terça-feira, 4 de novembro de 2025

Beto “desapareceu” na Casa da Morte

 

 

*Cesar Vanucci

“Seu amigo esteve aqui”

(Frase ouvida por Inês Ettiénne, na “Casa da Morte”)

 

 

Damos continuidade hoje ao relato da trágica odisseia vivida na era trevosa da ditadura, por uma pacata família de classe média mineira.

Inteirados da prisão do caçula Beto, seus pais, Jayme e Alice, ajudados pelos demais filhos, concentraram sues angustiantes esforços na procura do local em que ele poderia estar detido. Na sofrida empreitada endereçaram apelos a personagens graduados do regime, implorando lhes fosse dada a oportunidade de se avistarem com Carlos Alberto Soares de Freitas, de maneira a prestar-lhe alguma assistência. Foram surpreendidos, em certo momento, com manifestação do gabinete militar da Presidência da República. Recebidos por autos oficiais do gabinete, obtiveram ali a informação, reafirmada dias após em telefonema da mesma fonte, que o filho, com toda certeza, não se achava recolhido a nenhuma dependência prisional.

 Acerca da atuação de Beto, como opositor do regime, existem várias versões fragmentadas, desencontradas e controversas. Não padecem dúvidas de que ele, juntamente com Dilma Rousseff e outros fizeram parte de organização que operava na clandestinidade incrementando ações de desestabilização do governo. Companheiros seus da época, em depoimentos dados com a chegada da democracia, sustentam que ele abriu cisão no movimento  por opor-se à luta armada.

 A presa política, Inês Etiêne Romeu, companheira de jornada, única sobrevivente da apavorante “Casa da Morte” de Petrópolis, selvagemente estuprada, torturada e mutilada, forneceu informação, certamente conclusiva sobre o destino de Carlos Alberto. De um de seus algozes colheu a seguinte frase: “seu amigo esteve aqui”.

De tudo quanto posto, restou a impactante e dorida certeza de que Carlos Aberto foi assassinado com extrema brutalidade, provavelmente entre fevereiro e maio de 71, na horrenda casa da morte, onde as vítimas, segundo se apurou mais tarde, costumavam ser esquartejadas , Santo Deus!

Entrementes, no lar da família Soares Freitas, zelosamente cuidado pela mãe, o quarto de Beto, com seus livros, roupas e demais pertences  permanecia imaculadamente preservado, à espera (que nunca se deu) do ocupante.

Retornando às denuncias de Ettiénne sobre atrocidades cometidas na Casa da Morte, denominada pelos desalmados torturadores de “casa da convivência” e “Codão”, numa alusão ao CODI, seja anotado que o Deputado Rubens Paiva também passou por lá.

A pungente história do sociólogo Carlos Alberto Soares de Freitas e o drama que se abateu sobre sua família deram origem a livro intitulado “seu amigo esteve aqui” escrito pela jornalista carioca Cristina Chacel já falecida, e a filme-documentário com o mesmo título, pronto para lançamento nas telas de cinema.

Por ultimo, não se sabe até hoje, onde foram lançados os restos mortais de Beto.

Jornalista (cantonius1@yahoo.com,br)

 

 

Meio século depois


*Cesar Vanucci

“Lembro-me com saudade do tio Beto, tocando violão e cantando nas festas da família.”

( Maria Claudia, sobrinha de Beto)

 Conforme já relatado, em fevereiro de 1971, o sociólogo e jornalista mineiro Carlos Aberto Soares de Freitas, o Beto, 31 anos, líder universitário com forte carisma, engajado em movimentos culturais, políticos e sociais, “desapareceu” sem deixar vestígios. Mais de meio século depois, agora em agosto, em concorrida solenidade, realizada na ALMG, o Estado brasileiro, com pedido de perdão incluso, entregou aos seus familiares e de outros “desaparecidos políticos”, certificado reconhecendo que sua morte foi provocada por agentes públicos, de forma cruel, durante o trevoso período do autoritarismo. Sobrinhos de Beto receberam o documento. Seus pais e seus 7 irmãos que, por anos a fio se empenharam em extenuantes, doloridas e frustrantes buscas  pelo seu paradeiro, não estiveram presentes ao histórico ato por já terem - para valermo-nos de magistral conceito camoniano  – “partido primeiro”.

Filho caçula do casal Jayme Martins de Freitas e Alice soares de Freitas, morava com familiares a Rua Espírito Santo, no Centro de Belo Horizonte, próximo à Imprensa Oficial. A ruptura democrática em 64 desencadeou  detenções em massa, em todo o país. Cassou mandatos, destituiu governantes, suspendeu direitos políticos, implantou clima de medo e sobressalto, incentivando a desonrosa prática do “dedodurismo”. O meio universitário foi inclementemente alvejado na ocasião. Por fazer públicas suas críticas ao regime recém-instaurado, Beto foi preso nos instantes prefaciais do movimento, sendo libertado por força de habeas corpos, retornando às suas atividades sociais e profissionais, até o fatídico dia de seu “desaparecimento”. A circunstância de haver integrado grupo de estudantes que visitou Cuba, tempos antes concorreu, ao que se imagina, para coloca-lo na lista dos suspeitos, ou então, como se costumava dizer “subversivos”.

Quando se deram conta de que alguma coisa mais grave havia ocorrido com filho mais novo, os pais, irmãos, primos e amigos  lançaram-se numa frenética peregrinação por locais utilizados para o encarceramento dos chamados presos políticos. Determinado dia, irmão de Beto, deparou-se numa delegacia de polícia,  Rio de janeiro, com um cartaz de “procurados”. Entre outras fotos estampadas, chamava a atenção a de Beto assinalada com enigmático X em tinta vermelha.  Paralelamente a isso, o chefe da família Freitas, recebeu uma carta assinada pelo próprio Carlos Alberto. Da carta constava a revelação de que o autor a escrevera com antecedência, para remessa, na hipótese de vir a ser preso.

 

Outros lances da história ficam para par próximo artigo.

 

Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

A SAGA LANDELL MOURA

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