediticia que se deseja sensatamente construir.

A apropriação descabida de recursos das pessoas físicas e das empresas, por meio das cobranças exorbitantes do complexo financeiro, cobranças essas que clamam penalizações severas por suas características onzenarias, continua a ser executada em atordoante rotina. Procede-se como se nada de novo houvesse acontecido no cenário econômico. Bancos, empresas que operam com cartões de crédito, outros agentes do sistema financeiro insistem em fazer de conta que as quedas sucessivas da taxa básica oficial de juros, as reiteradas advertências governamentais, o clamor comunitário com relação aos abusos praticados não lhes dizem respeito nadica de nada.

Os demonstrativos das extravagâncias registradas no custo do dinheiro são contundentes. A taxa média dos cartões de crédito contínua sobrepairando em alturas estratosféricas. Quase 13 por cento ao mês, quase 325% ao ano. O IPEAD (Instituto de Pesquisas Econômicas, Administrativas e Contábeis de Minas Gerais) ilustra com exemplos assustadores o que rola por aí. Com os juros vigorantes, dívida de R$ 1 mil numa operadora de cartão cresce para R$ 4.247,85 em um ano. Em dois anos, salta para R$ 16 mil. O mesmo absurdo pode ser constatado no tocante ao cheque especial. As taxas médias mensais quanto a esse item são de 8.16%. As anuais de 156.33%.

A Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste) reforça a argumentação acerca do grave problema dos juros, comparecendo com outra revelação desnorteante. As taxas cobradas nos cartões de crédito dos brasileiros são as maiores, incontestavelmente, da América Latina. Chegam a suplantar em cerca de cinco vezes as da Argentina, país que sabidamente enfrenta no momento situação econômico-financeira que nem de leve se compara com as condições razoavelmente propicias desfrutadas pelo Brasil.

A sociedade exige que providencias enérgicas sejam logo colocadas em prática, nessa tormentosa questão dos juros. Espera pelo enquadramento, de maneira exemplar, do sistema crediticio, de modo a que passe a adotar normas de atuação consentâneas com o sentimento e os interesses brasileiros.

O papel que toca a esse setor é o de prestar ajuda valiosa nas conquistas do desenvolvimento econômico e social, reforçando a luta em favor do progresso em que a Nação se vê empenhada. Com essa política de juros indecente fica bem mais difícil pro País, com toda certeza, galgar os patamares de crescimento ardentemente almejados pela sua valorosa gente.

* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

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